Sabe aqueles filmes que você assiste com um sorriso de canto de rosto praticamente da primeira à última cena. Esse é o caso de Ganhar ou Ganhar, uma
comédia familiar sincera e extremamente humana que infelizmente não alcançou o
grande público. Reunindo alguns dos nomes mais subestimados de Hollywood, o
talentoso diretor Tom McCarthy, do superestimado vencedor do Oscar Spotlight:
Segredos Revelados (2015), constrói uma tocante história de amizade entre um
integro advogado com sérios problemas financeiros e um talentoso jovem
abandonado pela mãe. Embora num primeiro momento o longa não soe tão original,
dois anos antes Sandra Bullock conquistou a Academia numa produção bem
semelhante, o edificante Um Sonho Possível (2009), o realizador americano
é autoral ao tratar o tema sob um prisma bem mais agridoce,
realçando a complexidade do tema num filme irônico, com um roteiro recheado de
nuances morais e uma série de personagens absolutamente cativantes. Um trabalho
incrementado pelo sempre excelente Paul Giamatti, um daqueles atores que teve
que buscar na TV, mais precisamente no elogiado seriado Billions, um
reconhecimento não conseguido no Cinema.
Com roteiro assinado pelo próprio Tom McCarthy, Ganhar ou Ganhar encanta
pela maneira humana com que trata os seus personagens. Ainda que pese a mão em
um ou dois momentos, todos eles envolvendo a dúbia figura materna interpretada
pela ótima Melanie Lynskey (a Rose de Two and a Half Men), o diretor é
cuidadoso ao estabelecer os seus conflitos pessoais sem um pingo de julgamento,
transitando habilmente entre o drama e a comédia ao narrar a espinhosa jornada
de Mike (Giamatti). Reconhecido pela sua conduta honesta e pelo seu forte altruísmo,
o pacato advogado vinha encontrando dificuldades para cuidar da sua casa, da
sua esposa Jackie (Amy Ryan) e das suas duas filhas. Convivendo com repentinas
crises de estresse, ele só relaxava mesmo nas aulas de Luta Greco-Romana, onde
liderava uma turma de desmotivados jovens. Temendo pela situação financeira da
sua família, Mike encontra uma brecha no Sistema quando um dos seus clientes, o
desmemoriado Leo (Burt Yong), é classificado como invalido e obrigado a ter os
seus bens administrados pelo Estado até a sua morte. Mesmo sabendo que estava
cruzando uma importante barreira ética, ele resolve assumir a tutela do
solitário idoso, o que lhe renderia cerca de US$ 1.500 por mês. Tudo muda, no
entanto, quando o neto de Leo, o introspectivo Kyle (Alex Shaffer), aparece na
antiga casa do avô após ser abandonado. Relutantes, Mike e Jackie decidem dar
um abrigo provisório para o jovem. Não demora muito, porém, para o casal criar
um vínculo com o educado rapaz, principalmente após ele se revelar um exímio
lutador. Uma sintonia que passa a ser abalada quando a ausente mãe de Mike
reaparece, uma ameaça não só para os "segredos" de Mike, como também
para a sincera amizade entre os dois.
Através de diálogos irônicos e personagens inegavelmente particulares,
Tom McCarthy é inicialmente habilidoso ao trazer os conflitos morais para o
centro da trama. O realizador precisa de poucas cenas para introduzir não só a
integra personalidade de Mike, como também os seus sérios problemas
financeiros, estabelecidos numa sequência divertidíssima envolvendo uma ruidosa
caldeira. Sem nunca ferir a índole do protagonista, McCarthy mostra sutileza ao
construir este pequeno "desvio" de conduta, ao revelar as
consequências e o peso na consciência do pai de família diante de tal decisão,
transformando o simpático Mike numa figura multidimensional e inegavelmente
sólida. Embora não esteja no foco da trama, a zelosa relação entre o advogado e
Leo, por exemplo, mostra que por trás dos interesses financeiros também havia
boas intenções, um arco potencializado pela errática atuação de Burt Young, ele
mesmo o Paulie da franquia Rocky Balboa, impecável ao expor as limitações e as
intenções do resignado idoso. É com a aparição da enigmática Cindy, no entanto,
que os dilemas éticos passam a ser discutidos com maior franqueza. Por mais que
a figura materna soe unidimensional em alguns momentos, talvez um dos poucos
deslizes do roteiro, McCarthy é maduro ao expor os traços de lucidez da
personagem, a transformando numa espécie de agente catalisador da trama. Sem
querer revelar muito, o realizador esbanja categoria ao criar um paralelo entre
dois tipos completamente distintos, propondo uma interessante reflexão ao
mostrar que nem tudo na vida se reduz ao certo e ao errado. Na verdade, o longa
parece realmente se encantar pela zona cinzenta, pela humanidade de Mike diante de uma repentina
oportunidade, o que fica bem claro quando nos deparamos com o prático clímax,
um desfecho inesperadamente comedido, mas totalmente coerente com a postura dos
personagens. Nas entrelinhas, inclusive, McCarthy aponta uma pontual mira para
o sistema judicial americano, revelando o quão frágeis são as leis envolvendo
os imbróglios familiares.
