domingo, 3 de outubro de 2021

Crítica | Só representatividade não basta! "Negra como a Noite" frustra com uma visão higiênica sobre o vampirismo


É revigorante ver a diversidade se tornar uma prioridade no cinema de gênero. É fundamental reconhecer a importância de títulos como Negra como a Noite. Uma produção formada majoritariamente por atores afro-americanos, com um plot definido pelo seu forte subtexto social e uma protagonista empoderada disposta a se afirmar enquanto mulher negra. Um pacote de virtudes que, por si só, significa um diferencial para o projeto. Um filme, porém, não pode depender exclusivamente da sua verve social/racial.

Basta colocarmos a representatividade em segundo plano para notarmos o quão desestimulante é Negra como a Noite enquanto cinema de gênero. Nada justifica uma obra tão amadora em sua construção fílmica. Uma premissa intrigante envolvendo uma adolescente às avessas com a puberdade, vampiros sem teto e uma comunidade negra abandonada é "despejada" numa produção com cara de telefilme ruim. A falta de tato da diretora Maritta Lee Go na construção do horror é gritante. Apesar dos enxutos 85 minutos de projeção, o longa se arrasta com diálogos vazios, uma construção de mitologia relapsa, personagens subdesenvolvidos e uma abordagem sisuda.

Negra Como a Noite é um filme trash que se leva a sério. Por mais que o design dos vampiros chame a atenção (os olhos vermelhos na escuridão impactam), a cineasta é incapaz de criar cenas horripilantes ou divertidas. Tudo é higiênico demais. Os takes noturnos são escuros. A montagem é caótica. Os cortes bruscos revelam a falta de acabamento visual. A criativa ideia de se exaltar a melanina da obstinada Shwana (Asjha Cooper) dentro da mitologia para propor uma interessante discussão sobre o colorismo cai por terra diante da pobreza imagética da obra. Tudo é muito opaco. Negra como a Noite parece um longa  incompleto. É difícil acreditar que este filme passou pelo processo de pós-edição. 

O roteiro, por sinal, também não ajuda. O texto é superficial ao abordar a crise de autoestima da protagonista, o estrago gerado pela desigualdade e o choque de mentalidade dentro da comunidade afro-americana. O personagem de Keith David merecia mais tempo de tela. As diferenças ideológicas defendidas são descartadas à medida que os vampiros se revelam uma peça menor na equação. Lee Go não sabe o que quer. Negra como a Noite parece um 'coming of age movie', mas nunca foca de fato na verdade de Shwana. Tenta aterrorizar, mas não chega perto de tornar a ação enervante. Promete questionar, mas esbarra numa rasa visão de mundo. Sobram as boas intenções. Sobra o carisma do radiante elenco. Sobra pouco. Bem pouco...

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