O que seria do clássico Pulp Fiction sem icônica sequência de dança ao
som de "You Never Can't Tell"? Ou então do recente Guardiões da Galáxia (2014) sem o hit "Hooked on a Feeling"? Muito mais do que um
mero (e estiloso) complemento narrativo, a trilha sonora tem assumido uma
posição de protagonista nas mãos de alguns criativos realizadores. Ao invés de
apostarem somente em trilhas\canções originais, nomes como os de Richard
Linklater, Cameron Crowe e Edgar Wright resolveram olhar para o passado na
busca por sucessos de outrora, buscando traduzir o estado de espírito dos seus
personagens através de hits reconhecíveis aos ouvidos do público. Em entrevista
recente ao site Omelete, por exemplo, o diretor James Gunn (Guardiões da
Galáxia) disse selecionar as músicas "enquanto escrevia o roteiro" e
que elas estão "completamente integradas à história". Um processo
minucioso que, sem querer revelar muito, pode ser visto na comovente sequência
final de Guardiões da Galáxia Vol. 2 (2017), onde a canção "Father and
Son", de Cat Stevens, basicamente resume as emoções expostas em cena.
Aproveitando então a aguardada estreia de Baby Driver (leia a nossa crítica aqui), o mais novo
representante desta seleta lista, neste artigo iremos lembrar de alguns grandes
filmes (não musicais) que se destacaram, dentre outras coisas, pelas suas
antenadas trilhas sonoras pop.
- Loucuras de Verão (1973)
Antes de brilhar na franquia Star Wars, George Lucas surgiu no radar de
Hollywood com a comédia 'high-school' Loucuras de Verão. Com uma aura 'feel
good' que viria a ditar o rumo deste popular segmento nos anos oitenta, o
descolado longa conseguiu traduzir o espírito de uma geração em plena
transformação, um grupo de jovens convivendo com as mudanças sociopolíticas,
com a Guerra do Vietnã e com a efervescência cultural da década 1960. Como se
não bastasse o elenco recheado de astros em ascensão, entre eles nomes como os
de Richard Dreyfuss, Ron Howard e Harrison Ford, o longa conquistou o público
graças também a sua eclética trilha sonora. Mais do que capturar a euforia dos
personagens, o vasto setlist conseguiu reunir alguns dos maiores artistas e
canções da época, indo de clássicos como "(We're Gonna) Rock Around the
Clock", de Bill Haley & His Comets, e "Johnny B. Goode", de
Chuck Berry, à hits como "Surfin' Safari", dos Beach Boys,
"Maybe Baby", de Buddy Holly, "The Great Pretender" e
"Only You", do grupo The Platters. Na verdade, como se não bastasse o
sucesso do filme, George Lucas mostrou o seu faro apurado para os negócios ao
lançar também uma coletânea com quatros LP's, um precioso panorama sobre a
música "pop" dos anos 1950 e 1960. Em suma, com personagens
cativantes, um enredo naturalista e uma 'vibe' genuinamente jovial, Loucuras de
Verão é uma comédia à frente do seu tempo, um filme que ajudou a moldar o
popular gênero 'high-school' nos anos 1980.
- Os Embalos de Sábado a Noite (1977)
Mais do que um simples filme, Os Embalos de Sábado a Noite marcou o
'boom' da Disco Music. Com uma trilha recheada de (futuros) sucessos do trio
Bee Gees, o longa dirigido por John Badham jogou a luz sobre a descompromissada
rotina de um jovem envolvido na quente vida noturna do Brooklyn. Na pele de
Tony Manero, John Travolta brilhou ao encarnar o vazio de uma geração, ao
mostrar a futilidade de uma figura que se preocupava basicamente com as
aparências. Recheado de números dançantes, incrementados pela habilidade de
Travolta dentro do gênero, o longa se tornou referência devido a sua poderosa
trilha sonora. Como se não bastassem os
hits "Stayin' Alive", "How Deep Is Your Love?" e
"Night Fever" dos Bee Gees, o colorido filme abriu espaço para outros
sucessos da Disco Music, entre eles "Night on Disco Mountain", de
David Shire, "Boogie Shoes", de KC and the Sunshine Band, e
"Disco Inferno", de The Trammps. Me arrisco a dizer, inclusive, que
Os Embalos do Sábado a Noite tem um setlist melhor que o próprio o filme. O
que, aqui, não representa grande demérito.
