sexta-feira, 24 de março de 2017

Nostalgia vende? Hollywood se volta para o passado com reverência e tem lucrado alto com isso


Um dos primeiros grandes sucessos de público de 2017, a versão em 'live action' de A Bela e a Fera comprovou que a nostalgia está em alta em Hollywood. Em sua primeira semana em cartaz, a respeitosa refilmagem dirigida por Bill Condon somou US$ 490 milhões ao redor do mundo, refletindo o cuidado da Disney ao resgatar a magia e os traços que transformaram o clássico de 1991 numa das mais queridas animações da história do gênero. Na verdade, após uma enxurrada de remakes genéricos e meramente caça-níquéis, os executivos dos principais estúdios entenderam que o respeito à memória afetiva do espectador era a alma do negócio. Indo além do puro e saboroso 'fan service', os realizadores finalmente compreenderam que o passado não pode ser esquecido, que o "novo" e o "velho" devem coexistir harmoniosamente. Numa época em que pouco se cria e muito se recicla, os executivos perceberam que é possível atualizar uma obra sem precisar descaracteriza-la. Que Ray e Han Solo poderiam se tornar uma extraordinária dupla. O fato é que, embora não seja uma ciência exata, o fator nostalgia chegou para agitar o mercado, para aquecer uma indústria que parecia presa aos rentáveis filmes de super-heróis. 



Acompanhando a ascensão de uma garotada que cresceu assistindo as suas animações, a Disney, como de costume, se antecipou aos demais. Após o inesperado sucesso de Alice do País nas Maravilhas (2010) e Malévola (2013), os executivos perceberam que a refilmagem das suas animações poderia ser uma lucrativa opção. Nasceram então Cinderela (2015), Mogli: O Menino Lobo (2016) e A Bela e a Fera (2017). Mesmo com propostas diferentes, os três filmes se esforçaram ao máximo para dialogar com as memórias afetivas do espectador, para resgatar a atmosfera mágica presente no material fonte. Por mais que as atualizações técnicas e narrativas sejam nítidas e bem sucedidas, nesta trinca de filmes a Disney prezou pela referência, pelo cuidado em revisitar cenários tão populares sem esquecer de torna-las reconhecíveis aos olhos dos fãs mais crescidos. Como não se encantar novamente, por exemplo, com a exuberante transformação da carruagem em abóbora em Cinderela, com o misto de carisma e afeição por trás dos agora digitalizados animais de Mogli ou com a arrepiante sequência do baile em A Bela e a Fera. Um zelo que, diga-se de passagem, se refletiu diretamente nas bilheterias. Enquanto o requintado Cinderela concluiu a sua missão com expressivos US$ 543 milhões arrecadados, o virtuoso Mogli: O Menino Lobo se tornou uma das maiores surpresas de 2016 ao faturar US$ 966 milhões ao redor do mundo. Nas suas primeiras semanas em cartaz, A Bela e a Fera tem reforçado diariamente a atemporalidade da sua história e justificado nas bilheterias o esmero dos realizadores ao oferecer aquilo que foi vendido: uma releitura positivamente literal de um dos grandes pilares dos estúdios Disney.


Neste meio tempo, porém, a mesma Disney deu aula de como se valorizar o sentimento de nostalgia no desenvolvimento de Star Wars: O Despertar da Força (2015). Após revitalizar a "rival" Star Trek, o dedicado J.J Abrams foi o escolhido para tocar este ousado projeto, ciente que não poderia errar com um marca tão cultuada. Fã assumido da trilogia clássica, o diretor fez o seu dever de casa com louvor. Tomando como base ao clássico Star Wars IV: Uma Nova Esperança (1977), ele mostrou inspiração ao reciclar velhos arcos sob um prisma revigorante e naturalmente empolgante. Além de introduzir uma relevante nova leva de personagens, entre eles a indomável Rey, o carismático Finn, o adorável BB-8 e o nefasto Kylo Ren, J.J Abrams não pensou duas vezes ao resgatar os elementos mais marcantes da trilogia clássica, aquecendo o coração dos fãs mais antigos ao buscar na origem a ferramenta para atualizar a franquia. Mais do que o retorno de velhos personagens, o longa abraçou o 'fan service' ao construir sequências memoráveis, momentos arrepiantes e recheados de sentimento. O resultado, merecidamente, foi estrondoso. Tecnicamente primoroso, O Despertar faturou US$ 2,06 bi ao redor do mundo, se tornando uma das maiores bilheterias da história do cinema. Após reacender a centelha criativa, J.J Abrams passou o bastão para Gareth Edwards em Star Wars: Rogue One. Diferente do seu antecessor, o 'spin-off' utilizou a nostalgia dentro de um contexto mais autoral, extraindo as referências mais densas ao valorizar elementos como a Força e a Aliança Rebelde. Com um arrepiante clímax e uma esperançosa sequência final, o longa se conectou perfeitamente ao universo idealizado por George Lucas, se tornando a segunda maior bilheteria de 2016 ao arrecadar US$ 1,05 bi mundialmente.

