quinta-feira, 4 de junho de 2020

Crítica | Don't Let Go

Deja vu competente

Com uma abordagem intensa para um ‘plot’ reconhecidamente requentado, Don’t Let Go se apropria do conceito de viagem no tempo com autenticidade num thriller policial denso e instigante. Produção do selo independente da Blumhouse, a BH Tilt, o longa dirigido por Jacob Estes contorna a sensação de “já vi isso antes” ao abraçar o fantástico dentro de um contexto urbano e realista. Por mais evidentes que sejam as conveniências narrativas, o realizador faz jus aos melhores títulos do gênero ao transitar entre o passado e o futuro com dinamismo, alimentando o senso de perigo (e por consequência de imprevisibilidade) à medida que escancara o misto de desespero e vulnerabilidade dos protagonistas. Na verdade, ao invés de se concentrar na simples relação entre causa e consequência (o popular efeito borboleta), Estes é astuto ao focar na tênue (e perigosa) linha que separava o destino dos dois personagens, indo além da sobrevivência pela sobrevivência ao usar o Sci-Fi em prol da construção de um suspense tenso e adrenalizado.



No papel, Don’t Let Go traz pouco, bem pouco, de novo. Um respeitado detetive (David Oyelowo, intenso como de costume) entra em desespero ao encontrar seu irmão, sua cunhada e a sua querida sobrinha (Storm Reids, puro carisma) assassinados. Diante do luto e da negação, ele é pego de surpresa ao receber uma ligação dela do passado dias antes do crime. Sem ter em quem confiar, o policial entra numa corrida contra o tempo para tentar encontrar uma forma de evitar o pior, sem sequer desconfiar do perigo que o cerca. A partir deste desgastado plot, o diretor Jacob Estes é intuitivo ao utilizar o vai e vem temporal bem típico dos filmes de viagem no tempo. Fiel às convenções do segmento, o cineasta é habilidoso ao construir a complexa interação entre tio e sobrinha, renegando qualquer tipo de exagero ao nunca reduzir tudo a uma simples ligação telefônica. Ao contrário de títulos como Efeito Borboleta e A Morte te Dá Parabéns, a tentativa e erro está fora de cogitação aqui. Ao não se aprofundar nos mistérios em torno do evento que origina a segunda chance de Jack, o diretor deixa claro que a linha que unia o passado e o futuro era frágil e finita. Um passo em falso e o destino de ambos se tornaria definitivo. 


O grande trunfo de Don’t let Go, na verdade, reside no senso de realismo do longa. O elemento fantástico da viagem do tempo surge como uma alternativa e não como um escape. Impulsionado pelas sólidas performances de David Oyelowo e Storm Reids, Jacob Estes é inteligente ao usar o Sci-Fi apenas como o agente catalisador da trama. É a partir da investigação policial que o destino dos dois pode ser realmente alterado. Mesmo de mãos atadas no presente, Jack precisa montar um instigante quebra-cabeça. E precisa da sua sobrinha Ashley para encontrar algumas peças perdidas nesta tragédia. Ao ir além do resgate em si, algo que poderia ter sido resolvido com uma simples ligação, Estes não só entende, como desenvolve a complexidade em torno do assassinato. Existem nuances a serem estudadas. Uma descoberta do futuro pode representar uma mudança no passado. E vice-versa. É nesta tênue conexão temporal que reside o melhor de Don’t let Go. Até pela curta lacuna entre as duas linhas temporais, a relação de causa e efeito é explorada com comedimento. Como disse acima, o "poder" envolvendo esta segunda chance é bastante limitado. O que atenua até mesmo as evidentes conveniências narrativas, a maioria deles envolvendo o inerte Jack do presente. Na ânsia de tornar tudo o mais dinâmico possível, o roteiro peca ao subaproveitar este terceiro elemento, uma figura que poderia tornar a trama ainda mais complexa. Em compensação, a relação entre tio e sobrinha é trabalhada com profundidade ao longo da película, o que só torna a investigação da dupla mais enervante.


Com um último ato elétrico e um clímax angustiante, Don’t Let Go é um deja vú competente. Mesmo com um ‘plot’ desgastado em mãos, Jacob Esteves é perspicaz ao manter um pé na ficção e o outro na realidade, se esquivando de algumas pegadinhas do gênero ao nunca reduzir tudo a uma mera ligação. No fim, é no presente que as coisas precisam ser resolvidas. E mudar o presente é sempre mais difícil. 

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