sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Crítica | Trasheira de respeito, "O Bingo Macabro" ataca a ilusão do sonho americano num filme estiloso e absurdo


Muitos, ainda hoje, costumam associar o cinema trash a algo sujo ou de baixa qualidade. O que não é uma verdade absoluta. Há tempos o subgênero deixou de ser sinônimo de pérolas como O Vingador Tóxico e Sharknado. O trash, com o passar dos anos, se tornou uma forma de linguagem do cinema de horror. Uma opção narrativa. O Bingo Macabro sintetiza este movimento com perfeição. Trasheira de respeito, o longa dirigido por Gigi Saul Guerrero assume o exagero sem medo de ser feliz num filme de baixo orçamento repleto de estilo.

É fascinante notar como a cineasta usa a mistura de cores para retratar a dura rotina de uma resistente comunidade hispânica diante do processo de gentrificação. Após anos esquecidos, os moradores de Oak Springs vêem as suas raízes serem cortadas com a predatória expansão imobiliária. "Hipsters de m...", diz a protagonista, a indômita Lupita, diante dos novos vizinhos. Apesar do peso da idade, ela se recusa a aceitar o fim daquilo que levou anos para construir. Preocupada, a idosa pressente o perigo quando o pacato bingo da região é comprado pelo extravagante senhor Big (Richard Brake, ardiloso). O começo de uma série de misteriosos desaparecimentos. 

Há quanto tempo não víamos um filme de terror estrelado por uma idosa? Só por isso, O Bingo Macabro já merece a nossa atenção. Uma solução que está longe de ser gratuita. Guerrero empodera os experientes a fim de usar a vivência deles para questionar a perversa ilusão em torno do sonho em americano. Embora se sustente enquanto terror, o longa intriga a usar a linguagem trash para atacar a ambição que consome comunidades. 


A cineasta investe numa delirante fotografia cintilante a fim de expor o perigoso efeito sedutor gerado por promessas vazias. O dinheiro, aos olhos dela, corrompe. O horror nasce da euforia que vira compulsão. No ritmo da carismática Adriana Barraza, a produção Blumhouse surpreende ao encontrar brechas para mergulhar de fato na reconhecível angústia dos personagens. Uma crítica que ganha contornos absurdos à medida que a realizadora traduz de maneira gráfica a deterioração dos moradores em sequências com um forte elemento sensorial. Guerrero não tem medo de sujar as mãos. 


É frustrante notar, contudo, que o longa vacila ao trabalhar o choque de forças seguindo as convenções do gênero. A diretora capricha nos planos angulados, enerva ao expor a vulnerabilidade dos protagonistas com uma câmera fixa no rosto das vítimas, mas o horror fica limitado aos ataques do misterioso assassino. O monstro nunca se assume… O que prejudica o andamento do longa. Com potencial para ir além, O Bingo Macabro fisga ao trazer um irônico subtexto social para o universo trash. Uma obra charmosa que pode não conquistar o prêmio máximo do dia, mas deixa poucos espaços em branco na cartela do cinema de horror.

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