Um dos primeiros grandes sucessos de público de 2017, a versão em 'live
action' de A Bela e a Fera comprovou que a nostalgia está em alta em Hollywood. Em sua primeira semana em cartaz, a respeitosa refilmagem dirigida por Bill
Condon somou US$ 490 milhões ao redor do mundo, refletindo o cuidado da
Disney ao resgatar a magia e os traços que transformaram o clássico de 1991
numa das mais queridas animações da história do gênero. Na verdade, após uma
enxurrada de remakes genéricos e meramente caça-níquéis, os executivos dos
principais estúdios entenderam que o respeito à memória afetiva do espectador
era a alma do negócio. Indo além do puro e saboroso 'fan service', os
realizadores finalmente compreenderam que o passado não pode ser esquecido, que
o "novo" e o "velho" devem coexistir harmoniosamente. Numa
época em que pouco se cria e muito se recicla, os executivos perceberam que é possível
atualizar uma obra sem precisar descaracteriza-la. Que Ray e Han Solo poderiam
se tornar uma extraordinária dupla. O fato é que, embora não seja uma ciência
exata, o fator nostalgia chegou para agitar o mercado, para aquecer uma
indústria que parecia presa aos rentáveis filmes de super-heróis.
Acompanhando a ascensão de uma garotada que cresceu assistindo as suas
animações, a Disney, como de costume, se antecipou aos demais. Após o
inesperado sucesso de Alice do País nas Maravilhas (2010) e Malévola (2013), os
executivos perceberam que a refilmagem das suas animações poderia ser uma
lucrativa opção. Nasceram então Cinderela (2015), Mogli: O Menino Lobo (2016) e
A Bela e a Fera (2017). Mesmo com propostas diferentes, os três filmes se
esforçaram ao máximo para dialogar com as memórias afetivas do espectador, para
resgatar a atmosfera mágica presente no material fonte. Por mais que as
atualizações técnicas e narrativas sejam nítidas e bem sucedidas, nesta trinca
de filmes a Disney prezou pela referência, pelo cuidado em revisitar cenários
tão populares sem esquecer de torna-las reconhecíveis aos olhos dos fãs mais
crescidos. Como não se encantar novamente, por exemplo, com a exuberante
transformação da carruagem em abóbora em Cinderela, com o misto de carisma e
afeição por trás dos agora digitalizados animais de Mogli ou com a arrepiante
sequência do baile em A Bela e a Fera. Um zelo que, diga-se de passagem, se
refletiu diretamente nas bilheterias. Enquanto o requintado Cinderela concluiu
a sua missão com expressivos US$ 543 milhões arrecadados, o virtuoso Mogli: O
Menino Lobo se tornou uma das maiores surpresas de 2016 ao faturar US$ 966
milhões ao redor do mundo. Nas suas primeiras semanas em cartaz, A Bela e a
Fera tem reforçado diariamente a atemporalidade da sua história e justificado
nas bilheterias o esmero dos realizadores ao oferecer aquilo que foi vendido:
uma releitura positivamente literal de um dos grandes pilares dos estúdios
Disney.
Neste meio tempo, porém, a mesma Disney deu aula de como se valorizar o
sentimento de nostalgia no desenvolvimento de Star Wars: O Despertar da Força
(2015). Após revitalizar a "rival" Star Trek, o dedicado J.J Abrams
foi o escolhido para tocar este ousado projeto, ciente que não poderia errar
com um marca tão cultuada. Fã assumido da trilogia clássica, o diretor fez o
seu dever de casa com louvor. Tomando como base ao clássico Star Wars IV: Uma
Nova Esperança (1977), ele mostrou inspiração ao reciclar velhos arcos sob um
prisma revigorante e naturalmente empolgante. Além de introduzir uma relevante
nova leva de personagens, entre eles a indomável Rey, o carismático Finn, o
adorável BB-8 e o nefasto Kylo Ren, J.J Abrams não pensou duas vezes ao resgatar
os elementos mais marcantes da trilogia clássica, aquecendo o coração dos fãs
mais antigos ao buscar na origem a ferramenta para atualizar a franquia. Mais
do que o retorno de velhos personagens, o longa abraçou o 'fan service' ao
construir sequências memoráveis, momentos arrepiantes e recheados de
sentimento. O resultado, merecidamente, foi estrondoso. Tecnicamente primoroso,
O Despertar faturou US$ 2,06 bi ao redor do mundo, se tornando uma das maiores
bilheterias da história do cinema. Após reacender a centelha criativa,
J.J Abrams passou o bastão para Gareth Edwards em Star Wars: Rogue One. Diferente do seu
antecessor, o 'spin-off' utilizou a nostalgia dentro de um contexto mais
autoral, extraindo as referências mais densas ao valorizar elementos como a
Força e a Aliança Rebelde. Com um arrepiante clímax e uma esperançosa sequência
final, o longa se conectou perfeitamente ao universo idealizado por George
Lucas, se tornando a segunda maior bilheteria de 2016 ao arrecadar US$ 1,05 bi
mundialmente.
