quarta-feira, 29 de julho de 2020

Fugindo do Hype | O Farol

A sereia do mundo real

Como ficar impassível a um filme como O Farol? Gostar ou desgostar é irrelevante. O diretor Robert Eggers quer a sua atenção. Tudo para propor uma venal alegoria sobre o poder e o efeito sedutor dele sobre dois faroleiros isolados numa ilha. O que falar das poderosas atuações de Robert Pattinson e Willem Dafoe. Independente da leitura que o público faça sobre a obra, os dois mergulham na psique dos seus personagens, na relação passivo\agressiva e na degradação emocional deles diante da cegueira. Um processo desconstrução que assombra pela realidade impressa nele.

O horror nasce da explosão dos atores, das suas reações aos obstáculos que surgem no caminho. O farol, na alegoria pensada por Robert Eggers, é o agente da desigualdade neste imersivo microcosmo. Mais do que trabalhar o mistério em torno deste sentimento de posse, o cineasta é inteligente ao notar a guerra fria entre os dois pelo acesso à "luz". Cabe ao público, porém, dar um significado a ela. O que é até fácil. Não demora muito para notarmos que ambos são escravos do farol. Estar perto do poder não necessariamente é tê-lo. Estar perto do poder não é necessariamente tê-lo. Estar perto do poder tem o seu preço. A ambição catalisa a espiral de loucura.

O Farol, em sua camada mais íntima, propõe um estudo sobre a masculinidade frágil. O isolamento total não impede que o clima de competição entre eles se aflore. O sopro de cumplicidade nasce apenas da embriaguez. Estamos diante de dois homens viciados por uma sensação de poder ilusória. O que nos leva ao aspecto visual. Influenciado pela relação entre luz e sombras típica do Expressionismo Alemão, Eggers, a partir da texturizada fotografia de Jarin Blaschke, projeta a tensão no medo deles, no desespero, na obsessão. O tormento assume uma forma literal nos impressionantes planos do mar revolto, ou nas simbólicas sequências de alucinação. Os elementos naturais e fantásticos contidos na trama surgem para aproximá-los rumo a um mesmo destino. Nem tudo o que reluz é ouro.

Os personagens, aos poucos, são corroídos pela ilha. A deterioração se reflete no cenário. O poder, aos olhos de Robert Eggers, é uma entidade que consome até o mais ínfimo resquício de virtude. O poder é uma sereia. Resistir a este sedutor canto é para poucos... Embora flerte a todo momento com o exagero, O Farol trata a provocação como um instrumento de reflexão. Um estudo irascível sobre a autodestruição do homem moderno cego pela luz do poder. Mais uma obra com o padrão A24 de qualidade.

Nenhum comentário: