Uma viatura em alta velocidade. Um policial baleado lutando pela vida. A
informação se espalha causando reações diversas. A partir desta instigante
combinação de cenas, o aclamado diretor Sidney Lumet (Rede de Intrigas) prepara
o terreno para narrar as desventuras de um oficial incorruptível. Inspirado em
uma história real, Serpico (1973) coloca o dedo na ferida ao escancarar o
corrompido 'modus operandi' de um departamento de policia norte-americano.
Contando com a primorosa atuação de Al Pacino, magnífico ao absorver o misto de
emoções enfrentado pelo seu idealista personagem, o longa se revela um relato
intenso, corajoso e absolutamente atual. Um thriller policial cujo antagonista
é a própria policia.
Inspirado na biografia assinada pelo jornalista Peter Maas, o argumento
assinado por Waldo Salt e Norman Wexler é cuidadoso ao reproduzir o
funcionamento deste corrompido sistema. Através de uma abordagem extremamente
humana, o roteiro faz questão de ressaltar não só o quão enraizada era a
corrupção, como também a reação dos oficiais dentro esta nociva engrenagem.
Desta forma, enquanto uns se viam obrigados a participar do esquema, temendo as
consequências de uma recusa, outros encabeçavam esta "organização"
clandestina sem qualquer tipo de pudor. Neste cenário ameaçador, conhecemos o
correto Frank Serpico (Pacino), um oficial recém-formado que acreditava na sua
vocação. Disposto a fazer a diferença, ele é pego de surpresa no momento em que
se depara com a sujeira do seu departamento. Indignado, Serpico resolve bater
de frente com esta estrutura criminosa, enfrentando a resistência dos seus
"parceiros" ao iniciar uma arriscada jornada contra a corrupção
policial.
Maduro e contundente, Serpico envolve ao mostrar de maneira realística a
luta deste indomável detetive. Através de uma narrativa intensa e comedida,
Sidney Lumet constrói um thriller político e questionador, escancarando este
nefasto esquema com absoluta propriedade. Numa opção ousada, o realizador
resolve abrir o filme já mostrando o destino do personagem, ampliando a
atmosfera de tensão ao realçar o quão devastadoras seriam as consequências dos
seus atos. Não espere, porém, sufocantes sequências de ação. As ameaças surgem
quase sempre de maneira velada, nas palavras não ditas, evidenciando a dificuldade
dos bons oficiais em confrontar este sistema corrupto. Melhor ainda, no
entanto, é a maneira gradativa com que o argumento acompanha a desconstrução
emocional do protagonista.
Impulsionado pela soberba atuação de Al Pacino, Lumet é cuidadoso ao
acompanhar a desilusão do policial diante deste cenário altamente nocivo.
Contrariando as expectativas, Serpico se mostra inicialmente um tipo refinado e
alto astral, um homem carismático que não enxergava na força bruta a melhor
maneira de lidar com a criminalidade na região. No entanto, à medida que a
corrupção surge no seu radar, o personagem passa a absorver sentimentos mais
hostis, mais obsessivos, se isolando numa missão frustrante e altamente
perigosa. Com uma figura realmente fértil em mãos, Al Pacino esbanja talento ao
traduzir os contrastes em torno do detetive. Apesar do forte idealismo do
protagonismo, o ator se esquiva por completo da unidimensionalidade ao criar um
tipo humano e resiliente. Um personagem nitidamente influenciado pela
voracidade do meio em que escolheu viver. Nesse sentido, aliás, da relação
amorosa entre Serpico e a gentil Laurie (Barbara Eda-Young, impecável) nasce
uma subtrama sensível e reveladora, um arco onde Pacino expõe o desmoronamento
do seu personagem com honestidade e intensidade.
Conduzido com estilo por Sidney Lumet, com direito a enquadramentos
milimetricamente calculados, Sérpico é um thriler ousado que investiga com
contundência a criminalidade dentro da própria policia. Um relato universal que
escancara um problema frequentemente enfrentado em algumas das maiores
metrópoles mundiais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário