sábado, 28 de fevereiro de 2015

Cinemaniac Indica (A Caça)

Num momento em que as plataformas virtuais mais parecem um grande tribunal, onde julgamentos sociais estão na moda, o diretor Thomas Vinterberg (Festa de Família) faz de A Caça um relato contundente sobre este lado mais nocivo da nossa sociedade. Contando com uma soberba atuação de Mads Mikkelsen (007 - Cassino Royale), o drama dinamarquês é um daqueles socos no estômago necessários para qualquer indivíduo. Indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2014, perdendo a estatueta para o impecável A Grande Beleza, o drama dinamarquês lida com temas delicados de forma incrivelmente sútil, provocando uma impressionante sensação de passividade e indignação ao narrar as desventuras de um professor em meio as acusações de abuso sexual. Apostando numa narrativa que cresce gradativamente até um desfecho impactante, o longa é habilidoso ao mostrar as explosivas consequências da injustiça e do julgamento moral em uma pequena cidade do interior da Europa. 



Contando com uma fotografia extremamente acolhedora, que parece não combinar com a densidade da história, o roteiro assinado pelo próprio Thomas Vinterberg, ao lado de Tobias Lindholm, opta por mostrar com frieza o impacto desta condenação precipitada. Evidenciando desde o início quem são os verdadeiros culpados, o argumento narra o dia a dia de Lucas (Mads Mikkelsen), um respeitado e querido professor primário. Zeloso no cuidado das crianças, o homem acaba se aproximando da pequena e problemática Klara (Annika Wedderkopp), a jovem filha do seu melhor amigo (Thomas Bo Larsen) que se mostra um tanto quanto deslocada dentro da escola. Nitidamente afetada pelo descontrole dos pais, sempre envoltos a brigas e discussões, a menina de cinco anos passa a desenvolver uma grande afeição sentimental por Lucas. Sem ter a noção exata de suas atitudes, ela se sente muito frustrada quando Lucas recusa um presente seu após um inapropriado beijo. Inocentemente, Klara se aproveita de algumas palavras aprendidas com o irmão e resolve acusar o professor de ter lhe mostrado suas partes íntimas, iniciando assim um julgamento moral de grandes proporções. Mesmo sem qualquer tipo de comprovação, Lucas passa a ser perseguido em toda cidade, perdendo não só o seu emprego e os amigos, como também o simples direito de ir e vir. 


Apostando numa atmosfera curiosamente contida, que inicialmente não combina em nada com as acusações contra o professor, o diretor Thomas Vinterberg foge dos melodramas ao mostrar a reação dos moradores à essas acusações. Apesar da temática envolvendo o abuso sexual ser importante dentro da trama, o dinamarquês faz questão de deixar claro que Lucas é inocente e que o foco desta crítica está justamente nos acusadores. Apresentando inicialmente todos como grandes amigos, daqueles que se encontram frequentemente para beber e caçar, pouco a pouco o roteiro vai evidenciando o quão frágil eram essas amizades. Capturando com destreza toda a irracionalidade em torno do caso, Vinterberg é brilhante ao mostrar a reação inicialmente incrédula de Lucas, permitindo que o personagem gradativamente vá enfrentando essas acusações. Méritos que, logicamente, precisam ser divididos com Mikkelsen, num daqueles desempenhos arrebatadores. Demonstrando intensidade e um comovente ar contido, o ator cresce de forma ímpar em cena, construindo um clímax realmente devastador. Sem se apoiar no exagero, o restante do elenco também se mostra afiado, com destaque para a doce Annika Wedderkopp, naturalmente impressionante com a bem construída Klara, e para o também jovem Lasse Fogelstrom, explosivo como o inconformado Marcus. Desempenhos que amenizam, até mesmo, alguns pequenos problemas da trama, incluindo a inocência dos "profissionais" ao investigar o caso e o ritmo lento da primeira metade do longa.


Destacando toda a histeria coletiva em torno de uma acusação infundada, Thomas Vinterberg faz de A Caça uma crítica contundente, violenta e angustiante sobre a hipocrisia presente em nossa sociedade. Exaltando a irracionalidade em torno da reação dos moradores, o longa consegue evidenciar através do take final o tamanho das sequelas em torno da tão precipitada condenação moral. Conduzindo com grande inspiração essa trama de importante apelo social, o diretor dinamarquês questiona a estabilidade da vida social ao deixar claro que, num mundo sem direito a defesa, o "caçador" pode virar "caça" a qualquer instante. 

3 comentários:

Hugo disse...

É um drama sensacional, que mostra um lado terrível do ser humano.

O sofrimento do personagem principal rende um belíssima atual de Mads Mikkelsen.

Abraço

thicarvalho disse...

Mikkelsen realmente arrebenta Hugo. Grande abs.

thicarvalho disse...

Mikkelsen realmente arrebenta Hugo. Grande abs.