terça-feira, 7 de junho de 2016

Aprendendo com a Vovó

Essencialmente feminino, longa promove um intimista encontro de gerações


Não se assuste como o pavoroso título brasileiro. Aprendendo com a Vovó não se trata de uma daquelas "bombas" que geralmente marcam presença nas sessões vespertinas de TV. Na verdade, muito pelo contrário. No trabalho mais ousado de sua filmografia, o diretor Paul Weitz (Um Grande Garoto, American Pie) utiliza o debate em torno do aborto como estopim para um irônico e intimista encontro de gerações. Impulsionado pelas estupendas atuações da dupla Lily Tomlin e Julia Garner, o realizador dá uma verdadeira aula no que diz respeito ao desenvolvimento das suas personagens, permitindo que este polêmico tema sirva como base para uma discussão honesta, profunda e absolutamente reveladora envolvendo uma endurecida avó e a sua imatura neta. 



Ágil e objetivo, o argumento assinado pelo próprio Paul Weitz surpreende ao traduzir os dilemas das suas respectivas personagens com absoluta naturalidade. Dividido em pequenos atos, o longa é cuidadoso ao passear por temas como a dor da perda, a gravidez na adolescência, os dilemas em torno do aborto e os conflitos geracionais entre mães e filhas, permitindo que eles se cruzem naturalmente ao longo dos sucintos oitenta minutos de projeção. Na trama, somos apresentados a indomável Elle (Tomlin), uma lésbica antissocial que se isolou do mundo após perder a grande companheira de sua vida. Vivendo uma instável relação com a jovem Olivia (Judy Greer, segura), a sessentona é obrigada a encarar uma nova rotina quando a neta Sage (Garner) surge na sua casa grávida e pedindo ajuda para conseguir os US$ 630 para a realização de um aborto. Sem ter o dinheiro que a jovem precisava, Elle decide tirar o carro da garagem e reencontrar alguns velhos amigos na tentativa de ajuda-la. Deste inesperado reencontro, no entanto, nasce uma jornada de descobertas capaz de modificar o rumo destas duas gerações de mulheres.


Sem qualquer tipo de firula estética, Paul Weitz é curto e grosso ao introduzir os problemas destas duas interessantes personagens. De um lado temos uma jovem mimada e tola, uma adolescente comum obrigada a enfrentar uma crise de "gente grande". Do outro a sua sisuda avó, uma mulher ácida e explosiva que esconde nas suas lembranças os fantasmas de uma juventude igualmente complicada. Em meio às inúmeras diferenças entre as protagonistas, o argumento é sagaz ao aproxima-las em torno de questões recorrentes dentro do universo feminino. Com diálogos profundos e intimistas, Weitz não se faz de rogado ao escancarar os dilemas em torno da maternidade, propondo através desta relação uma troca de experiências crítica e reveladora. Como se não bastassem os questionamentos envolvendo a ignorância da juventude atual e as falhas de comunicação entre pais e filhos, o longa é criativo ao mostrar como o processo de criação pode ecoar nas gerações futuras, principalmente com a entrada da frenética figura materna interpretada com maestria pela talentosa Marcia Gay Harden. Neste sentido, aliás, é interessante ver o cuidado do realizador ao construir três personagens fortes, dinâmicas e semelhantes em sua essência, criando uma perceptível conexão emocional\temperamental entre elas. 


Além disso, Paul Weitz promove um primoroso estudo de personagem ao desvendar os segredos por trás da instigante Elle, a desconstruindo de maneira gradativa e harmoniosa. Inicialmente dura e intransigente, aos poucos ela resolve se abrir diante da figura da neta, expondo nuances sentimentais capturadas com brilhantismo pela experiente Lily Tomlin. Num trabalho soberbo, a atriz traduz os conflitos da matriarca com absoluta maturidade, criando uma figura culta, moderna, mas amargurada pela vida. Em suma, uma das grandes personagens de 2015. No mesmo nível da sua parceira de cena, a jovem Julia Garner impressiona ao compor um tipo humano e acessível. Apesar da aparência frágil e da aura angelical, a atriz esbanja força ao absorver a crise enfrentada por Sage, nos fazendo crer no turbilhão de emoções enfrentado pela adolescente. Da relação entre avó e neta, inclusive, nascem sequências sensíveis e bem humoradas, potencializadas pelo texto afiado e pela excelente química entre as duas protagonistas. Sem querer revelar muito, as crises de raiva de Elle são impagáveis, assim como as discussões culturais entre elas. Ainda sobre o elenco, enquanto Nat Wolff arranca algumas risadas ao dar vida ao estúpido pai, o veterano Sam Elliott entrega uma performance contida ao interpretar um personagem complexo e reprimido. Ele, aliás, é o único tipo masculino realmente significante dentro da trama.



Trazendo ainda um debate sutil sobre a polêmica do aborto, Aprendendo com a Vovó se esquiva dos tabus ao propor uma abordagem mais ampla e irônica envolvendo o impacto de um filho na rotina de uma mãe. Apesar da enxuta duração, o longa engloba uma série de temas atuais com absoluta propriedade, tornando a jornada de autodescoberta destas três gerações naturalmente atraente aos olhos do público. O resultado é um 'road movie' de aparência pequena, mas que esconde uma mensagem poderosa, emotiva e essencialmente feminina.

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