- A Garota de Rosa
Shocking (1986)
Um dos realizadores mais influentes dos anos 80, John Hughes sabia
"dialogar" com o seu público. Com uma linguagem pop, histórias
originais e personagens sempre cativantes, o saudoso realizador norte-americano
se tornou o "pai" dos filmes 'high-school', justamente pela sua
capacidade em capturar a rebeldia imatura dos jovens na década de 1980. Sempre
compreensivo, Hughes criou obras que mais a frente se tornariam símbolos de uma
geração, filmes revigorantes, charmosos e indiscutivelmente engraçados. O que
seriam, entretanto, dos filmes de John Hughes sem o memorável uso da trilha
sonora? Como não citar, por exemplo, a catártica sequência da parada de
Curtindo a Vida Adoidado (1986), um momento marcante embalado pelo hit
"Twist and Shout", dos Beatles, ou então a emblemática cena final de
Clube dos Cinco (1985), um desfecho comovente arrematado com um toque de
genialidade ao som de "Don't Forget About Me", do Simple Minds. Foi
em A Garota de Rosa Shocking, porém, que Hughes, então como produtor, mostrou a
sua faceta mais eclética ao selecionar uma trilha recheado de hits oitentistas.
Fazendo um criativo uso dos nichos musicais, os alunos, aqui, são divididos em
tribos (metaleiros, punks e new weaves), o longa dirigido por Howard Deutch fez
jus ao cenário central da trama, uma loja de música, ao construir um triângulo
amoroso guiado por sucessos de bandas como INXS, New Order, Echo & the
Bunnymen, The Smiths e Ottis Reding. Esse último, inclusive, embalou uma das
sequências mais icônicas do filme, a incrível performance de Jon Cryer dublando
a canção "Try a Little Tenderness". Embora não tenha conseguido o
mesmo status dos filmes citados acima, A Garota de Rosa Shocking se tornou um
clássico 'cult', um rótulo que casa perfeitamente com essa descolada e
reflexiva película.
- Jovens, Loucos e Rebeldes (1993)
Por falar nos anseios da juventude, Richard Linklater decidiu expor a
rotina da sua própria geração no excelente Jovens, Loucos e Rebeldes. Assim
como em Loucuras de Verão, o realizador norte-americano adotou uma pegada
naturalista ao acompanhar o primeiro dia de férias de um grupo de jovens na
década de 1970. Através de diálogos inteligentes, personagens bem desenvolvidos
e uma variada gama de subtramas, o longa discorre sobre os dilemas desta fase
da vida sob um prisma universal, descomplicado e extremamente envolvente. Um
trunfo potencializado pela direção intimista de Linklater, pelo carisma do
talentoso elenco (Ben Affleck, Matthew McConaughey, Milla Jovovich e Rory
Cochrane) e obviamente pelo empolgante uso da estilosa trilha sonora. Mais do
que um mero recurso estético, a setlist conseguiu traduzir não só o clima de
euforia dos entusiasmados personagens, como também embalar os arcos mais
reflexivos, preenchendo as brechas narrativas com brilhantismo. Como esquecer,
por exemplo, a catarse coletiva com o sinal da última aula antes das férias,
uma sequência memorável impulsionada pelo clássico "School's Out", de
Alice Cooper. Ao longo da trama, Linklater empolga ao se debruçar sobre o mundo
do Rock and Roll dos anos 1960 e 1970, fazendo um inteligente uso de clássicos
como "Sweet Emotion", do Aerosmith, "Highway Star", do Deep
Purple, "Stranglehold", de Ted Nugent, "Low Rider", do War,
"Hurricane", do Bob Dylan, "Love Hurts", do Nazareth,
"Paranoid", do Black Sabbath, "Cherry Bomb", do The
Runaways, "Rock & Roll All Nite", do KISS, e "Slow
Ride", do Foghat. Essa última, inclusive, resume o teor libertário\rebelde
da cena final, pontuando este extraordinário filme com energia e indulgência.
