Tom Hanks volta ao mar numa experiência cinematográfica angustiante
Pensado para o Cinema, mas lançado pela Apple Tv+, Greyhound é uma produção corajosa. Poucos estúdios despejariam hoje cerca de US$ 70 milhões num filme sobre uma missão em alto mar durante a Segunda Guerra Mundial. Cada vez mais vemos menos filmes assim na tela grande. Obras que valorizam basicamente a experiência. Que se agarram a ela com ímpeto e virtuosismo técnico. Embora parta de uma premissa ficcional, o longa dirigido por Aaron Schneider é contundente ao capturar o frisson em torno das estratégicas batalhas navais entre Aliados e Nazistas.
Ao longo dos angustiantes 95 minutos de projeção, o cineasta vai além da ação pela ação ao dominar os sentimentos dos personagens. Como se não bastasse os ultrarrealistas embates entre navios e submarinos, o drama de guerra estrelado por um intenso Tom Hanks é categórico ao traduzir o misto de desespero, incerteza, foco e principalmente tensão experimentado na cabine de comando de um destroyer. Ok, o chamariz de Greyhound são as batalhas. Com efeitos visuais expressivos e um olhar atento para a enervante rotina dos marinheiros, Aaron Schneider injeta energia à trama ao dar a mesma importância para o macro e para o micro. O realizador foge do lugar comum ao não reduzir o sentimento de angústia ao ataque em si. Com pulso narrativo, ele passeia com a sua ativa câmera pelos diversos postos de uma cabine de comando a fim de construir um retrato verossímil. Por trás de cada torpedo disparado existiam cálculos, existiam projeções, existiam métricas que poderiam definir o destino da embarcação. Schneider não só valoriza todas essas peças, como constrói a tensão a partir delas. Todos estão no limite.
O que traz um bem-vindo senso de humanidade ao longa. Um predicado que, por sinal, merece ser dividido com Tom Hanks. Na pele do capitão do torpedeiro responsável por liderar um comboio de navios dos Aliado, o ator (e também roteirista aqui) faz do seu Capitão Krause uma figura inesperadamente densa. Por mais que o foco esteja na missão, Aaron Schneider, nas entrelinhas, extrai da figura dele e da reação de todos à sua presença emoções que ajudam a turbinar a trama. O medo e a desconfiança são tão evidentes quanto a determinação da tripulação. É interessante ver a sagacidade de Hanks em capturar\construir as dúvidas de Krause e expor a sua delicada posição. O comedimento torna as perdas mais sentidas. Torna os olhares mais reveladores. O cineasta, por sua vez, é maduro ao buscar nos detalhes as sequelas do confronto. Sem querer revelar muito, o roteiro é inteligente ao, a partir de um personagem aparentemente menor, escancarar a efemeridade da guerra e por consequência a vulnerabilidade dos tripulantes.
Todos estes elementos servem à ação. Os enervantes embates entre embarcações, apesar de tecnicamente impressionantes e engenhosamente filmados, se sustentam na natureza humana da obra. Uma pena que, na transição para o terço final, o longa revele uma clara falta de objetivo. A sobrevivência, mesmo diante do contexto proposto, não soa impactante o bastante para conferir um senso de jornada\conclusão ao longa. Algo que, por exemplo, títulos como Dunkirk e 1917 fizeram com maestria recentemente. O que falta, aqui, é uma leitura autoral sobre o impacto do combate em si. Ainda assim, ao ir além da presença de estrelar de Tom Hanks e do claustrofóbico balé marítimo entre os gigantes de ferro, Greyhound revitaliza uma premissa apenas funcional ao propor uma experiência cinematográfica imersiva, virtuosa e acima de tudo humana.
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