segunda-feira, 29 de junho de 2020

Crítica | Festival Eurovision da Canção: A Saga de Sigrit e Lars

Os elfos foram longe demais

Festival Eurovision da Canção: A Saga de Sigrit e Lars é uma bobagem inacreditável. E talvez por isso seja tão divertido nos seus melhores momentos. Embora previsível, clichê e particularmente tolo, o longa dirigido por David Dobkin (O Juiz) arranca honestas risadas ao debochar da pasteurização da música pop atual. Sem um pingo de vergonha alheia, os talentosos Will Ferrell e Rachel McAdams abraçam a galhofa com gosto numa obra capaz de extrair a ironia da breguice.  

Enquanto sátira, na verdade, Festival Eurovision da Canção funciona bem. O roteiro assinado pelo próprio Ferrel, ao lado de Andrew Steele, é sagaz ao levar a trama para a Europa, mais precisamente para uma pequena cidade da Islândia, e a partir daí zoar a “americanização” do pop mundial. Quem já viu o Eurovision sabe do que estou falando. Uma competição um tanto esquizofrênica que trata a espetacularização como o grande objetivo. O deslocamento dos protagonistas, o desastrado casal de músicos Lars (Ferrell) e Sigrit (McAdams), parte disso. Eles se recusam a abandonar as tradições islandesas em músicas sobre vulcões e elfos. Por mais que o longa peque ao ridicularizar a dupla, os fins justificam os meios quando percebemos que a cultura do país não é a piada. Dobkin é sagaz ao questionar a integridade dos artistas. 

Eu chorei de rir, por exemplo, com a apresentação do Viking do Século XXI. Um homem trajado como tal cantando com falsetes no melhor estilo Sam Smith. Um senso de humor mordaz que cresce à medida que Lars e Sigrit entram no popular concurso. O que falar do russo sedutor vivido por um impagável Dan Stevens. É nele, a meu ver, que reside o melhor da sátira proposta em Festival Eurovision de Canção. Mais do que o típico antagonista das comédias musicais, o Rick Martin do leste europeu aquece a trama ao surgir como o contraponto perfeito à integridade dos protagonistas. Ele é o artista talentoso que esconde na sua masculinidade exótica a sua própria essência. Ainda que os demais competidores não sejam tão expressivos quanto Lars, Sigrit e Alexander, David Dobkin é irreverente ao notar a constrangedora pasteurização e a diluição da identidade dos artistas durante o evento. 

É momento em que decide investigar a verdade dos seus protagonistas, porém, Festival Eurovision da Canção derrapa no esquematismo. É fato que Will Ferrell e Rachel McAdams elevam o nível do material. A química entre os dois é ótima. O afiado tempo de comédia evidente. Ambos abraçam a inocência dos seus personagens com naturalidade. O problema é que o roteiro enfraquece a sua própria sátira ao nunca levar minimamente a sério os dilemas de Lars e Sigrit. Os conflitos envolvendo a integridade musical dos dois artistas (e as relações deles com o festival) são diminuídos diante dos clichês românticos, de um estapafúrdio subplot conspiratório e da previsibilidade da inchada película. Dobkin troca o ingênuo pelo pueril. Troca a excentricidade pela cafonice. Limita a própria sátira ao tornar tudo repentinamente doce demais. Como se o filme, ao contrário dos seus próprios personagens, renegasse a sua essência em prol do comercial. O 'sing along' na mansão de Alexander, embora bem intencionado, sintetiza esta ruptura. 

Algo que enfraquece a crítica, mas não prejudica tanto o entretenimento. Com o DNA absurdo que costuma acompanhar as produções de Will Ferrell, Festival Eurovision de Canção é um passatempo divertido com lampejos de inspiração que se sustenta na sua extravagante despretensão. Pelo talento de todos os envolvidos no projeto, entretanto, a sensação de potencial inexplorado é inevitável.

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