domingo, 26 de julho de 2020

Perfil | Elegante, sexy, majestosa... As múltiplas faces de Helen Mirren

Quantas estrelas do cinema tiveram a oportunidade de dar vida a três rainhas na sua carreira? Quantas viveram a atuação em suas mais variadas plataformas? Quantas envelheceram dentro da indústria elevando o seu prestígio a cada ano que passa? Helen Mirren conseguiu. Vencedora do Oscar por A Rainha, a atriz, que completa 75 anos hoje, segue esbanjando versatilidade. Com o seu olhar marcante, a sua presença indômita em cena e a sua reconhecida elegância, Mirren experimentou de tudo. Do teatro inglês ao filme “pornográfico” mais caro já produzido. Das produções de época às mais modernas. Do cinema experimental ao blockbuster. O tipo de atriz que gosta de topar desafios. 


Trazendo o DNA russo no seu sangue, Helen Lydia Mironoff nasceu na cidade de Hammersmith, em Londres, no dia 26 de julho de 1945. Neta de Pyotr Mironov, um coronel do Exército Imperial, a atriz não chegou a experimentar os dias de aristocracia. Criada sem qualquer tipo de luxo, a jovem Helen Mirren logo abraçou a veia artística. Já na escola primária, ela estrelou a peça infantil Hansel e Gretel. Aos 18, Mirren fez um teste (e passou) para o National Youth Theatre. Aos 20 anos, ela teve a oportunidade de viver a primeira rainha do seu currículo, a icônica Cleópatra, em Antony e Cleópatra. Segundo a própria, este foi o papel que “lançou” a sua carreira. O convite para o Royal Shakespeare Company veio em seguida. Logo a jovem atriz estava enfileirando peças de sucesso. O teatro se tornou uma constante na sua carreira. Seja no National Theatre, seja no Royal Court Theatre, seja na Broadway, Mirren nunca abandonou os palcos. Em 2015, inclusive, ela ganhou o Tony Awards de Melhor Atriz por The Audience. O que a colocou na seleta lista de atores que conquistaram os grandes prêmios do teatro (o Tony), do cinema (o Oscar) e da televisão (o Emmy).

Como de costume, no entanto, a transição dos palcos para a tela grande não foi fácil. Helen Mirren custou a ter o seu talento reconhecido. Sua estreia no cinema aconteceu em 1967 no obscuro longa Herostratus. Nele, uma obra com DNA experimentalista dirigida por Don Levy, a jovem atriz de 22 anos sensualiza numa espécie de strip-tease travestido de campanha publicitária. Nos anos seguintes vieram títulos como A Idade da Reflexão (1969), O Messias Selvagem (1972), Um Homem de Sorte (1973) e Hamlet (1977). Neste primeiro momento, Mirren se fixou no mercado britânico, muitas vezes com performances consideradas “ousadas” para uma atriz com formação no teatro britânico. Ela nunca pareceu se incomodar tanto com a exposição. A conservadora mídia inglesa, porém, tratou de estigmatiza-la. O que ficou bem claro, em especial, na constrangedora entrevista para o apresentador Michael Parkinson em 1975.

Nela, Helen Mirren se depara com perguntas literais sobre seus atributos físicos, nudez no set, o seu gosto para homens e o rumo da sua carreira. O ‘host’ chega ao cúmulo de sugerir que ela não “fosse uma atriz séria” e a definiu como uma “especialista em projetar um erotismo vulgar”. Nitidamente acuada, mas com firmeza e muito charme (veja o vídeo aqui), Mirren rebateu provocando. “Porque mulheres com seios grandes não podem ser atrizes sérias? (...) Eu espero que a performance, a peça e o relacionamento vivo entre todas as pessoas no palco e todas as pessoas da plateia superem isso. ”, enfatizou. Décadas depois, ao The Telegraph, Helen Mirren confessou que essa foi a sua primeira entrevista em um talk show, mas celebrou a sua reação. "Eu estava apavorada. Eu assisti e realmente pensei, inferno! Eu me saí muito bem. Eu era tão jovem e inexperiente. E ele era um peido velho e sexista. Ele era. Ele nega até hoje que era sexista, mas é claro que ele era”.