- Pulp Fiction (1994)
Talvez o realizador mais autoral da sua geração, Quentin Tarantino é um
"Ás" na arte da utilização da trilha sonora. Logo no seu primeiro
grande filme, o cult Cães de Aluguel (1992), o diretor norte-americano
incrementou a sua recortada narrativa com um eclético setlist, vide a
ousada\inusitada cena de tortura ao som de "Stuck in the Middle with
You", ao som de Stealers Wheel. Foi no seu projeto seguinte, porém, que
Tarantino exibiu o seu vasto repertório. Falar de Pulp Fiction é chover no
molhado. Nem vou perder meu tempo. Mas a trilha sonora deste clássico merece
uma análise mais profunda. Com o seu gosto extremamente peculiar, Tarantino nos
brinda com uma obra agressiva, por vezes cínica, mas embalada por uma trilha
inesperadamente elegante. Indo de Al Green a Chuck Berry, de Dusty Springfield
a Urge Overkill, o realizador pontuou a trama com uma série de marcantes
canções, entre elas a instrumental "Surf Rider", do grupo The Lively
Ones, que foi redescoberta três décadas após o seu lançamento e ficou conhecida
como a canção tema de Pulp Fiction. Obviamente, entretanto, a sequência mais
icônica do longa foi a inesperada dança protagonizada por John Travolta e Uma Thruman,
uma cena fantástica embalada pela canção "You Never Can Tell", de
Chuck Berry.
- Alta Fidelidade (2000)
Outro representante cult da lista, Alta Fidelidade esbanjou autoralidade
ao narrar as desventuras de um homem azarado no amor as avessas com a sua
decadente loja de discos. Sob a sensível batuta do diretor inglês Stephen
Frears, o longa estrelado por John conquistou a crítica e o público mais antenado
ao se revelar uma comédia romântica pouco convencional, um filme sobre as
desilusões sentimentais de um pacato personagem. Como se não bastassem o
excelente roteiro e os cativantes personagens de apoio, Jack Black está incrível como o amigo e confidente do protagonista, o realizador fez um
inspirado uso do pano de fundo musical ao utilizar o eclético setlist em prol
da construção do ótimo protagonista. Numa verdadeira aula sobre a música pop atual, Frears busca referência
em alguns dos maiores nomes do segmento, preenchendo a trama com inteligentes
comentários musicais e canções do quilate de "Crocodile Rock", de
Elton John, "Crimson and Clover", de Joan Jett e The Heartbrakers,
"Walking On Sunshine", de Katrina & The Waves, "The
River", Bruce Springsteen, "Baby, I Love Your Way", de Peter
Frampton, "Who Loves The Sun", do The Velvet Underground, "Rock
Steady", de Aretha Franklin, "We are the Champion", do Queen,
"Tonight I'll Be Staying Here With You", de Bob Dylan, e "I
Believe (When I Fall In Love It Will Be Forever)", de Steve Wonder. Essa última, inclusive,
arremata a trama com maestria, pontuada a desaventurada jornada do personagem
com esperança e otimismo. Nenhuma delas, entretanto, supera o fantástico uso da
canção "Lets Get It On", de Marvin Gaye, interpretada com
irreverência e entusiasmo na voz de Jack Black.
- Quase Famosos (2000)
Quando o assunto é a trilha sonora, entretanto, Quase Famosos segue
sendo referência. Adaptando a sua própria história, o diretor Cameron Crowe
conquistou o público e crítica ao narrar os bastidores da sua primeira grande
reportagem para a revista Rolling Stones, quando, numa audaciosa decisão, ele
se passou por um jornalista formado e acompanhou a turnê da então promissora
banda Led Zeppelin. Com personagens carismáticos, diálogos excelentes e um
elenco afinadíssimo, o longa promoveu um precioso relato sobre o mundo do rock
na década de 1970, realçando o virtuosismo, o egocentrismo e a rebeldia dos
músicos sob o maravilhado olhar de um adolescente. Recheado de sequências
magníficas, como não citar, por exemplo, a revigorante cena do ônibus ao som de
"Tiny Dancer", de Elton John, Cameron Crowe fez jus ao seu passado
como crítico musical ao montar uma trilha sonora verdadeiramente espetacular. Simon & Garfunkel,
The Who, Yes, The Beach Boys, Rod Stewart, The Allman Brothers Band, David
Bowie, Lynyrd Skynyrd, esses são apenas alguns dos artistas presentes no
fantástico setlist de Quase Famosos. Inegavelmente, um filme excelente para os olhos e também para os
ouvidos.
