sábado, 9 de outubro de 2021

Artigo | Seis Mulheres para o Assassino, o Giallo e a morte da beleza feminina com instrumento de choque


O cinema de horror está muito ligado ao choque. À brutalidade da imagem que invade a tela. Assistir a um filme do gênero é, presumidamente, estar aberto ao feio, ao disforme, ao monstruoso. Era assim com a estética do pesadelo defendida pelo Expressionismo Alemão, seguiu assim com o classicismo grotesco dos filmes de monstros da Universal, continuou assim com a natureza trash criativa dos filmes B dos anos 1940/1950. 


O horror ganhou forma nas sombras. Na distorção visual anti-classicista dos expressionistas. Na decrepitude proposta em pérolas como Nosferatu, Frankenstein e A Múmia. Na insinuação da brutalidade em títulos como Drácula, O Lobisomem e O Horror do Drácula. Na sinistra construção de atmosfera em filmes como O Gabinete do Dr° Caligari, O Solar Maldito e Vampiros de Almas. O horror, até aqui, estava muito associado ao grotesco. Imagina você, em 1964, ver um filme que, na contramão do que era produzido até então, resolveu trazer o "belo" para o terror. Assim nasceu o cinema de Giallo. Graças a hits influentes como Seis Mulheres para um Assassino. 


O longa dirigido por Mario Bava misturou tudo o que era feito no gênero até então numa experiência peculiar. A fusão perfeita do refinamento clássico dos filmes de monstro da Universal com o vigor estético das produções Hammer. Da relação entre luz e sombras proposta pelo Expressionismo Alemão com a falta de acabamento narrativo dos filmes B de Ed Wood. Uma espécie de avô dos 'slashers movies', o filme trouxe uma cara nova ao segmento ao investir pesado no uso de cores primárias. No vigor que potencializava tanto a violência, quanto o erotismo impresso em tela. O choque deixou de depender exclusivamente do "monstro", aqui um assassino sem face, para ser associado ao belo. Ou melhor, a morte da beleza. 



Muito antes do desenvolvimento do conceito de 'final girl', Bava violenta o feminino a fim de impactar. A fim de provocar a partir de uma visão "apelativa" que ditaria as regras do moralista subgênero nos anos seguintes. O cineasta emoldura as suas vítimas com um senso de sensualidade quase patológico. As mortes são seguidas de exposição do corpo das personagens. Dos seios avolumados. Das curvas voluptuosas. As donzelas nunca foram tão "indefesas".

A tensão nasce da luta pela sobrevivência. O terror invade a tela no que eu chamo de "faces da morte". Mario Bava ajudou a trazer o horror para a realidade ao entender que o desespero de um (belo) rosto sem vida poderia ser mais chocante do que qualquer monstro decrépito. A beleza em Seis Mulheres para o Assassino, porém, não está somente associada ao feminino. O diretor provoca ao usar o cenário aristocrático da alta costura italiana para extrair a plasticidade da violência. Uma história de inveja sem qualquer brilho narrativo é redimensionada graças à forma com que ele filma a brutalidade com um vigor estético que flerta com o sadismo. A fotografia em tons cintilantes protege o assassino criando sequências imageticamente tensas. A direção de arte transita entre o classicismo e o modernismo ao construir o cenário para o jogo de gato e rato proposto. Bava pensa o choque a partir daquilo que não necessariamente esperávamos ver no gênero. 



Um dos precursores do Giallo italiano, Seis mulheres para o Assassino revitalizou a forma de se arquitetar o horror ao retratar a sujeira do mundo real com uma exuberância estética morbidamente fascinante. É trash? É! É refinado? Também! É Giallo na veia. 

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