Dinossauros e Godzilla: nostalgia em grande escala
Antes da Disney revitalizar a saga Star Wars, a Universal Pictures soube
também fazer um extraordinário uso do fator nostalgia no reboot\continuação
Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros (2015). Disposto a reciclar a atmosfera
de fascínio presente no magnífico Jurassic Park (1993), o promissor Colin
Trevorrow procurou não só dialogar com a estrutura do longa original, como
também tornar as criaturas jurássicas novamente impactante aos olhos do
espectador. Indo além dos riffs da marcante trilha sonora de John Williams, o
realizador atualizou a franquia sem esquecer de afagar a memória afetiva dos
fãs mais antigos, fazendo um primoroso uso das referências ao prestar uma
espécie de homenagem ao clássico noventista. Ao entregar aquilo que o
espectador esperava ver, vide o aguardado duelo de gerações entre dinossauros,
Jurassic World superou as expectativas ao conseguir US$ 1,6 bi ao redor do
mundo, comprovando que passado e presente poderiam coexistir dentro de um
remake.
Assim como a Universal, aliás, a Legendary Pictures fez um inteligente
uso do elemento nostalgia ao dar nova vida a um dos mais populares monstros de
Hollywood. Após injetar um novo gás no gênero com o empolgante Círculo de Fogo
(2013), uma produção original, mas reverente aos clássicos 'kaijus' nipônicos,
os executivos do estúdio perceberam que era a hora do retorno do Rei dos
Monstros. Em Godzilla (2014), o diretor Gareth Edwards prestou uma grande
homenagem ao primeiro filme, reapresentando esta icônica criatura às novas
gerações. Indo de encontro à desastrosa versão de 1998, o longa fez questão
mostra-lo novamente como um agente de equilíbrio, a nossa última linha de
defesa diante de perigosas ameaças subterrâneas. Além disso, Edwards decidiu
resgatar as características mais clássicas do personagem, entre elas a
aparência robusta e o estridente rugido, entregando um monstro à altura da
versão original. O resultado, para a surpresa de muitos, foi excepcional. Com
orçamento de US$ 160 milhões, o remake faturou US$ 529 milhões ao redor do
mundo, revitalizando um segmento que havia se perdido no passado.
Quem também soube explorar o fator nostalgia com rara inspiração foi
Sylvester Stallone. Responsável por algumas das mais populares produções da
década de 1980, o ator enxergou este potencial ao tirar do papel o aguardado Rocky
Balboa (2006). Numa proposta mais sentimental, o retorno do pugilista mais
querido da sétima arte se deu numa continuação referencial e emocionante, um
desfecho denso capaz de saciar os anseios de uma devotada geração de fãs. Com
um orçamento modesto, cerca de US$ 25 milhões, Rocky Balboa conseguiu
significativos US$ 155 milhões ao redor do mundo, mostrando para o velho Sly
que o público adulto andava carente de ídolos. Impulsionado pelo êxito desta
produção, o veterano resolveu reunir o melhor do cinema de ação oitentista no
escapista Os Mercenários (2010). Trazendo no elenco nomes do peso de Dolph
Lundgreen, Jason Stathan, Jet Li, Arnold Schwarzenegger e Bruce Willis, o longa
se revelou uma obra carregada de nostalgia, um filme de ação à moda antiga com anti-heróis
destemidos, os populares exércitos de um homem só. Uma produção recheada de
frases feitas, sequências de ação absurdas e uma série de sagazes piadas
internas. Numa época em que os fãs do gênero eram bombardeados pelas produções
realísticas, Os Mercenários se tornou um sucesso de público ao faturar US$ 274
milhões ao redor do mundo, reativando um segmento que também havia se perdido
no final da década de 1990.
O sentimento de nostalgia, aliás, também está presente em algumas
produções menores. Antes de faturar rios de dinheiro com Star Wars: O Despertar
da Força, J.J Abrams buscou referência em E.T (1982), Os Goonies (1985) e Os
Garotos Perdidos (1987) no fantástico Super 8 (2011). Com um fascinante clima
de mistério, um entrosado elenco infantil e um “antagonista” desafiador, o
longa soube requentar a 'vibe' oitentista presente nestes clássico, preparando
o terreno para sucessos do nível da série Stranger Things ao faturar US$ 260
milhões mundialmente. Assim como Abrams, o talentoso Richard Linklater
revisitou o clima descompromissado da década de 1980 em Jovens, Loucos e MaisRebeldes (2016). Sob um ponto de vista naturalista, o talentoso realizador
arrancou sinceras risadas ao reproduzir a rotina de um grupo de jovens durante
o primeiro dia de faculdade, construindo uma descompromissada mistura de Gatinhas
e Gatões (1984) com Clube dos Cinco (1985). Ainda na sessão nostalgia, os excelentes
Dope (2015), Sing Street (2016) e Destino Especial (2016) também atestaram o
crescimento desta nova leva produções, que deve ganhar uma representação mais
"pesada" em 2017 com Alien: Covenant e Blade Runner 2024. Duas continuações
que, assumidamente, prometem retornar às origens e reativar estas cultuadas
marcas do cinema Sci-Fi. A missão, porém, não é a das mais fáceis, afinal de
contas o elemento referencial, por si só, não explica o sucesso das obras citadas
acima. Mais do que simplesmente reciclar ideias, personagens ou fórmulas, os
responsáveis por estas bem sucedidas películas entenderam que o conteúdo
precisa estar em primeiro lugar, seja num reboot de uma icônica franquia, seja
numa nostálgica produção de pequeno porte.
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