- Escola do Rock (2003)
Olha Richard Linklater de volta nesta lista. De longe um dos filmes mais
populares desta seleção, Escola do Rock reunião uma "turminha" da
pesada num filme adorável e musicalmente revigorante. Sob um prisma
extremamente lúdico, o realizador conquistou plateias ao redor mundo ao narrar
as peripécias de uma classe de eruditos alunos
que tem a sua rotina com a chegada de um professor nada convencional.
Num inspirado passeio pela história do rock, Linklater brilha ao fazer de Jack
Black a ponte perfeita entre a criançada e este popular segmento musical. O
ator, inclusive, tem uma carreira paralela com o performático duo Tennacius D,
o que fica bem claro quando nos deparamos com esta inspirada película. Como se
não bastassem as impagáveis performances vocais de Jack Black, Linklater mostra
o seu reconhecido faro para a construção da trilha sonora ao reunir alguns dos
maiores clássicos do rock, entre eles "Substitute", do The Who,
"Sunshine of Your Love", do Cream, "Immigrant Song", do Led
Zeppelin, "Set You Free", do The Black Keys, "Touch Me", do
The Doors, e (obviamente) "It's a Long Way to the Top (If You Wanna Rock
'n' Roll)", do AC\DC, que ganhou uma cativante versão nos créditos finais.
Em suma, com um elenco mirim afinadíssimo, um protagonista cativante e uma
seleção musical digna de qualquer grande coletânea do rock, Escola do Rock se
tornou (justificadamente) o filme mais querido e popular da carreira do autoral
Richard Linklater.
- A Vida Marinha com Steve Zissou (2004)
Esse é um caso especial. Numa sacada de mestre, o criativo Wes Anderson
resolveu homenagear o camaleão do rock David Bowie no cativante A VIda Marinha
com Steve Zissou. Fazendo um inventivo uso do tom documental, o cultuado
realizador norte-americano brilhou ao criar um filme rico e afetuoso, uma
comédia autoral sobre um explorador subaquático em busca de redenção. Como se
não bastasse o talentoso elenco, capitaneado pelo excelente Bill Murray, e a lúdica
direção de Anderson, o longa conquistou os fãs graças também a sua memorável
trilha sonora. Uma seleção musical que, para nós brasileiros, ganhou uma
relevância ainda maior graças a opção do diretor em escalar o cantor e ator Seu
Jorge como o responsável pelas criativas versões. Na pele do marinheiro Pelé
dos Santos, o astro de Cidade de Deus ficou com a missão de reinterpretar os
clássicos de Bowie. Uma missão cumprida com brilhantismo. Com o seu talento e
um poderoso violão, Seu Jorge "traduziu" alguns dos maiores clássicos
do músico britânico, entre elas hits como "Life on Mars?",
"Rebel Rebel", "Starman", "Rock n' Roll Suicide"
e "Queen Bitch". O êxito foi tão grande que, na época do lançamento,
o próprio David Bowie rasgou elogios ao dizer que "se Seu Jorge não
gravasse minhas músicas em português, eu nunca teria ouvido este novo nível de
beleza que ele colocou nelas". Que moral. E que trilha.
- (500) Dias Com Ela
(2009)
Impecável ao traduzir as idas e vindas de uma relação, (500) Dias com
Ela é um romance realístico que deu uma verdadeira aula na utilização do seu
seleto setlist. Com uma presença relevante para o andamento da trama, a trilha
selecionada pelo talentoso Marc Webb reflete o estado de espírito dos dois
cativantes protagonistas, um carismático casal diante dos altos e baixos de uma
história de amor. Embora o invejável entrosamento entre os atores Joseph
Gordon-Levitt e Zooey Deschanel se revele decisivo para o excelente resultado
final, o realizador americano esbanja inspiração ao permitir que a trilha
sonora torne esta relação ainda mais atraente aos olhos do público. Como não
citar, por exemplo, a presença da canção "You Make my Dream", do duo
Hall e Oates, uma canção alegre que sintetiza a euforia de Tom (Levitt) após
ter a sua primeira noite de amor com a bela Summer (Deschanel). Numa escolha
realmente inventiva, Webb equilibra passado e presente com desenvoltura, indo
de Simon e Garfunkel e de The Smiths à Black Lips e Regina Spektor com rara
originalidade. O resultado foi um sucesso de público e crítica que,
merecidamente, alavancou a carreira do então jovem diretor.
