sexta-feira, 15 de abril de 2016

Mogli - O Menino Lobo

Visualmente primorosa, adaptação investe numa releitura mais madura e selvagem

E a Disney conseguiu de novo. Após resgatar a aura mágica dos contos de fadas na versão live-action do clássico Cinderela (2015), o estúdio encanta outra vez ao fazer de Mogli - O Menino Lobo uma adaptação ainda mais selvagem e aventureira. Conduzido com categoria por Jon Favreau (Homem de Ferro), o longa equilibra passado e presente ao atualizar esta adorável fábula, respeitando a essência dos personagens ao promover uma releitura vibrante, autoral e visualmente primorosa. Não se engane, porém, com a aparente inofensividade da história. Além de ampliar o senso de perigo em torno dos protagonistas, a película adota um ponto de vista mais realista ao traduzir os dilemas do menino lobo, principalmente quando se propõe a colocar em cheque a relação entre o homem e a natureza. Felizmente, ainda que caminhe por um território mais sombrio em alguns momentos, Favreau em nenhum momento abdica da diversão, potencializada pelos espetaculares takes de ação, pelo expressivo cenário fotorrealístico e pela carismática presença do jovem Neel Sethi. 




Inspirado na obra do escritor Rudyard Kipling, Mogli - O Menino Lobo segue um caminho ligeiramente diferente ao acompanhar a jornada do garoto órfão que fez da floresta o seu verdadeiro lar. Ainda que não seja propriamente ousado ou inovador, o argumento assinado por Justin Marks (Street Fighter: A Lenda de Chun-Li) não só abre mão de alguns personagens importantes, como também adiciona uma generosa dose de malícia a outros, dando a fábula uma atmosfera mais ameaçadora. Uma abordagem mais inerente a nossa realidade. Através de um texto ágil, redondo e repleto de sentimento, o longa revisita a história de Mogli (Neel Sethi), um jovem esperto e habilidoso que foi "adotado" por uma alcateia após a morte do seu pai. Criado com muito carinho pela loba Raksha (voz de Júlia Lemmertz), o garoto seguia com afinco os ensinamentos do seu amigo Bagheera (voz de Dan Stulbach), uma pantera experiente que agia como uma espécie de mentor. Acreditando fazer parte de um bando, o menino vê a sua situação mudar quando o temido tigre Shere Kan (voz de Thiago Lacerda) resolve colocar um fim na presença de um humano entre os animais. Temendo pelo pior, Bagheera decide levar Mogli para a vila dos homens, sem saber que Kan estava prestes a dar início a um plano ainda mais cruel e violento.


Adotando uma abordagem extremamente universal, Jon Favreau abraça o espírito aventureiro ao dar uma relevante nova roupagem ao clássico da Disney. Na contra-mão do longa original, o realizador decide fazer da floresta um lugar realmente perigoso, investindo num pano de fundo hostil, atual e menos infantil. Neste cenário selvagem e por vezes assustador, o argumento é perspicaz ao ampliar as ameaças em torno da jornada de Mogli, dialogando com temas interessantes a partir de personagens como o ardiloso Rei Louie e o nefasto Shere Kan. É através da rixa entre o antagonista e o menino lobo, aliás, que o roteiro abre espaço para algumas bem-vindas criticas, a maioria delas envolvendo o poder de destruição do homem e a sua relação com a natureza. E isso sem apelar para as descartáveis lições de moral ou para os desnecessários melodramas. O grande mérito narrativo do longa, no entanto, fica pela maneira com que Favreau consegue misturar realismo e fantasia, sobriedade e diversão. Mesmo flertando com elementos mais sombrios, Mogli em nenhum momento deixa de ser uma produção com a cara dos estúdios Disney. Como se não bastasse o humor ingenuo e a presença dos carismáticos personagens, a adaptação aposta em soluções levemente nostálgicas, absorvendo a aura mágica da animação original ao investir na manutenção de alguns dos mais icônicos números musicais e ao dialogar com temas familiares como a amizade, a união e o respeito às diferenças.


Nenhum destes trunfos, porém, é capaz de ofuscar o impacto visual de Mogli - O Menino Lobo. Num trabalho magnífico, a equipe de animadores dá uma verdadeira aula no que diz respeito a concepção digital dos animais, que impressionam tanto pela verossimilhança física, quanto pela captura dos seus movimentos mais instintivos. Apesar do tom fabulesco, o longa investe numa abordagem quase naturalista ao reproduzir o comportamento das espécies recriadas em CGI, prezando pelo realismo ao apresentar a relação deles com a natureza. Curiosamente, mesmo diante desta aparência extremamente crível, Jon Favreau protege com unhas e dentes a essência dos clássicos personagens, respeitando a personalidade de cada um deles e os seus respectivos traços de humanidade. Além disso, o realizador é igualmente detalhista ao explorar as características físicas dos protagonistas, valorizando elementos como a textura do pelo do preguiçoso Baloo, as cicatrizes do assustador Shere Kan, a mobilidade do afável Baghera, o olhar hipnotizante da serpente Kaa e a persuasiva feição do astuto Rei Louie. Minimalismo que, aliás, se repete na construção do vasto e luminoso cenário florestal. Utilizando uma paleta de cores mais sóbria, Favreau investe numa paisagem rica e grandiosa, um pano de fundo expressivo tanto nas ensolaradas sequências mais alegres, quanto nos refinados takes noturnos. Melhor ainda, no entanto, é a maneira natural com que o promissor Neel Sethi interage com este cenário totalmente digitalizado. Numa atuação irretocável, o carismático ator mostra talento ao dialogar com o CGI, nos fazendo acreditar que um menino poderia levar uma fascinante rotina ao lado de ursos, lobos e panteras.


Recheado de empolgantes sequências de ação, a maioria delas potencializadas pela fluída montagem e pela energia do pequeno protagonista, Mogli - O Menino Lobo surpreende ao dar uma generosa dose de maturidade a esta popular fábula aventureira. Trazendo no currículo o bem sucedido Homem de Ferro (2008), Jon Favreau é habilidoso ao valorizar os efeitos visuais sem enfraquecer a história, usando o apurado CGI sempre em prol da trama. O resultado é uma sucessão de planos memoráveis, com direito a inventivas cenas em primeira pessoa, a enquadramentos singulares e a imagens naturalmente encantadoras. Na verdade, aliando tecnologia à magia dos estúdios Disney, o novo Mogli se revela um triunfo visual e artístico, uma adaptação necessária, genuína e visualmente extraordinária.

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