quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Crítica | Com vícios típicos de Hollywood, "O Culpado" troca a imersão silenciosa pelo exagero num remake descartável


No cinema, a análise comparativa pode ser bem injusta. Até mesmo quando o assunto são os remakes. Cada obra possui as suas particularidades. O contexto muda, a linguagem muda, as expectativas mudam. Embora tentador, reduzir uma crítica a equivalência entre filmes semelhantes é um erro. Eu prefiro seguir um outro caminho. No caso de uma refilmagem lançada num prazo tão curto de tempo, a pergunta que deve ser respondida é: esse filme se justifica? 


O Culpado é um case curioso. Poucas vezes um filme tão fiel ao material fonte pareceu tão distante da natureza dele. Se todos os longas lançados antes de 2020 fossem magicamente deletados da nossa cabeça, a produção Netflix dirigida por Antoine Fuqua se sustentaria tranquilamente com uma premissa intrigante, um protagonista instável e uma direção que privilegia a linguagem oral em detrimento do estímulo visual. Preso numa central de atendimento no melhor estilo Emergência 91 (quem lembra?), o adrenalizado policial Joe vê a sua impotência se tornar um problema quando uma jovem entra em contato com a sua linha pedindo ajuda. A desafiadora ideia de construir a ação a partir da reação do personagem dentro de um cenário tão impessoal traz uma cara nova para o gênero. 


Um tempero especial que graças ao senso de plasticidade de Fuqua, a tensão em torno do dramático texto e a intensa performance de Jake Gyllenhaal  reforçam a solidez da experiência proposta. Essa deve ser a visão de quem não assistiu ao longa original. Essa provavelmente seria a minha análise caso o thriller dinamarquês Culpa (2018) nunca tivesse entrado no meu radar. Mas ele entrou… Não só passou, mas impactou. Uma sensação que O Culpado não chega perto de causar. 


Quer descobrir alguns dos maiores vícios do cinema Hollywoodiano? Este projeto tem muito a revelar sobre isso. É frustrante perceber o esforço dos realizadores em tornar a experiência o mais palatável possível. O fato da refilmagem funcionar como peça isolada não deve nos cegar para a falta de coragem de Fuqua em assumir a natureza reflexiva do suspense europeu. 


Embora replique quase que literalmente a estrutura narrativa do antecessor, o cineasta escolhe o caminho mais fácil ao mudar o foco da trama. Ele troca o pesado estudo sobre a culpa de um policial pressionado por uma vazia promessa de redenção. O Culpado se explica demais. O Culpado se recusa a expor o seu protagonista à medida que um possível caso de sequestro ganha forma. Jake Gyllenhaal já parece instável logo nas primeiras cenas. Em poucos minutos Fuqua entrega de bandeja os segredos em torno deste errático comportamento. Por mais que a agressiva verve indômita de Joe case com o processo de "americanização" do protagonista, o realizador não consegue acessar de fato as emoções do policial. A direção compra o exagero. 


Fuqua parece mais preocupado em emular planos e soluções visuais (como o uso do vermelho na fotografia e o contra-plongée para potencializar a sensação de desequilíbrio do protagonista) do que em trazer algo novo ao plot. Estamos diante de um filme condescendente que não chega perto de capturar o senso de angústia intimista gerada pelo longa dinamarquês. Quanto mais Gyllenhaal se esforça para parecer nervoso (num overaction muitas vezes vazio), mas o seu personagem se revela oco e histriônico.


Esqueça o comentário social sobre a descerebrada ação da polícia. Esqueça o estudo de personagem de um homem consumido pelo remorso. Esqueça o silêncio que potencializa a imersão. Esqueça a verve imagética do texto original. O Culpado se contenta em replicar a forma seguindo uma lógica tipicamente Hollywoodiana. Uma abordagem limitante que, numa comparação direta com o original, torna a experiência menor e mais descartável. 


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