Dinossauros e Godzilla: nostalgia em grande escala


Antes da Disney revitalizar a saga Star Wars, a Universal Pictures soube também fazer um extraordinário uso do fator nostalgia no reboot\continuação Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros (2015). Disposto a reciclar a atmosfera de fascínio presente no magnífico Jurassic Park (1993), o promissor Colin Trevorrow procurou não só dialogar com a estrutura do longa original, como também tornar as criaturas jurássicas novamente impactante aos olhos do espectador. Indo além dos riffs da marcante trilha sonora de John Williams, o realizador atualizou a franquia sem esquecer de afagar a memória afetiva dos fãs mais antigos, fazendo um primoroso uso das referências ao prestar uma espécie de homenagem ao clássico noventista. Ao entregar aquilo que o espectador esperava ver, vide o aguardado duelo de gerações entre dinossauros, Jurassic World superou as expectativas ao conseguir US$ 1,6 bi ao redor do mundo, comprovando que passado e presente poderiam coexistir dentro de um remake.


Assim como a Universal, aliás, a Legendary Pictures fez um inteligente uso do elemento nostalgia ao dar nova vida a um dos mais populares monstros de Hollywood. Após injetar um novo gás no gênero com o empolgante Círculo de Fogo (2013), uma produção original, mas reverente aos clássicos 'kaijus' nipônicos, os executivos do estúdio perceberam que era a hora do retorno do Rei dos Monstros. Em Godzilla (2014), o diretor Gareth Edwards prestou uma grande homenagem ao primeiro filme, reapresentando esta icônica criatura às novas gerações. Indo de encontro à desastrosa versão de 1998, o longa fez questão mostra-lo novamente como um agente de equilíbrio, a nossa última linha de defesa diante de perigosas ameaças subterrâneas. Além disso, Edwards decidiu resgatar as características mais clássicas do personagem, entre elas a aparência robusta e o estridente rugido, entregando um monstro à altura da versão original. O resultado, para a surpresa de muitos, foi excepcional. Com orçamento de US$ 160 milhões, o remake faturou US$ 529 milhões ao redor do mundo, revitalizando um segmento que havia se perdido no passado.


Quem também soube explorar o fator nostalgia com rara inspiração foi Sylvester Stallone. Responsável por algumas das mais populares produções da década de 1980, o ator enxergou este potencial ao tirar do papel o aguardado Rocky Balboa (2006). Numa proposta mais sentimental, o retorno do pugilista mais querido da sétima arte se deu numa continuação referencial e emocionante, um desfecho denso capaz de saciar os anseios de uma devotada geração de fãs. Com um orçamento modesto, cerca de US$ 25 milhões, Rocky Balboa conseguiu significativos US$ 155 milhões ao redor do mundo, mostrando para o velho Sly que o público adulto andava carente de ídolos. Impulsionado pelo êxito desta produção, o veterano resolveu reunir o melhor do cinema de ação oitentista no escapista Os Mercenários (2010). Trazendo no elenco nomes do peso de Dolph Lundgreen, Jason Stathan, Jet Li, Arnold Schwarzenegger e Bruce Willis, o longa se revelou uma obra carregada de nostalgia, um filme de ação à moda antiga com anti-heróis destemidos, os populares exércitos de um homem só. Uma produção recheada de frases feitas, sequências de ação absurdas e uma série de sagazes piadas internas. Numa época em que os fãs do gênero eram bombardeados pelas produções realísticas, Os Mercenários se tornou um sucesso de público ao faturar US$ 274 milhões ao redor do mundo, reativando um segmento que também havia se perdido no final da década de 1990.


O sentimento de nostalgia, aliás, também está presente em algumas produções menores. Antes de faturar rios de dinheiro com Star Wars: O Despertar da Força, J.J Abrams buscou referência em E.T (1982), Os Goonies (1985) e Os Garotos Perdidos (1987) no fantástico Super 8 (2011). Com um fascinante clima de mistério, um entrosado elenco infantil e um “antagonista” desafiador, o longa soube requentar a 'vibe' oitentista presente nestes clássico, preparando o terreno para sucessos do nível da série Stranger Things ao faturar US$ 260 milhões mundialmente. Assim como Abrams, o talentoso Richard Linklater revisitou o clima descompromissado da década de 1980 em Jovens, Loucos e MaisRebeldes (2016). Sob um ponto de vista naturalista, o talentoso realizador arrancou sinceras risadas ao reproduzir a rotina de um grupo de jovens durante o primeiro dia de faculdade, construindo uma descompromissada mistura de Gatinhas e Gatões (1984) com Clube dos Cinco (1985). Ainda na sessão nostalgia, os excelentes Dope (2015), Sing Street (2016) e Destino Especial (2016) também atestaram o crescimento desta nova leva produções, que deve ganhar uma representação mais "pesada" em 2017 com Alien: Covenant e Blade Runner 2024. Duas continuações que, assumidamente, prometem retornar às origens e reativar estas cultuadas marcas do cinema Sci-Fi. A missão, porém, não é a das mais fáceis, afinal de contas o elemento referencial, por si só, não explica o sucesso das obras citadas acima. Mais do que simplesmente reciclar ideias, personagens ou fórmulas, os responsáveis por estas bem sucedidas películas entenderam que o conteúdo precisa estar em primeiro lugar, seja num reboot de uma icônica franquia, seja numa nostálgica produção de pequeno porte.

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