- Watchmen (2009)
Uma revolução dentro dos filmes de super-heróis, Watchmen dividiu o
público e a crítica ao se revelar o primeiro grande filme do gênero para
maiores. Inspirado na série de quadrinhos de Alan Moore e Dave Gibbons, o longa
dirigido por Zack Snyder conseguiu capturar o clima sombrio das HQ ao apostar
em violentas sequências de ação, em personagens tridimensionais e num arco
conspiratório bem elaborado do que o de costume nas produções deste popular
segmento. Em quase três horas de filme, o realizador norte-americano mostrou a
sua estilosa assinatura ao valorizar a plasticidade da ação, ao realçar os
detalhes com a sua reconhecida câmera lenta e ao embalar as cenas como uma
surpreendente trilha sonora. Com clássicos do quilate de
"Unforgettable", de Nat King Cole, "The Times They Are
a-Changin'", de Bob Dylan, "The Sound of Silence", do duo Simon
e Garfunkel, "Me and Bobby McGee", de Jenis Joplin, e "You're My
Thrill", de Billy Holliday, Snyder deu uma verdadeira aula ao utilizar as
canções dentro de um contexto completamente inesperado, preenchendo a película
com momentos densos e autorais. Vide a passional sequência de sexo ao som da clássica
"Hallelujah", de Leonard Cohen, uma cena corajosa que se tornou um
dos pontos mais altos desta excelente adaptação.
- Guardiões da Galáxia
(2014)
O filme que modificou o panorama do gênero super-heroico, Guardiões da
Galáxia trouxe a linguagem pop para este concorrido segmento. Sob a virtuosa
batuta do criativo James Gunn, o longa conquistou o público e a crítica ao
investir numa abordagem colorida e irreverente, um filme de origem com uma
estrutura bem particular. Mais do que introduzir esta inusitada superequipe B
da Marvel, Gunn colocou de vez o seu nome na "indústria" ao nos
brindar com o filme mais autoral do Universo Marvel. Logo no fantástico
primeiro trailer, o realizador mostrou Guardiões teria uma aventuresca vibe
nostálgica, potencializada pelo hit "Hooked on a Feeling", da banda
Blue Swede. Um apuro estético\narrativo\musical que se justificou a cada minuto
de película. Trazendo a trilha sonora para o centro da trama, já que a conexão
do herói Peter Quill com o seu passado terráqueo acontece via fita K7, Gunn
utilizou a setlist como um complemento, encontrando um precioso significado em
hits como "Spirit in the Sky", de Norman Greenbaum, "Moonage
Daydream", de David Bowie, "I Want You Back", dos Jacksons 5,
"Come and Get Your Love", do Redbone, "Escape (The Piña Colada
Song)", de Rupert Holmes, e "Ain't No Mountain High Enough", de
Marvin Gaye e Tammi Terrel. Leia aqui as nossas análises sobre as
fantásticas trilhas sonoras do primeiro longa e também do excelente segundofilme. James Gunn é o cara.
- Boyhood: Da Infância a Adolescência (2014)
Último filme de Richard Linklater da lista, Boyhood encantou pela
maneira com que conseguiu tornar o ousado extremamente simples. Rodado ao longo
de impensáveis doze anos, o longa estrelado pelo jovem Ellar Coltrane esbanjou
naturalismo ao acompanhar a trajetória de um garoto comum, com problemas
comuns. No grande trabalho da sua expressiva filmografia, Linklater mostrou a
sua reconhecida sinceridade ao nos brindar com um relato íntimo e ao mesmo
tempo universal, um recorte sociocultural imersivo e ao mesmo tempo abrangente,
um filme sobre o tempo, a juventude e a difícil missão que é amadurecer.
