Um dos maiores épicos que Hollywood já produziu, Ben-Hur (1959) é um daqueles longas que pode definir o termo clássico do cinema. Dirigido com grandiosidade por William Wyler (Intrusos) e estrelado pelo brilhante Charlton Heston (Planeta dos Macacos), a película utiliza o Novo Testamento como um perspicaz pano de fundo para narrar uma história de injustiça, vingança e redenção. Recheada de sequências antológicas, ainda hoje marcantes por sua imponência e detalhismo, esta obra de arte de quase três horas de duração impressiona não só pelo fantástico apuro estético, mas também por nos apresentar a um dos personagens masculinos mais icônicos da sétima arte.
Numa época áurea para a indústria do cinema norte-americana, onde suntuosos clássicos como Os Dez Mandamentos (1956), A Ponte do Rio Kwai (1957), Spartacus (1960), Cleópatra (1963) e Lawrence da Arábia (1963) ganhavam corpo, William Wyler tirou proveito desta magnificência de Hollywood para construir uma das maiores produções daquele período. Com orçamento de US$ 15 milhões em mãos, um recorde até então, o realizador trabalhou com mais de dez mil figurantes durante os nove meses de filmagem, ficando à frente de uma exaustiva superprodução da época. Inspirado no romance Ben-Hur: A Tale of the Christ, de Lew Wallace, o roteiro assinado por Karl Tunberg narra a jornada de Judah Ben-Hur (Heston), um nobre mercador judeu que vê o seu amigo Messala (Stephen Boyd) se tornar o chefe das legiões romanas. Precisando da influência de Ben-Hur para imprimir a sua força sobre o povo judeu, Messala entra em rota de colisão com Judah ao perceber que ele não irá oferecer ajuda. Disposto a tudo para se afirmar, o líder da guarda enxerga num acidente uma chance de condenar Ben-Hur, que acaba virando um escravo em uma embarcação romana. Se sentindo traído, Judah então incia uma fantástica jornada para retomar aquilo que lhe foi tirado.
Apesar das três horas e meia de duração parecerem cansativas, o grande mérito de William Wylder é fazer desta adaptação uma história naturalmente envolvente. Contando com a intensa atuação de Charlton Heston, que encara com dignidade este magnífico personagem chamado Judah Ben-Hur, o realizador é habilidoso ao explorar o paralelo que a trama cria com a jornada de Jesus Cristo na Terra, fazendo com que os dois arcos dialoguem magnificamente. Desde a primeira cena, quando acompanhamos a chegada dos Reis Magos e o nascimento do menino Jesus, Wyler evidencia que a redenção do protagonista se cruzará com a vida de Jesus, que surge em momentos pontuais e emblemáticos dentro da trama. Sem nunca mostrar o rosto do filho de Deus, o argumento tira um belo proveito do pano de fundo bíblico para criar sequências verdadeiramente arrepiantes, mostrando rara sensibilidade ao conduzir a aproximação entre os dois. Na melhor e mais icônicas delas, após sucumbir ao cansaço e a sede, Judah se depara com a figura de Jesus e recebe dele um pouco de água. Além disso, recheado de caprichados coadjuvantes e ótimos diálogos, o argumento cresce à medida que Ben-Hur vai encarando a sua nova realidade, vendo o seu caminho se interligar com personagens como o cônsul Romano Quinto Arrio (Jack Hawkins), o xeque árabe Ilderim (Hugh Griffith). o jurista Pilatos (Frank Thring) e o amor de sua vida Esther (Haya Harareet). Através de um ritmo bem interessante, pouco a pouco o roteiro vai destacando os reflexos da atitude do ganancioso Messala, numa atuação irregular de Stephen Boyd (Gengis Khan), ressaltando o impacto da condenação não só na rotina do rico judeu, mas também na de sua mãe Miriam (Martha Scott) e sua irmã Tirzah (Cathy O'Donnell). Um drama familiar que só traz mais peso a volta por cima do personagem.
Tirando o máximo do seu qualificado elenco, William Wylder mostrou também completa perícia ao explorar os enormes sets de filmagem. Numa época em que os efeitos práticos dominavam Hollywood, o diretor construiu sequências absolutamente fantásticas, fazendo o máximo uso do investimento da MGM na produção. Pra se ter a exata noção do tamanho do longa, os executivos do estúdio resolveram construir uma embarcação romana em tamanho real para dar mais veracidade as cenas marítimas. O problema é que o especialista contratado desenvolveu um barco muito pesado, que após alguns minutos flutuando acabou afundando ao ser colocado no oceano. Para não desperdiçar o investimento, a MGM resolveu construir um gigantesco tanque de água e rodou as cenas utilizando o barco amarrado a resistentes cabos. Em meio a soluções como esta, Wylder realmente chocou o mundo com a espetacular e sufocante corrida de bigas, numa fluida sequência de quase nove minutos em que recriou com o máximo detalhismo este espetáculo romano de velocidade. Contando com a estupenda fotografia de Robert Surtees (A Primeira Noite de um Homem), o diretor mostra também um grande zelo pelas cenas mais emocionantes, explorando com intensidade o drama familiar por trás da jornada de Ben-Hur. Tanto que após fantásticas sequências de ação e iluminados takes amplos, o longa encontra o seu clímax num soturno cenário, onde as jornadas de Jesus Cristo e de Judah se reencontram num comovente ato final. Momentos que, potencializados pela inesquecível trilha sonora de Miklós Rózsa (Quando Fala o Coração), fizeram o longa ser preservado na Biblioteca do Congresso dos EUA, no ano de 2004, por ser considerado um trabalho "culturalmente, historicamente ou esteticamente significante".
Sucesso de público e crítica no período, Ben-Hur acabou livrando o estúdio MGM da então iminente falência. Vencedor de onze prêmios do Oscar, recorde que só foi igualado por Titanic (1997) e O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (2004), este épico de grandes proporções mostra ao longo das quase quatro horas de duração uma indústria do cinema que verdadeiramente colocava a mão na massa. Numa época em que os efeitos digitais nem sonhavam em existir, através de luxuosos figurinos, de uma direção de arte impecável e do ainda pouco usual formato Widescreen, William Wylder nos apresenta a uma pérola do cinema clássico, deixando uma mensagem de esperança através da edificante e humanitária jornada de Judah Ben-Hur.
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