Um drama de cartilha
sobre alguns dos maiores nomes da literatura norte-americana
Com um elenco de fazer inveja a qualquer grande postulante ao Oscar, O
Mestre dos Gênios é um drama biográfico convencional que flerta com a
genialidade dos retratados ao reproduzir a relevante parceria entre o editor
Max Perkins e o escritor Thomas Wolfe. Enquanto se concentra nesta complexa
relação de amizade, o longa dirigido pelo estreante Michael Grandage é
intimista ao realçar não só o árduo processo de trabalho dos dois, como também
ao traduzir a sincera conexão entre eles e ao desvendar as suas respectivas
personalidades. No momento em que decide ampliar o alcance da obra, no entanto,
o longa não encontra tempo hábil para se aprofundar em algumas promissoras
subtramas, subaproveitando a presença de figuras e elementos históricos em prol
de uma abordagem mais convencional. Ainda assim, mesmo diante dos inegáveis
problemas narrativos, O Mestre dos Gênios se revela uma película importante,
principalmente por ressaltar a inquietude e o virtuosismo de um grupo de homens
que dedicou a sua vida à literatura moderna.
Inspirado no livro Max Perkins: Editor of Genius, do biógrafo americano
A. Scott Berg, o roteiro assinado por John Logan (Gladiador) merece elogios
pela forma com que joga uma luz sobre um dos períodos mais férteis da
literatura norte-americana. Além das inúmeras referências à livros do quilate
de O Grande Gatsby, This Side Of Paradise e O Sol Nasce Sempre, o argumento é
habilidoso ao revelar o 'modus operandi' de um editor, a conexão do autor com a
sua obra, imprimindo em tela a paixão dos protagonistas pelo poder das palavras
na literatura. Apesar do descuido narrativo\estético quanto a transição temporal,
os atores simplesmente não envelhecem em cena, o longa ganha merecidos pontos
extras ao jogar uma inédita luz sobre o engenhoso processo de confecção dos
dois grandes clássicos de Thomas Wolfe, os livros Look Homeward, Angel (1929) e
Of Time in The River (1935). Uma solução realmente eficaz, principalmente por
permitir que o público conheça a intimidade dos dois personagens em meio a
diálogos sobre o exagerado uso de adjetivos numa frase ou o apego do escritor
por sua criação.
É quando se volta para esta relação, inclusive, que O Mestre dos Gênios
realmente encontra o seu motivo para existir. Mesmo montado numa estrutura
inegavelmente formulaica, o roteiro mostra inspiração ao reproduzir tanto a
crescente amizade entre Max Perkins e Thomas Wolfe, quanto ao investigar as
suas respectivas personalidades. Indo além da esfera profissional, Michael
Grandage é perspicaz ao revelar a troca de experiência dos dois, a maneira como
a energia do escritor preenchia a gélida rotina do editor ou a serenidade de
Perkins se tornava uma espécie de porto seguro para a inquietude de Wolfe. Além
disso, o realizador é igualmente habilidoso ao expor a fragilidade dos dois, as
suas facetas mais humanas, expondo com inegável categoria as diferentes formas
com que mentor e pupilo encaravam as suas vidas. Na transição para o último
ato, porém, o roteiro deixa a naturalidade de lado ao explorar temas como a
vaidade e o temperamento indomável do escritor. Com mais pressa que o
necessário, Grandage é superficial ao traduzir os conflitos por trás
desta amizade, reduzindo o peso em torno dos assuntos mais complexos, entre
eles o possível papel "castrador" de Perkins e o comportamento
obsessivo\autodestrutivo de Wolfe.
Num todo, aliás, o longa subaproveita alguns arcos realmente
promissores. Além de não explorar o impacto da crise de 1929 na rotina dos
envolvidos, o roteiro peca ao não dar a devida atenção a personagens como a
instável Alice (Nicole Kidman) e a reprimida Louise Perkins (Laura Linney).
Esta última, inclusive, surge como um dos tipos mais promissores da trama, uma
esposa devotada que sonhava em publicar a sua peça teatral, mas a relação entre
ela e o editor é sumariamente esquecida a partir do segundo ato. Uma pena, já
que a talentosa Laura Linney poderia adicionar elementos ainda mais
interessantes ao filme. Por falar no afinado elenco, como de costume em sua
carreira, o excelente Colin Firth transborda humanidade em cena na pele do
editor Max Perkins. Com um personagem sóbrio e cerebral em mãos, o ator inglês
comove ao realçar a simplicidade do editor, um homem devotado ao mundo da
literatura. Desta personalidade contida, aliás, nasce um interessante contraste
com a presença enérgica de Thomas Wolfe, um escritor inquieto interpretado com
afinco pelo carismático Jude Law. Embora num primeiro momento o ator flerte
perigosamente com o tom caricatural, à medida que a trama avança ele
interioriza as nuances do autor, nos fazendo acreditar no misto de obsessão,
entusiasmo e o histrionismo do protagonista. Juntos, Firth e Law exibem uma
excelente química em cena, principalmente nas sequências mais explosivas. Além
deles, enquanto Nicole Kidman retorna ao caminho das boas atuações ao
reproduzir o temperamento ferino da sua Alice, o ótimo Guy Pearce injeta peso
ao seu F. Scott Fitzgerald.
Conduzido com elegância por Michael Grandage, que, potencializado pela
pálida e expressiva fotografia de Ben Davis (Doutor Estranho), realça o
intimismo por trás desta sincera relação, O Mestre dos Gênios é um drama
biográfico convencional que se sustenta basicamente no talento do seu elenco e
na força destes personagens. Mesmo diante de alguns evidentes predicados
estéticos, a maioria deles envolvendo a cuidadosa direção de arte e a preciosa
fotografia, o longa parece não aproveitar o potencial desta premissa, o
que fica evidente quando percebemos que nomes como F.Scott Fitzegerald e Ernest
Hemingway são tratados apenas como figuras secundárias. Ainda assim, é uma obra
sobre os bastidores da literatura norte-americana, um tema frequentemente
esnobado por Hollywood que aqui ganha uma abordagem cuidadosa e relevante.
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