Inspirado numa incrível história real, Arremesso de Ouro cativa ao
narrar a trajetória dos dois primeiros atletas indianos da MLB, a Liga de
Beisebol Norte-Americano. No seu primeiro grande trabalho pós-Mad Men, o
excelente Jon Hamm brilha ao capturar a tridimensionalidade do seu personagem,
um homem de negócios desesperado em busca de uma nova chance, impedindo que o
longa se torne uma daquelas genéricas jornadas de superação. Conduzido com
extrema energia pelo diretor Craig Gillespie (Horas Decisivas), o bem humorado
drama biográfico envolve ao tratar o esporte como um dos últimos instrumentos
realmente democráticos de ascensão social, se esquivando dos clichês do gênero
ao realçar as verdadeiras barreiras em torno deste processo. Além de tirar o
máximo do seu talentoso (e diversificado) elenco, o realizador norte-americano
é igualmente cuidadoso ao não só abraçar a rica cultura indiana, como também ao
expor os contrastes entre os dois países, tornando a complexa relação entre
agente e jogadores naturalmente interessante aos olhos do público.
Numa mistura de Jerry Maguire: A Grande Virada com Quem quer ser um
Milionário?, o roteiro assinado pelo vencedor do Oscar Tom McCarthy (Spotlight:
Segredos Revelados) é criativo ao utilizar o mundo dos negócios esportivos como
o ponto de partida para uma premissa genuinamente familiar. Dividido em duas
metades bem distintas, na primeira hora de projeção acompanhamos a audaciosa
ideia do empresário JB (Jon Hamm), um representante de atletas que vê a sua empresa
ficar em sérios problemas quando a sua principal aposta escolhe ir para a
concorrência. Desolado, ele resolve se voltar para um mercado inexplorado, a
superpopulosa Índia, na busca por um atleta que pudesse revolucionar a sua
combalida firma. Com o apoio de um influente empresário, JB decide tirar do
papel o Arremesso de Ouro, um reality show esportivo que iria levar dois
jogadores de críquete para os EUA e torna-los atletas de Beisebol. Impecável ao
mostrar o caótico estilo de vida em solo indiano, Craig Gillespe se distancia
dos estereótipos ao investigar a dura condição social neste país marcado pela
desigualdade e pela elevada densidade demográfica.
Sem a intenção de expor somente as mazelas e as dificuldades, o
realizador norte-americano é habilidoso ao revelar também a vasta cultura
indiana, ao reproduzir alegria, o forte elo familiar e o respeito às tradições,
uma abordagem humana que se torna um dos pontos altos do magnético primeiro
ato. Impulsionado pela contrastante fotografia colorida de Gyula Pados,
inventiva ao extrair a beleza em um cenário nem sempre belo, Gillespe consegue
introduzir os jovens jogadores Dinesh (Madhur Mittal) e Rinku (Suraj Sharma)
com enorme agilidade, permitindo que o público crie uma sincera identificação
com os dois durante a realização do divertido reality show. Antes de deixar o
"núcleo indiano", inclusive, o diretor esbanja delicadeza ao realçar
a forte conexão da dupla com as suas raízes, ao expor a dura realidade de ambos
em solo indiano, preparando o terreno para a segunda metade da trama ao realçar
a responsabilidade de JB envolvendo o destino dos dedicados garotos.
Quando o assunto é a hora final, aliás, é interessante ver o esmero de
Craig Gillespe ao construir os conflitos entre JB e os indianos. Embora se escore
alguns clichês do tipo "homem de negócios que não dá bola para àqueles que
o cerca", o roteiro consegue trazer o pano de fundo familiar para o centro
da trama sem recorrer a tipos\soluções unidimensionais. Após viver o multifacetado
Don Draper na série Mad Men, Jon Hamm criar um empresário astuto, audacioso e
ambicioso, um protagonista falho com um arco repleto de nuances. A jornada de
JB não vai do ponto a ao ponto b com conveniência. Ele erra, acerta, volta a
errar. Existe um meio termo entre os negócios e amizade, uma zona cinzenta
explorada com sensibilidade por Tom McCarthy e Jon Hamm. Somado a isso, o
roteiro diverte ao mostrar também o choque cultural de Dinesh e Rinku em solo
norte-americano. E isso sem precisar apelar para uma visão estereotipada e\ou
preconceituosa. Outro ponto que agrada, e muito, é o arco amoroso envolvendo a
cativante inquilina Brenda. Interpretada com energia pela carismática (e
subestimada) Lake Bell, a vizinha surge como uma interessante voz da razão, uma
personagem retilínea - é verdade - mas que em nenhum momento soa rasa ou
dispensável.
Por fim, o grande diferencial de Arremesso de Ouro é a maneira
realística com que o longa trata o esporte como um democrático instrumento de
ascensão social. Sob um prisma universal, Craig Gillespe é delicado ao mostrar
a pressão sobre os jovens, ao revelar o sonho destes garotos criados num
ambiente pobre e desigual, um panorama crível que se assemelha a trajetória da
maioria de jovens que dedica parte da sua vida a uma modalidade esportiva com a
esperança de se tornar um atleta profissional. Em suma, com personagens
adoráveis (Alan Arkin, o saudoso Bill Paxton e o indiano Pitobash estão
ótimos), uma direção segura e momentos genuinamente comoventes, Arremesso de
Ouro é um 'feel good movie' leve e narrativamente consistente que acerta ao se
encantar pela natureza humana dos protagonistas desta revigorante história
real.
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