segunda-feira, 7 de abril de 2014

Cinemanic Indica (A Onda)

Até onde o poder da manipulação pode levar uma pessoa? Essa pergunta é muito bem respondida por A Onda, longa alemão dirigido por Dennis Gansel que toca de forma visceral na principal ferida do povo alemão: os fantasmas envolvendo o Nazismo. Levando todo esse processo de discussão politica para as salas de aula, o que só torna a obra mais interessante, o drama é extremamente preciso ao mostrar como uma ideologia pode brotar dos lugares mais improváveis. Contando com ótimas atuações e uma trama envolvente, A Onda é acima de tudo um retrato cru e impactante de uma nova geração manipulável e carente de conteúdo. 

Lançado no ano de 2008, ou seja 63 anos depois do fim da Segunda Grande Guerra, A Onda narra a história de um grupo de desorientados estudantes. Em meio à preocupações fúteis, problemas com os pais e displicência escolar, os alunos parecem ter um pouco mais de respeito pelo professor Rainer Wenger (Jürgen Vogel). Seu estilo pouco ortodoxo e sua vontade de tentar coisas novas parecem agradar aos garotos. Ele é jovial, vai para a escolha ouvindo 'Rock'n Roll High School', dos Ramones, e também é técnico do time de polo-aquático. Se esse estilo faz sucesso junto aos estudantes o mesmo não pode se dizer de sua reputação junto aos outros aos seus colegas de profissão. Tudo isso poderia mudar, no entanto, quando um projeto semanal é distribuído para todos os professores. Para ensinar todos os pensamentos e ideologias aos seus alunos, cada um dos mestres deveria escolher um regime político e o dissecá-lo durante esta semana. Após perder a Anarquia para para outra classe, Rainer é obrigado a trabalhar com o regime autocrático. Ciente de que os jovens já estavam cansados de ouvir sobre o Nazismo e o Fascismo, o professor resolve instaurar dentro de suas aulas a ditadura, sendo que ele seria o líder e os  alunos os  seus seguidores. Surpreendido com a empolgação dos seus adolescentes, Rainer decide ampliar as lições de autoritarismo, criando um grupo autodenominado A Onda. O que ele não esperava, porém, era que essa ideologia ganhasse uma proporção tão grande, alterando diretamente a rotina desta escola.


Com base nesta interessante premissa, o roteiro assinado pelo próprio Gansel deixa claro como a manipulação das massas, ainda hoje, é uma ferramenta extremamente perigosa. Apesar de toda a noção exata do que foi o nazismo, e de afirmarem que "a Alemanha era evoluída demais para um novo regime ditatorial", os alunos acabam se entregando de corpo e alma à ideologia fascista desse grupo. Mostrando de forma precisa o crescimento ideológico dentro de cada um dos garotos e debatendo muito bem todas as questões que o cercava, o grande mérito da trama é a forma como ele destaca o quão fácil poderia ser esse processo de manipulação. Se durante a consolidação do Nazismo o Terceiro Reich se apoiou no desemprego, na desigualdade social e na miséria para comover o povo alemão, A Onda se apega a questões bem mais ligadas a juventude atual, como a solidão, os problemas familiares e o bullying. Além de se tornarem um grupo, uma unidade, esses jovens passaram a criar um vínculo de amizade, de companheirismo, de auto-ajuda, o que acaba elevando o aproveitamento de toda a turma. Uma sensação de poder que inebria não só os estudantes, como também o próprio professor Reiner, numa grande atuação de Jürgen Vogel. Trabalhando muito bem esse processo de doutrinação, o roteiro mostra de maneira contundente como esse processo ideológico vai se enraizando dentro de cada um dos alunos. Eles começam, primeiramente, demonstrando respeito ao seu líder e criando um nome para o grupo, depois passam a vestir as mesmas roupas. A partir daí começam a andar juntos e defenderem uns aos outros, para só então começam a defender os seus ideais, afastando todos aqueles que não seguiam os seus pensamentos.


Ciente da profundidade desse tema, Gansel aposta numa narrativa gradativa, explorando com primor todas as consequências e mazelas envolvendo a ideologia deste grupo de alunos. A forma como as coisas vão saindo do controle chama a atenção, muito em função do bom desempenho do jovem time de atores. Com destaques para a intensa Jennifer Ulrich, muito bem como a engajada Karo, para o surpreendente Frederick Lau, que dá vida ao solitário Tim, e para Max Riemelt, intenso como o inseguro Marco. Muito mais do que um filme politizado, A Onda é uma daquelas obras necessárias para uma melhor compreensão de importantes movimentos históricos. Mais do que destacar o perigoso poder da manipulação, o drama impacta ao enfatizar a vulnerabilidade juvenil diante de ideias tão perversamente sedutoras. Uma surpreendente boa dica. 

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