Instigante e acelerado,
Wheelman é um filme de ação de respeito
Cada vez mais qualificadas, as produções originais da Netflix vem
ganhando uma justificada relevância junto aos fãs da Sétima Arte. Entre erros e
acertos, a popular empresa americana tem investido pesado nos seus filmes, se
insurgindo contra o tradicional modo de se pensar o Cinema ao tirar do papel
obras ecléticas e geralmente idealizadas para instigar o espectador. Após ser o pivô
de uma grande polêmica comercial no Festival de Cannes 2017 (entenda aqui), a
Netflix tem feito jus ao burburinho criado, presenteando o público com títulos
do porte de Okja e Os Meyerowitz: Família Não se Escolhe. Ao meu ver,
entretanto, o grande mérito da empresa está nas produções menores, no espaço
dado a novos realizadores e atores que nem sempre estão sob os holofotes de
Hollywood. Esse, por exemplo, é o caso de Wheelman, um filme de ação frenético
e surpreendente que está entre os melhores representantes no gênero em 2017. A
partir de uma premissa enxuta e naturalmente intrigante, o thriller dirigido
pelo estreante em longas Jeremy Rush pisa no acelerador ao narrar as
desventuras de um piloto de fuga envolvido num roubou mal resolvido, colocando
o espectador no banco do carona numa película tensa, claustrofóbica e
tecnicamente impactante.
Numa mistura de Baby Driver (2017), com Drive (2011) e o imersivo Locke
(2013), o roteiro assinado pelo próprio Jeremy Rush nos "prende" a um
possante BMW num filme que parece não ter tempo a perder. Embora a premissa não
soe tão original assim, o realizador californiano é habilidoso ao estabelecer a
delicada situação do protagonista, extraindo o máximo de tensão da trama ao
investir numa estrutura narrativa concisa e gradativa. Mesmo limitado pelo
baixo orçamento, Rush esbanja virtuosismo técnico ao desvendar mistérios em
torno do personagem títulos sem abdicar da ação, personificando a ameaça sempre
que necessário ao investir num 'mise en scene' ágil e impactante. Na verdade, Wheelman
surpreende ao transitar entre os gêneros com enorme espontaneidade, se
mostrando uma obra atraente tanto para os fãs de um nervoso suspense, quanto
para os consumidores de uma película mais acelerada. Na trama, seguimos os
passos do tal Homem da Roda (Frank Grillo), um piloto de fuga caladão que só
queria fazer o seu trabalho. Com a missão de levar dois ladrões de banco a um
ponto específico, ele é pego de surpresa ao receber uma enigmática ligação. Sem
ter em que confiar e temendo pela sua vida, o motorista decide assumir as
rédeas da situação sozinho, sem sequer desconfiar do tamanho da encrenca em que
havia se metido.
Longe de ser apenas "mais um" filme de fuga\perseguição,
Wheelman mostra as suas credenciais ao entender a importância de um grande
protagonista dentro do gênero. Com a
intenção de estreitar a conexão entre o público e o piloto de fuga, James Rush
é inteligente ao, num primeiro momento, se aprofundar na personalidade do
protagonista, nos aproximando dos seus "conflitos" ao criar uma
figura humana e naturalmente 'badass'.
Um homem com faro para o perigo que, indiscutivelmente, está entre os
pontos altos do longa. Impecável ao introduzir\explorar o aspecto instintivo do
personagem, o roteiro é igualmente esperto ao estabelecer a crescente atmosfera
de tensão. Sem apelar para reviravoltas mirabolantes, Rush empolga ao colocar o
protagonista no centro de um 'plot' genuinamente intrigante, realçando o senso
de perigo em torno do piloto de fuga e a sua crescente desconfiança enquanto
ele tenta desvendar os mistérios por trás deste roubo. O resultado é um arco
central plausível e envolvente, um argumento redondo incrementado pelo virtuosismo
técnico do novato James Rush. Num engenhoso jogo de câmeras, ele praticamente
nos coloca dentro dos veículos ao traduzir a adrenalina das perseguições, o
desespero do protagonista e a sua obstinada busca pela sobrevivência. Como a
maior parte do filme é rodada dentro do carro, o diretor extrai o melhor dos
seus comandados ao apostar em refinados planos fechados, capturando a expressão
e a angústia dos personagens em sequências enérgicas e criativas. Numa delas,
em especial, Rush impacta ao flertar com o realismo extremo, um momento
visceral que sintetiza o esmero estético da película. Além disso, nas poucas (e
intensas) cenas em que os protagonistas deixam o "confinamento"
ambulante, o californiano faz um inventivo uso da câmera subjetiva ao manter o
espectador dentro dos veículos, culminando num clímax nervoso e incisivo.
Um dos poucos nomes reconhecidos em meio a tantos rostos promissores, o
competente Frank Grillo eleva o alcance da película ao criar um protagonista
urbano e astuto. Reconhecido pela sua intensidade, o talentoso ator absorve as
nuances do piloto de fuga com extrema naturalidade, indo do pai zeloso ao
ladrão agressivo com uma explosiva plenitude. Contando ainda com um impactante
desenho de som (o ronco dos motores é praticamente transformado na trilha
sonora), sequências de ação absolutamente verossímeis e a imersiva fotografia
noturna de Juan Miguel Azpiroz (Pecados Inocentes), Wheelman se revela um filme
b com pedigree. Um longa veloz, enxuto (os 80 minutos de duração passam voando)
e recheado de predicados técnicos que literalmente rouba a cena dentro do
universo de produções originais da Netflix.
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