Como bem disse o mestre Martin Scorsese, num corajoso artigo ao The
Hollywood Reporter, o sucesso de um filme não deve, de maneira alguma, estar
atrelado somente ao seu faturamento. Isso é um fato. Numa indústria cada vez
mais dominada pelos grandes estúdios, entretanto, uma "pequena"
produtora tem conseguido resultados expressivos e roubado a cena entre os
caríssimos blockbusters. Uma das principais responsáveis pelo
"reaquecimento" do gênero Terror nos últimos anos, a Blumhouse Productions
se ergueu entre os gigantes com uma fórmula realmente lucrativa. Com boas
ideias, produções de baixo orçamento e trabalhos cada vez mais engenhosos, a
empresa criada pelo produtor Jason Blum se distanciou dos "medalhões"
ao dar voz para novos realizadores, equilibrando entretenimento e qualidade em
títulos frequentemente acima da média. Embora erre como qualquer outro estúdio,
vide as bombas Ouija (2014), Jessabelle (2014), O Garoto da Casa ao Lado
(2015), A Forca (2015), Martírio (2015), Atividade Paranormal: Dimensão Fantasma
(2015) e o "vício" nas franquias, a empresa tem colecionado
sucessos comerciais (e ocasionalmente de crítica) com surpreendente
naturalidade. O que fica bem claro com a mais nova empreitada da produtora, o
divertidíssimo A Morte te Dá Parabéns (leia a nossa opinião aqui). Dirigido por
Christopher London, o irônico 'slaher movie' já soma US$ 53 milhões ao redor do
mundo, um valor quase doze vezes maior do que o seu modesto orçamento, cerca de
US$ 4,5 milhões. Além disso, a película estrelada pela talentosa Jessica Rothe
foi recebida de maneira amistosa pela crítica, se tornando apenas mais um dos triunfos da Blumhouse nesta temporada de 2017.
Para entendermos melhor o êxito da "fórmula Blumhouse",
entretanto, precisamos retornar para o ano de 2007. Hoje reconhecida pelos seus
filmes de Terror\Horror, a companhia fundada em 2000 começou trabalhando em
títulos mais diversificados, entre eles a aventura The Darwin Awards (2006), a
comédia dramática O Amor Pode dar Certo (2006) e o filme de assalto Graduation
(2007). Eis que, num daqueles lucrativos acasos, um projeto independente de US$
15 mil se tornou um estrondoso sucesso nos EUA. Dirigido, roteirizado, editado,
fotografado e coproduzido por Oren Peli, Atividade Paranormal causou um enorme
frisson junto aos fãs do segmento já nas suas primeiras exibições. Lançado de
forma despretensiosa no Screamfest Horror Film Festival, o longa falhou em
encontrar um distribuidor num primeiro momento, mas chamou a atenção de Jason
Blum, na época executivo da Miramax. Após uma série de pequenas mudanças na trama, uma
cópia foi parar nas mãos do mestre Steven Spielberg, que, do alto do seu
prestígio, classificou o filme como "um dos mais assustadores" que ele já havia
visto. Um "aval" que logo chamou a atenção da gigante Paramount. Sem
ter a noção do alcance do projeto, Peli e Blum venderam os direitos do filme
por US$ 300 mil, um valor aparentemente satisfatório perto do minúsculo custo
de produção. Ledo engano. Contando com o aporte de um grande estúdio, combinado com uma inventiva
campanha de marketing, Atividade Paranormal chegou aos cinemas em 2009 para se
tornar um dos projetos mais rentáveis da história da Sétima Arte. Numa das maiores
surpresas recentes da indústria, o filme "faça você mesmo" faturou
impressionantes US$ 193 milhões mundialmente, superando títulos do porte de Watchmen (US$ 185 milhões), Julie e Julia (US$ 129
milhões), Invictus (US$ 122 milhões) e Zumbilândia (US$ 102 milhões). Além disso,
graças a uma mudança no desfecho da película, a Paramount transformou a série numa franquia de seis filmes que, apesar da grosseira queda
de qualidade e originalidade, seguiu faturando alto e rendendo frutos para a
Blumhouse. Num todo, a hexalogia somou US$ 890 milhões ao redor do mundo, um valor estrondoso diante do baixo custo de
produção, cerca de US$ 28 milhões. Em 2011, inclusive, Atividade Paranormal 3
se tornou o primeiro filme da Blumhouse a cruzar a marca dos US$ 200 milhões nas bilheterias, batendo os blockbusters Cavalo de Guerra (US$ 177 milhões), Cowboys e Aliens (US$ 174 milhões) e
Sucker Punch (US$ 82 milhões).
Colhendo os frutos da franquia Atividade Paranormal, a Blumhouse decidiu
aplicar os lucros em novos projetos dentro do gênero, se distanciando da saga
idealizada por Oren Peli com uma interessante trinca de filmes. Já trabalhando
com nomes mais reconhecidos pelo grande público, entre eles os versáteis Ethan
Hawke, Patrick Wilson e Rose Byrne, a companhia se estabeleceu em Hollywood com
o esperto Sobrenatural (2011), o tenebroso A Entidade (2012) e o crítico Uma
Noite de Crime (2013). Sob a batuta do então promissor James Wan (Jogos
Mortais), o primeiro misturou terror e comédia como há muito não se via,
revitalizando o subgênero "famílias em apuros em casas mal
assombradas" ao faturar expressivos US$ 97 milhões ao redor do mundo. Um
retorno espetacular perto dos US$ 1,5 milhão de orçamento. No ano seguinte,
dirigido por Scott Derrickson (Doutor Estranho), o pesado A Entidade (2012)
mostrou que a empresa era capaz de criar um filme visualmente assustador.