Em 1979, Helen Mirren topou encarar o longa mais “desafiador” da sua carreira, o extremo Calígula. Produzido por Bob Guccione, o criador da revista Penthouse, o longa dirigido por Tinto Brass e escrito por Gore Vidal trouxe a pornografia para o mainstream numa obra de US$ 17 milhões. As intenções eram claras. Estrelado por Malcom McDowell, o longa se propôs a narrar a derrocada epopeica do personagem título e a sua trajetória de excessos, violência e luxúria na Grécia antiga. O valor de produção era nítido. O elenco robusto. A hipersexualização, porém, gerou polêmicas. Dentro e fora do set. Incomodado com a visão artística de Brass, Guccione adicionou cenas de sexo explícito por conta própria na pós-produção. O que fez o cineasta rejeitar o produto final. Como esperado, Calígula foi banido em diversos países. Mirren, por sua vez, define o filme como “uma mistura irresistível de arte e órgãos genitais”.

Após esta experiência absurda, a atriz seguiu buscando o seu lugar ao sol na indústria do cinema. Em 1980 coestrelou o elogiado thriller dramático A Noite do Terror. Em 1981 ganhou a atenção do grande público ao protagonizar Excalibur. Em 1984 marcou presença no cult 2010: O Ano em que faremos Contato. Em 1985 voltou às origens russas ao coestrelar o drama musical O Sol da Meia Noite. Em 1986 dividiu a tela com Harrison Ford em A Costa do Mosquito. Em 1990 foi dirigida por Paul Schrader em Uma Estranha Passagem em Veneza. Consagrada enquanto atriz, Helen Mirren custou a encontrar o tipo de filme capaz de catapultar a carreira de qualquer astro. O que só veio a acontecer em 1994. E mais uma vez com o papel de uma rainha. Em As Loucuras do Rei George, ela roubou a cena ao viver a Rainha Charlotte. O tipo de personagem capaz de absorver todo o seu talento. Mirren se tornou um dos muitos trunfos do elogiado longa de Nicolas Hytner. Um trabalho premiado com o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes e a sua primeira indicação ao Oscar.

A estatueta dourada, por sinal, não custaria tanto a vir. Após viver uma ardilosa professora em Tentação Fatal (1999), fazer parte do superelenco no thriller Assassinato em Gosford Park (2001) e estrelar o encantador As Garotas do Calendário (2003), Helen Mirren experimentou a consagração em 2006. E, pasmem, outra vez vivendo uma monarca. Em A Rainha, ela se tornou o chamariz do drama dirigido por Stephen Frears. Na pele de Elizabeth II, Mirren trouxe ao filme o peso e a elegância que o filme precisava para funcionar. O resultado não podia ser outro: o Oscar de Melhor Atriz. Embora nunca tenha deixado a luz do holofote, Mirren, ainda assim, lamenta os problemas de representatividade feminina dentro da indústria. No auge da sua maturidade, ela defende que a mudança tem quer vir da sociedade para o mundo do cinema. “Quando os papéis das mulheres na vida real mudarem, você verá mudanças na indústria cinematográfica. (...) Se acontecermos de ver uma presidente [mulher] dos Estados Unidos, e uma especialista mundial em biologia marinha aparecer na televisão, é uma mulher ou a chefe feminina de uma empresa de petróleo no noticiário”.

Para Helen Mirren, entretanto, o status quo das atrizes “veteranas” é melhor hoje do que foi há algum tempo. “É interessante que Greta Garbo tenha se aposentado aos 42 anos. Jennifer Aniston tem quarenta e poucos anos e quer ser - essa é a outra coisa. Ela não está tentando ter 28 anos. Ela quer os papéis que uma ‘criança’ de 40 anos pode interpretar, porque são muito mais interessantes. Ela quer se mudar para esse mundo, e Greta Garbo sentiu que não podia, ela tinha que se aposentar. Então, absolutamente, mudou e continuará a mudar. Dito isto, sempre amaremos a beleza na tela e a juventude”, sentenciou a atriz em entrevista recente ao The Guardian.

Hoje aos 75 anos, Helen Mirren segue imparável. Com disposição de fazer inveja a qualquer “criança” de 28 anos. Seja num filme de ação pipoca como RED: Armados e Perigosos (2010), seja num robusto drama como o subestimado A Dama Dourada (2015), seja numa fascinante cinebiografia como Hitchcock (2012), ou então num intenso thriller como o instigante A Grande Mentira (2019), a dama da coroa britânica se acostumou a trazer algo só seu as suas produções. Um misto de charme, peso dramático e vigor de fazer inveja a qualquer estrela jovem de Hollywood. Com o perdão do clichê, uma verdadeira majestade da atuação.

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