Curiosamente, porém, apesar das elevadas pretensões em torno do processo de
produção, Boyhood transita por temas tão complexos de maneira descomplicada. E
a trilha sonora, aqui, ajuda a contextualizar a jornada do pequeno protagonista
ao longo desta década. Reconhecido pelo seu ecletismo, Linklater fugiu da sua
"zona de conforto" ao apostar num setlist mais contemporâneo, um
apanhado com verdadeiros sucessos dos anos 1990 e 2000. Coldplay, The Hives,
Gnarls Barkley, Vampire Weekend, The Black Kays e Arcade Fire dividem um
harmonioso espaço na trilha com lendas como Bob Dylan e WIngs, dando a Boyhood
uma singularidade cada vez mais rara em Hollywood.
- Mommy (2014)
O ano de 2014, aliás, foi extremamente "musical" em Hollywood.
Assim como Guardiões e Boyhood, o pequeno drama canadense Mommy fechou a
temporada com “chave de ouro” ao acompanhar a complexa relação entre uma
relapsa mãe e um intempestivo filho. Conduzido com energia pelo talentoso
Xavier Dolan, o longa provocou o espectador ao construir um inusitado arco
familiar, uma explosiva história de amor materno guiada pela fantástica trilha
sonora. Com maturidade de gente grande, Dolan (na época com 23-24 anos) encheu
as cenas de significado ao apostar em músicas como "The Four
Seasons", de Vivaldi, "White Flag", da Dido, "Blue (Da Ba
Dee)", do Eiffel 65, "Welcome to My Life", do Simple Plan,
"Vivo per lei", de Andrea Bocelli, e "Phase", do Beck. Dois
dos momentos mais memoráveis do longa, entretanto, merecem uma análise à parte.
Num primeiro momento, uma sequência esteticamente libertadora\revigorante,
Dolan justifica o claustrofóbico aspecto da imagem (4:3) ao abrir o quadro de
maneira inventiva, criando uma sequência realmente original. É na corajosa cena
final, porém, que Xavier Dolan mostra a completa sinergia entre canção e cena.
Ao som de "Born to Die", de Lana Del Rey, o realizador pontua a
jornada do protagonista sob um prisma estranhamente agridoce, permitindo que o
impacto da sequência reverbere ao longo do créditos finais.
- Baby Driver: Em Ritmo
de Fuga (2017)
E chegamos ao grande responsável por esta lista. Uma das melhores
estreias deste final de semana, quiçá de 2017, Baby Driver mostra um realizador
em perfeita sintonia com a sua arte. Com uma filmografia enxuta, seleta e
indiscutivelmente original, Edgar Wright é um diretor raro, um daqueles nomes
que merecem a nossa atenção a cada novo projeto lançado. Dono de uma linguagem
irônica, descolada e genuinamente pop, o diretor britânico parece se reinventar
a cada lançamento, investindo em produções ágeis, empolgantes e absolutamente
divertidas. Em Baby Driver, por exemplo, ele ousa ao criar uma espécie de
musical sobre rodas, um filme de assalto estiloso recheado de insanas
sequências de ação e carismáticos personagens. A trilha sonora, porém, desde o
primeiro trailer assumiu um lugar de destaque dentro da película. Assim como
James Gunn em Guardiões, Wright confirmou ter pensado na trilha durante a
confecção do roteiro, o que explica a perfeita sinergia entre o setlist e as
cenas. Como de costume na sua carreira, vide a impagável sequência do ataque ao
zumbi no bar em Todo Mundo Quase Morto, o realizador elevou o nível da
brincadeira ao sincronizar trilha e ação, tornando Baby Driver uma experiência
realmente única dentro do cinema atual. E como se não bastasse isso, o
repertório escolhido por ele é realmente memorável. Canções dos The Beach Boys, do The Commodores, do Queen, do R.E.M, de Barry White e de Paul Simon embalam a jornada do piloto interpretado por Ansel Elgort, dando a Em Ritmo de Fuga uma vibe charmosa e indiscutivelmente
moderna. Tequila!
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