Longa de estreia do diretor Ritesh Betra, Lunchbox se tornou uma sensação silenciosa pelo mundo. Elogiado pela crítica internacional, essa coprodução da Índia, Alemanha, Estados Unidos e França, vem passando despercebido pelo grande público. Uma pena, já que se trata de um trabalho extremamente original. Explorando uma deliciosa pitada da culinária indiana, aliado a um certo tom de melancolia, a obra é certeira ao construir personagens carismáticos e de fácil identificação com os espectadores. Embalado por diálogos bem construídos e pelas ótimas atuações, Lunchbox tenta comprovar que - em alguns casos - o estômago pode sim ser o caminho mais curto para o coração.
Fugindo das situações clichês e dos melodramas baratos, o também roteirista Ritesh Betra nos brinda com uma deliciosa e inusitada história de amor indiana. Na era do e-mail e das mensagens via redes sociais, a trama aposta na boa e velha linguagem epistolar, via cartas no popular, para guiar toda essa história de amor. De um lado temos Isaajan Fernandez, ou Sr. Fernandez (Irrfan Khan) para os menos íntimos. Um viúvo solitário, ranzinza, que dedica boa parte do seu tempo a contabilidade. Seu único momento de maior tranquilidade era a hora do almoço. Do outro lado temos a bela Ila (Nimrat Kaur), uma prendada dona de casa que parece não atrair a atenção do marido. Seguindo os conselhos de sua experiente tia, Ila passa a tentar novas receitas buscando reconquistar - primeiramente- o estômago do seu marido. Diferente das "marmitas ocidentais", no entanto, na Índia o Lunchbox é levado diretamente ao trabalho por uma secular e "infalível" equipe de entregadores. Surpresa com a reação fria do esposo, Ila acaba descobrindo que a sua comida foi parar no endereço errado. Na verdade, ela acabou foi mudando a vida do Sr. Fernandez. Incomodada com a situação, Ila resolve escrever uma carta para o contador, iniciando assim uma relação quase terapêutica, marcada por confissões, saudosismo e pela frustração com as suas respectivas situações.
Carregando uma atmosfera extremamente particular, o diretor Ritesh Betra explora com primor toda a realidade da cidade de Mumbai. Construindo um belo cenário, Betra capricha na demonstração de um genuíno cotidiano indiano, não se resumindo assim aos clichês das cores, dos trajes e das comidas. Enfatizando o corriqueiro, o longa consegue inserir os seus personagens em situações comuns, sem parecer banal ou desinteressante. Pelo contrário, já que é justamente esta característica que os aproximam do espectador. Afinal de contas, enxergar o zelo de Ila ao fazer a sua comida, a tristeza rotina do quase aposentado Fernandez, ou o grande interesse do novo funcionário Shaikh (Nawazuddin Siddiqui) só facilitam o processo de identificação dos personagens. Com um roteiro repleto de diálogos expressivos, Ritesh Betra utiliza algumas interessantes soluções para trazer maior dramaticidade a esse romance. Sem fazer concessões, a trama deixa claro o lado machista da sociedade indiana. A relação de Ila e seu marido, por exemplo, é o grande exemplo desta situação. No entanto, diferente do que muitos esperavam, Betra concentra a narrativa justamente nas mulheres e nas suas respectivas lutas para manterem as famílias unidas. Uma opção perspicaz, principalmente pela conduta forte e intensa das personagens femininas apresentadas. Outra boa sacada fica pela sensibilidade em desenvolver alguns temas delicados. Com ótimas cenas, o diretor aborda de forma particular temas como a traição, o medo da velhice, a solidão e a juventude, tudo isso com pequenas e precisas pitadas de humor.
O mais curioso, porém, é que apesar de não se cruzarem em cena, a química entre Irrfan Khan e Nimrat Kaur chama a atenção. Se comunicando através de sinceras e curtas cartas, os dois criam uma emotiva relação. Com uma bagagem internacional maior, Irrfan Khan tem uma atuação muito bem construída. O Sr. Fernandez é um sisudo personagem disposto a mudar, que evolui em cena, permitindo a Khan uma elaborada e sensível atuação. Se Irrfan Khan tem uma atuação mais cerebral, Nimrat Kaur aposta no seu carisma e entrega em cena. Com uma beleza impactante, Nimrat não cai nos clichês da dona de casa frustrada. Demonstrando uma grande energia em cena, a atriz flutua entre a euforia e a decepção com grande eficiência. Já Nawazuddin Siddiqui com o simpático Shaikh. Apesar de um inicio pegajoso, aos poucos vamos percebendo que este personagem não é tão raso quanto parece. Méritos para o bom desempenho Nawazuddin Siddiqui. Se Ritesh Betra mostra surpreendente categoria na condução do elenco, porém, a inexperiência fica nítida na execução do bom roteiro. Apesar do brilhante trabalho em boa parte da trama, fica nítido que o desenvolvimento do grande clímax não acompanha o restante do longa. Ainda que os atores consigam tornar tudo muito natural, percebemos que algumas mudanças passam a ser mais forçadas. Além desta falha transição, o grande clímax me pareceu desnecessariamente vago e reflexivo para um "feel good movie". Sem querer revelar muito, a verdade é que os dez minutos finais parecem não estar à altura do que foi apresentado anteriormente.
Ainda assim Lunchbox é uma obra acima da média. Demonstrando uma grande inspiração na condução de temas cotidianos, Ritesh Betra aposta num contemporâneo cenário indiano para construir uma bela e inusitada história de amor. Explorando a fotografia assinada por Michael Simmonds, que captura com primor todo o lado mais peculiar da Índia, Betra surpreende pelo tom melancólico que dá ao seu longa. Tudo isso, porém, sem esquecer o verdadeiro tempero do povo indiano, nos proporcionando uma bem vinda mistura de sentimentos e sensações. Ahh e uma dica: não vá assistir a esse filme de barriga vazia.
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