Daqueles que, confesso, eu não indicaria e nem tão pouco assistiria novamente.
Com um custo de produção de US$ 3 milhões, a película somou US$ 77 milhões
mundialmente, se tornando mais um indiscutível triunfo comercial da produtora. Nesta fase de consolidação, entretanto, o longa mais audacioso da Blumhouse foi o
crítico Uma Noite de Crime. Fazendo um excelente uso do subtexto social, a
película dirigida por James DeMonaco usou a ficção para expor o preconceito e a
desigualdade social presente nos EUA, rendendo US$ 83 milhões para um orçamento
de US$ 3 milhões. Um filme agressivo que, sabe-se lá porque, foi recebido de
maneira morna pela crítica norte-americana.
Com três "marcas" lucrativas em mãos, a Blumhouse, num
primeiro momento, priorizou o retorno "fácil" e investiu nas tão
cobiçadas (e caça-níquéis) franquias. Enquanto a série Atividade Paranormal logo
mostrou o seu esgotamento, culminando numa série de rentáveis e dispensáveis
sequências, em Sobrenatural e Uma Noite de Crime Jason Blum conseguiu extrair
novas histórias sem "subestimar" a inteligência do espectador.
Lançado em 2013, o divertido Sobrenatural: Capítulo 2, por exemplo, conseguiu
resgatar o melhor do primeiro longa numa continuação tensa e irônica, se
tornando um dos grandes sucessos de público da companhia ao faturar US$ 161
milhões mundialmente. O mesmo, aliás, aconteceu nas continuações de Uma Noite
de Crime, os ferozes Anarquia (2014) e O Ano da Eleição (2016). Estrelados por
Frank Grillo, os dois filmes, mesmo longe de serem memoráveis, conseguiram
ampliar a mitologia original sem abrir mão da crítica social. Juntas, as duas
películas somaram US$ 230,5 milhões nas bilheterias, superando (e muito) os US$
19 milhões de orçamento. Neste meio tempo, porém, é bom frisar que a Blumhouse
seguiu investindo também em produções realmente originais, colecionando
críticas positivas em obras (ainda) menores como o thriller espiritual O
Espelho (2013), o drama da HBO The Normal Heart (2014), a comédia de ação
Stretch (2014), o aclamado Whiplash: Em Busca da Perfeição (2014), o suspense O
Presente (2015), o ácido A Visita (2015) e o sucesso da Netflix Hush: A Morte
Ouve (2016). Embora não tenha conseguido o retorno financeiro com a maioria
destes títulos, a exceção ficou pelo 'hit' dirigido por M. Night Shyamalan, a
Blumhouse, ao trabalhar com nomes com os promissores Mike Flanagan e Damien
Chazelle, o competente Joe Carnahan e atores do quilate de Mark Ruffalo, Julia
Roberts, Joel Edgerton e J.K Simmons mostrou que prezava também pela qualidade
das suas produções, entregando filmes bem mais elaborados do que o de costume.
Em 2017, porém, a Blumhouse conseguiu encontrar o melhor dos dois mundos, aliando boas críticas ao sucesso de público. Após ser "resgatado" em A Visita, M. Night Shyamalan voltou a aprontar das suas no ótimo suspense psicológico Fragmentado. Impulsionado pela fenomenal performance de James McAvoy, o longa surpreendeu a todos ao se revelar uma espécie original de continuação, uma ampliação do universo introduzido lá no início da sua filmografia no excelente Corpo Fechado (2001). Temos então um sucesso de público e crítica, uma obra de US$ 9 milhões que faturou mais de US$ 278 milhões mundialmente. Uma das grandes surpresas cinematográficas deste ano, porém, se deu com o excelente Corra!. Sob a inteligente batuta de Jordan Peele, o audacioso thriller colocou o dedo na ferida ao expor os tão enraizados conflitos raciais nos EUA, debatidos numa película nervosa, criativa e extremamente ácida. No embalo da extraordinária atuação de Daniel Kaluuya, Corra! foi aclamado pela mídia especializada, o que reverberou no aspecto comercial. Com um custo de produção de US$ 4,5 milhões, o filme faturou estrondosos US$ 253 milhões ao redor do mundo, superando a arrecadação dos blockbusters Alien: Covenant (US$ 240 milhões), Ghost in The Shell (US$ 169 milhões), Rei Arthur (US$ 148 milhões) e Power Rangers (US$ 142 milhões). A lição que fica é bem clara. Embora eu entenda que palavras como lucro, bilheteria e taxa de ocupação não devem definir o sucesso (ou não) de um projeto, o caso Blumhouse mostra que as pequenas produções podem ser bem mais rentáveis que alguns caríssimos (e genéricos) filmes pipocas. Entre erros e acertos, a empresa se consolidou com uma proposta dissonante, usando a lógica do cinema independente, principalmente quando o assunto é o baixo custo de produção e o espaço aos novos realizadores, mas pensando no grande público. O resultado é uma fórmula rentável que, pelo menos em 2017, mostrou qualidade o suficiente para rivalizar com outras grandes produções hollywoodianas.
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