quinta-feira, 13 de março de 2014

Walt nos bastidores de Mary Poppins

Quando a realidade se encontra com a magia.

Sob a batuta do estúdio Disney, o diretor John Lee Hancock teve uma ingrata missão em suas mãos. Além
de conduzir um longa sobre os bastidores de um dos mais icônicos filmes do estúdio, o clássico Mary Poppins, o realizador tem também a responsabilidade de levar as telas a emblemática figura de Walt Disney. Apostando na magia por trás das obras do estúdio, e no lado icônico do grande criador de Mickey Mouse, Hancock nos apresenta uma interessante abordagem sobre todo o inusitado processo de produção de Mary Poppins. Com destaque para a problemática relação entre Walt Disney e a autora do livro P.L Travers. Apesar do péssimo título brasileiro e de alguns exageros melodramáticos, Walt nos bastidores de Mary Poppins é um competente trabalho, que ganha em sensibilidade graças ao excelente desempenho de todo o elenco. 

Baseado nas gravações de todo o processo de pré-produção, uma exigência da escritora, o roteiro assinado por Kelly Marcel e Sue Smith aposta em uma trama que flutua de forma interessante entre a realidade e a magia. Walt nos bastidores de Mary Poppins nos apresenta a história da P.L Travers (Emma Thompson), uma perfeccionista, exigente e pouco flexível escritora que durante duas décadas relutou a ceder os direitos de sua obra para os estúdios Disney. Apesar da insistência direta do próprio Walt Disney (Tom Hanks), que havia prometido o filme sobre Mary Poppins para as suas filhas, a escritora permaneceu contrária a adaptação durante todo esse período. No entanto, incomodada com o fato do direitos autorais já não renderem tanto, P.L Travers decide dar uma chance a Walt Disney. Parte para Los Angeles e deixa claro que só irá assinar a autorização da obra, caso tenha completa participação no processo de criação do longa. Temendo que a Disney transformasse o seu personagem em mais um desenho animado, a escritora se mostra incomodada com todos os planos dos produtores e com a "fábrica de sonhos" que a Disney se tornara. Sem entender os motivos de Travers, o próprio Walt Disney começa a tentar mudar a cabeça dela. Porém, o que ele acaba descobrindo é que o livro é muito mais do que uma obra de ficção. Na verdade, ele é parte integrante da vida da própria escritora. 


Apresentando uma narrativa elaborada, que não se prende somente ao processo de realização de Mary Poppins, o longa é eficiente ao mostrar toda a construção do clássico. Apostando no grande desempenho de Emma Thompson, que com uma atuação irônica e rabugenta merecia estar entre as indicadas ao Oscar, o roteiro é feliz ao dar destaque às exigências da escritora. A relação dela com o produtor Don DaGradi (Bradley Whitford) e com os irmãos compositores Richard Morton Sherman (Jason Schwartzman) e Robert Sherman (B.J. Novak) é muito atrativa aos olhos do público. O clima de bastidores criado por John Lee Hancock empolga, principalmente, com relação a produção das marcantes canções de Mary Poppins. Melhor ainda é a relação da escritora com o próprio Walt Disney, numa carismática interpretação de Tom Hanks. A química entre Thompson e Hanks chama a atenção, e os diálogos entre eles são muito bem construídos. Bem concebido também é todo o cenário sessentista apresentado nas quase duas horas de projeção, com destaque para a manutenção dos traços - daquele período - dos icônicos personagens Disney. Um detalhe muito bem explorado por Hancock, que acaba contribuindo para todo o ar mágico apresentado ao longo da projeção. Vale destacar ainda a presença do versátil Paul Giamatti, que dá vida a um simples e sensível motorista.

Se a trama acerta ao apresentar os bastidores da produção de Mary Poppins, e a relação de P.L Travers com a Disney, não podemos dizer o mesmo de toda a ligação da escritora com a grande história de sua vida. Na verdade, por mais que o título brasileiro evite deixar essa impressão, o longa tem como foco central a relação entre pais e filhos. Conduzindo muito bem as inseguranças da escritora com relação a refilmagem, motivos ligados diretamente ao relacionamento com o seu pai, a trama abre espaço para as memórias de Travers. Somos apresentado então a expressiva pequena Ginty (Annie Rose Buckley) e a sua família. Explorando os flashbacks de forma paralela à trama central, não demoramos muito para descobrir que o Mr Banks do título original é muito mais do que um simples personagem do livro. Vivido com competência por Colin Farrel, a relação dele com a pequena Ginty é muito bem desenvolvida e tem uma grande ligação com a atmosfera mágica do filme. No entanto, Hancock não consegue conduzir toda essa sub-trama de forma suave, e acaba apostando num descartável tom melodramático envolvendo a família Banks. Com esta opção, o diretor acaba tirando um pouco da leveza que a própria trama buscava passar.


Misturando a realidade por trás da personagem Mary Poppins, com todo a atmosfera mágica da Disney, o diretor John Lee Hancock mostra categoria ao destacar todo o processo criativo na construção deste icônico clássico. Muito mais do que um longa baseado em fatos, no entanto, Walt nos bastidores de Mary Poppins é uma verdadeira ode aos clássicos do estúdio. Afinal, ao observar a realidade com o olhar infantil, como todo bom filme Disney, o longa deixa claro que uma pitada de magia pode ser fundamental para que as feridas da vida sejam cicatrizadas.


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