O que diferencia Ganhar ou Ganhar dos demais filmes do gênero, no
entanto, é a sincera conexão entre os personagens. Sem nunca apelar para o
sentimentalismo, Tom McCarthy é habilidoso ao explorar as crescentes questões
familiares, se esquivando das soluções fáceis ao revelar o impacto do abandono
na rotina de um acuado jovem. Embora não esteja interessado no passado dos
protagonistas, o realizador oferece o suficiente para que possamos compreender
as suas respectivas situações, dando ao fantástico elenco os ingredientes
necessários para a construção de personagens com nuances realmente singulares.
Na pele de um advogado em dívida com a sua própria consciência, Paul Giamatti
encanta ao dar vida a um homem comum, um pai de família bem intencionado que se
vê numa encruzilhada moral ao oferecer um ombro amigo recheado de segundas
intenções. Com o seu reconhecido senso de humor, o subestimado ator enche a
tela de sentimento ao expor tanto a doçura e a integridade do seu Mike, quanto
a sua faceta mais venal e ardilosa, tornando as atitudes do protagonista justificáveis.
Braço direito de Mike, a expansiva Jackie ganha uma atuação afetuosa nas mãos
da ótima Amy Ryan. Dando vida a uma figura materna moderna e benevolente, a
personagem lidera o cativante arco familiar ao desenvolver um gradativo vínculo
com o garoto, uma relação de confiança incrementada pela direção intimista de
Tom McCarthy. Quem realmente rouba a cena, entretanto, é o jovem Alex Shaffer.
Com o seu cabelo oxigenado e uma postura propositalmente distante, o ator é
categórico ao traduzir as nuances do seu Kyle, ao expor o desconforto, a
tristeza e o rascunho de esperança que surge na vida do talentoso adolescente
no momento em que ele cruza o caminho de Mike. Indo do introspectivo ao
explosivo sem nunca parecer ameaçador, Shaffer brilha ao absorver também a face
mais desajustada do seu personagem, ao revelar o impacto do abandono na rotina
de um garoto, permitindo que as reações de Kyle se tornem naturalmente
compreensíveis aos olhos do público.
Melhor ainda, aliás, é a maneira criativa com que o longa explora o pano
de fundo esportivo e o mundo da Luta Greco-Romana. Indo de encontro à maioria
dos filmes do gênero, Tom McCarthy foge do lugar comum ao abrir mão dos clichês
mestre\pupilo. Na verdade, ele surpreende ao criar uma relação de admiração
mútua entre os dois personagens. Enquanto Mike, um ex-lutador fracassado, se
empolga ao finalmente trabalhar com alguém realmente talentoso, Kyle, um garoto
que cresceu num ambiente desolador, exibe um evidente fascínio ao conviver com
uma figura paterna tão exemplar. Uma igualitária troca de experiências que não
só reforça a franca amizade entre os dois, como também prepara o terreno para
os crescentes conflitos morais envolvendo o destino de Leo. Em suma, conduzido
com extrema sensibilidade por Tom McCarthy, Ganhar ou Ganhar se revela uma
comédia familiar agridoce com um pé no singular cinema 'indie' norte-americano.
Contando com personagens realmente cativantes, o carente melhor amigo
interpretado pelo excelente Bobby Cannavale é engraçadíssimo, o diretor nos
brinda com uma obra pequena e inteligente, um filme que revigora ao exaltar a
imperfeição dos seus personagens.
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