terça-feira, 12 de setembro de 2017

O Zoológico de Varsóvia

Nunca esqueçam do passado


Caos, morte, opressão. Numa época em que velhos fantasmas surgem para nos assombrar novamente, O Zoológico de Varsóvia se revela um relato não só urgente, como necessário. Embora se renda à concessões bem típicas do gênero, o longa dirigido por Niki Caro (Encantadora de Baleias) mostra pulso ao expor sob um prisma humano e naturalmente impactante a dor e a destruição imposta pelos nazista em solo polonês durante a Segunda Guerra Mundial. Inspirada em extraordinários fatos reais, a realizadora neozelandesa se esquiva do teor reverencial ao reproduzir a altruísta jornada do casal Jan e Antonina Zabinski, ampliando o escopo da trama ao não se sentir presa aos feitos dos dois. Mesmo limitada pelo baixo orçamento para uma produção de guerra, Caro é incisiva ao pintar um retrato desesperançoso sobre o conflito, ao realçar a impotência e o medo dos personagens diante do autoritarismo, oferecendo uma visão macro sobre o tema ao preencher a película com sequências devastadoras e genuinamente comoventes. Na verdade, ao ir além do heroísmo e da resiliência, O Zoológico de Varsóvia ganha relevância ao lembrar dos que se foram, da crueldade e da violência imposta pelo totalitarismo, usando a História para evitarmos que os erros do passado ecoem no futuro.


Adaptação do livro homônimo da escritora Diana Ackerman, o roteiro assinado por Angela Workman é cuidadoso ao tratar o casal Zabinski como figuras humanas, dois personagens pacatos expostos a ameaçadora presença do exército nazista em solo polonês. Fiel à realidade dos fatos, Niki Caro esbanja categoria a construir a crescente atmosfera de tensão, ao realçar a vulnerabilidade dos dois e o impacto da guerra no estado de espírito de ambos. Fazendo um primoroso uso dos contrastes, a realizadora é inicialmente sensível ao revelar a ensolarada rotina de Jan (Johan Heldenbergh) e Antonina (Jessica Chastain) a frente do popular zoológico de Varsóvia. Ao longo do imersivo primeiro ato, Caro consegue não só estabelecer o amor da dupla pelos animais, como também a relação de cumplicidade entre os moradores da região, preparando o terreno para o choque de realidade ao criar um ambiente pacífico e harmonioso. Uma introdução repleta de sentimento que, indiscutivelmente, se torna decisiva para a mudança de tom proposta pelo roteiro. Apesar da encantadora fotografia iluminada de Andrij Parekh sugerir uma aparente tranquilidade, o longa faz questão de expor o lado mais trágico do confronto através de sequências fortes e naturalmente revoltantes. Como não citar, por exemplo, a sequência da destruição do zoológico, uma cena contundente e positivamente caótica que, ao utilizar os inocentes animais como uma espécie de símbolo, realça o quão indefesos estavam os poloneses diante da avassaladora invasão do exército alemão. Um desfecho de primeiro ato abrupto, contextualizado e totalmente coerente com o que estava por vir para os sobreviventes.


Impecável ao explorar o medo, a resiliência e o forte altruísmo de Jan e Antonina, Niki Caro é igualmente habilidosa ao mostrar a reação dos dois perante a segregação judia e a "prisão" dos seus amigos. Sem nunca trata-los como heróis, a diretora neozelandesa amplia a escala de tensão ao mostrar como o casal transformou o abandonado zoológico num esconderijo para os judeus fugitivos, ressaltando o fator humano ao expor a deteriorante rotina dos judeus nos guetos de Varsóvia. Embora peque pela pura unidimensionalidade em alguns momentos, uma opção, verdade seja dita, justificável neste sentido, ela é incisiva ao traduzir o início do holocausto, o desprezo dos alemães para com os judeus, preenchendo a trama com sequências dramáticas e brilhantemente dirigidas. Através de planos subjetivos, Caro incomoda ao capturar o olhar de espanto de Jan dentro do gueto, ao realçar a desesperançosa face dos homens comuns diante do caos, permitindo que o espectador compreenda o tamanho da dor imposta pelos nazistas. E isso, diga-se de passagem, sem precisar apelar para a violência gratuita, já que a sugestão, aqui, surge como uma poderosa ferramenta de choque. Sem querer revelar muito, a sequência em que Jon tenta livrar um velho amigo do trágico fim é de cortar o coração e só reforça a impotência dos personagens diante do cenário macro. Que cena ingenuamente triste. Num todo, aliás, apesar do modesto orçamento, cerca de US$ 20 milhões, a equipe direção de arte faz um competente trabalho na reconstrução deste cenário desolador, dando a Caro a possibilidade de criar um relato completo e verossímil sobre este período. 


No momento em que deveria dar o "salto de qualidade", no entanto, O Zoológico de Varsóvia patina ao se render aos clichês do gênero. Embora acerte ao abrir uma pequena brecha para expor o impacto da presença de Lutz Heck (Daniel Brühl) no casamento de Jon e Antonina, o errático triângulo amoroso sugerido pela trama nunca decola, principalmente pela maneira unidimensional com que o roteiro trata o oficial alemão. Por mais que o talentoso Daniel Brühl se esforce na tentativa de imprimir um olhar humano ao seu personagem, o nazista ganha um arco raso e extremamente previsível, um problema que fica bem claro quando nos deparamos com o interessante desfecho do zoologista de Hitler. Menos mal que, diante destes problemas, a desconfortável relação entre Lutz e Antonina se revela bem mais atraente aos olhos do público, potencializada pela excelente performance de Jessica Chastain. Uma das atrizes mais completas da sua geração, a norte-americana enche a tela de emoção ao criar uma figura feminina forte e humana, uma mulher apaixonada pelos animais e corajosa o bastante para enganar o exército alemão. Esbanjando sensibilidade em cena, Chastain absorve as emoções da sua Antonina com facilidade, elevando o nível do texto em sequências íntimas e acolhedoras. Ela, inclusive, não se intimida ao "contracenar" com os animais, entre eles elefantes, coelhos, camelos, leões brancos e macacos, numa comovente dedicação ao legado da sua personagem. No mesmo nível da sua parceira de cena, o intenso Johan Heldenbergh (Alabama Monroe) evidencia o misto de esforço e impotência do seu Jon com enorme naturalidade, criando uma figura íntegra, mas positivamente comum. Quem rouba a cena, entretanto, é a jovem Shira Haas, olho nela, impecável na pele de uma traumatizada sobrevivente que consegue dizer muito mesmo pronunciando poucas palavras. 



Esteticamente refinado, O Zoológico de Varsóvia se comprova enquanto relato histórico ao encontrar a luz num momento de trevas, nos brindando com um retrato comovente e revoltante sobre dois heróis da vida real. Mais do que simplesmente reverenciar os feitos do casal, a diretora Niki Caro eleva o senso de plenitude do longa ao mostrar o melhor e o pior do ser humano, ao revelar a resiliência de um povo dominado pela tirania, mostrando que a esperança pode brotar dos mais dizimados solos. O resultado é uma obra tocante que, mesmo sem ser brilhante, nos lembra dos horrores da guerra sob um prisma tenso, íntimo e tragicamente sugestivo. E não podemos esquecer disso.


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