quinta-feira, 23 de julho de 2020

Crítica | A Despedida (The Farewell)

A morte do afeto

Baseado numa mentira real, A Despedida é um filme maravilhoso. Um drama familiar espirituoso que encanta ao ressignificar a sua potente reflexão sobre o fim da vida. Lulu Wang encontra numa agridoce volta para casa a chance de discutir o choque entre o moderno e o tradicional. O que a diretora faz é não se apegar ao lugar comum. Inspirado nas suas próprias experiências, o drama sobre uma jovem obrigada a esconder da sua querida avó que ela estava gravemente doente ganha um novo sentido à medida que a morte vira o ponto de partida para uma discussão sobre o futuro. A decisão da família em esconder a verdade aquece a cativante rixa geracional pensada pelo roteiro. Nascida na China, mas erradicada nos EUA, Billi não compreende a decisão dos seus pais e tios. 

Lulu Wang, porém, nunca reduz a questão aos contrastes no estilo de vida dos dois países. Aos olhos da solitária e espirituosa jovem interpretada com sensibilidade por Awkwafina (Oito Mulheres e Um Segredo), a cineasta retorna para uma casa que já não era mais a sua. A revigorante avó Nai Nai representava uma China que ficou nas memórias. Uma China tradicional. Uma China engolida pela globalização. Como se não bastasse a fantástica presença de Shuzhen Zhao, fascinante com uma idosa zelosa e proativa, Lulu Wang fisga ao refletir sobre o nosso estilo de vida a partir da perspectiva dela. O passado, aqui, tem muito a dizer. O passado ainda tem a acrescentar. Apesar do viés levemente irônico, a diretora não só respeita, como exalta os seus ensinamentos. 

É a partir da relação entre avó e neta que A Despedida nota esta passagem de bastão. A tristeza e a melancolia são potencializadas pelo que representa a morte da matriarca. Sem querer revelar muito, a sequência em que Billi se desarma perante a mãe ao lembrar da sua infância é de partir o coração por causa disso. Com a matriarca vão se as raízes, as memórias de uma China tradicional e as lições de alguém que sobreviveu às transformações que tanto machucam os personagens. O fim, aqui, é o começo de uma nova era mais fria, mais solitária, mais vazia. A era dos casamentos frustrantes, como os dos pais de Billi. A era das expectativas nunca concretizadas, como as da própria protagonista. A era da falta de diálogo, como a rixa “ideológica” que claramente distancia os herdeiros da matriarca. 

O reencontro para esta agridoce despedida surge apenas como uma pontual bandeira branca. O que fica bem claro no magnífico clímax. A ausência, em si, é o de menos. A tristeza na volta para casa está no choque de realidade. O passado está cada vez mais distante. O presente é desconfortável. E o futuro, para o bem ou para o mal, é incerto. Essas são as sequelas de uma rotina impositiva, corrosiva e nem sempre recompensadora. Esse é o ônus no estilo de vida das novas gerações. Engraçadíssimo nos seus momentos mais leves, sóbrio nas suas passagens mais dramáticas e singelo nas situações mais comoventes, The Farewell fascina ao usar o melancólico plot para propor uma revigorante reflexão sobre o rumo das nossas vidas.


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