domingo, 21 de fevereiro de 2016

Cinemaniac Indica (O Sol é para Todos)

Uma aula de humanidade e respeito ao próximo, O Sol é para Todos é um daqueles clássicos cada vez mais indispensáveis. Inspirada no aclamado livro homônimo da escritora Haper Lee, que faleceu na última sexta-feira (19), aos 89 anos, o longa dirigido por Robert Mulligan (Houve uma vez um Verão) investe numa abordagem sensível ao narrar uma comovente história de preconceito e injustiça. Conduzido com absoluta elegância pelo astro Gregory Pack (Os Canhões de Navarrone), impecável ao dar vida a uma das figuras paternas mais icônicas do cinema, o argumento transforma uma história de ódio racial numa das mais belas e ternas lições que a sétima arte nos apresentou. Um relato poderoso e ainda hoje necessário, principalmente quando nos deparamos com as inúmeras manifestações de intolerância dentro da nossa sociedade.

Narrado a partir das memórias da adulta Jean Louise Finch, o argumento assinado por Horton Foote retorna ao ano de 1932, quando ela, a pequena Scout (Mary Badham), levava uma vida pacata e divertida em uma pequena cidade do interior. Ao lado do seu irmão Jam (Phillip Alford) e do seu integro pai, o advogado Atticus Finch (Greory Pack), a jovem parecia não ter a exata noção do que acontecia ao seu redor. Esta sua percepção muda, no entanto, quando o seu bondoso pai resolve defender Tom Robinson (Brock Peters), um jovem negro acusado erroneamente de um crime. Indo de encontro ao pensamento da segregadora sociedade local, ávida pela precoce condenação do rapaz, Atticus não esmorece nem diante das ameaças a sua família, ensinando através deste doloroso julgamento uma sincera lição de ética e civilidade aos seus filhos.


Muito mais do que um suspense de tribunal, O Sol é para Todos se revela uma necessária crítica aos pré-julgamentos. Narrado a partir do ponto de vista da pequena Scout, opção que adiciona uma inegável doçura a esta incomoda premissa, o roteirista Horton Foote cumpre a sua missão ao absorver a força dos diálogos concebidos pela escritora Haper Lee. Recheado de frases memoráveis, o discurso final de Atticus no tribunal é de arrepiar, o longa traduz com naturalidade o idealismo do advogado, o transformando num corajoso símbolo de resistência e exemplo ético. Um herói sensível e sábio, desenvolvido com incrível sutileza por Gregory Pack. Indo do drama ao suspense com gradatividade e comedimento, Mulligan é particularmente cuidadoso ao construir a relação entre o pai e as suas filhas, transformando as atitudes de Atticus numa sincera e poderosa aula de respeito e integridade. Não se engane, porém, com a abordagem aparentemente inocente. Quando preciso o realizador reproduz com maestria as sequências mais amargas, ressaltando com contundência a segregação racial daquele período.


Eleito pelo American Film Institute como um dos 100 maiores filmes norte-americanos de todos os tempos, O Sol é para Todos comove ao narrar a obstinada jornada de um homem íntegro em busca de justiça. Sob a delicada batuta de Robert Mulligan, impecável ao construir as intensas sequências do tribunal, o drama vencedor de três Oscar (Roteiro, Ator e Direção de Arte em PB) encontra no carisma da pequena Mary Badham a inocência necessária para construir um relato revoltante e inegavelmente corajoso. Um filme em preto e branco, lançado há mais de cinquenta anos, mas que ainda hoje segue tão atual e importante. Não à toa, no ano de 2003, o advogado Atticus Finch acabou consagrado com o primeiro lugar na lista dos 100 maiores heróis do cinema americano da AFI. Um reconhecimento não só para a humana performance de Gregory Peck, mas principalmente para a fantástica criação da escritora Haper Lee. 

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