O preço de um sonho
Sustentado pela precisa montagem
não linear, Alan Yang é habilidoso ao transformar o luto e o vazio no agente
catalisador da trama. A frieza apática do presente de Grover diz tanto quanto o
aconchego avermelhado do seu passado. Ali, na solidão do seu apartamento, o
protagonista finalmente é obrigado a refletir sobre os seus passos. Sobre
aquilo que teve de abrir mão para concretizar o seu sonho material. Carinho,
amores, liberdade, juventude... Se para o jovem Grover o futuro era uma página
empolgante a ser escrita, para o velho Grover restava a frustração das
expectativas nunca concretizadas. Algo que, por sinal, se traduz com
expressividade na eclética fotografia de Nigel Bluck, impecável ao usar as
cores (e a ausência dela) para reforçar o sentimento de melancolia. Embora
centrado no silencioso idoso, Yang é inteligente ao traduzir os altos e baixos
do protagonista a partir da sua relação com o feminino. O retrato deste homem
comum e sonhador é construído gradativamente a partir destes pequenos lampejos
da sua vida. As memórias afetivas, aqui, surgem como peças de um quebra cabeça
humano e intimista. Da relação do pequeno Grover com a sua preocupada avó, por
exemplo, conhecemos a sua natureza escapista e sonhadora. Do sólido elo entre
ele e a sua independente figura materna descobrimos a raiz da sua obstinação.
Do fascínio exposto pelo amor da sua vida enxergamos o homem vibrante e
apaixonado. Da pragmática aproximação com a sua futura esposa vislumbramos o
quanto ele estava disposto a abrir mão para conquistar aquilo que gostaria que
fosse seu. Através deste vai e vem temporal, Yang constrói um sólido estudo de
personagem, principalmente pela sutileza com que investiga o processo de
corrosão afetiva de Grover. O preço que ele teve que pagar para concretizar os
seus sonhos.
É na relação entre o protagonista
e a sua filha, a igualmente independente Angela, entretanto, que reside o
melhor de Tigertail. A falta de diálogo entre pai e filha é o que melhor
escancara as sequelas de uma vida de frustrações. Impulsionado pelas sóbrias
atuações de Tzi Ma e Christine Ko, Alan Yang estreita o elo entre o passado e o
futuro ao expor as consequências de tamanha frieza e apatia. A música que antes
inspirava passou a machucar. As tentativas de criar algo saudável se tornaram
cada vez mais escassas. O instrumento musical esquecido no canto da sala traduz
com maestria o estado de espírito do protagonista. A amargura de Grover
refletiu no seu matrimônio, na sua vida pessoal e por consequência na criação
dos seus filhos. A falta de intimidade entre eles causa desconforto no público.
O silêncio machuca. O realizador consegue em passagens quase sempre austeras
realçar tanto aquilo que os afastava, quanto aquilo que os unia. Nas
entrelinhas, Yang é sagaz ao questionar a supervalorização da felicidade
material em torno do opressivo sonho americano. Existia uma lacuna a ser
preenchida. Um espaço que nem a mais bela das casas ou a mais confortável das
rotinas é capaz de preencher. Por mais que o argumento se apresse ao investigar
os conflitos pessoais de Angela, o diretor compensa ao traçar um complexo
paralelo entre os dois e ao fazer desta tentativa de reaproximação entre pai e
filha a força motora do longa. O que fica bem claro na poética sequência final.
Intimista e profundo, Tigertail é
um drama familiar maduro sobre as nossas escolhas e as consequências delas. Mais um reflexivo filme asiático sobre os perigos em torno da devoção a felicidade material. Embora vez ou outra simplifique as motivações do protagonista, principalmente
na sua impulsiva fase jovem, Alan Yang ressalta a universalidade do seu texto
ao dialogar com dilemas reconhecíveis na jornada afetiva de qualquer imigrante.
Uma janela para o presente sob a agora frustrada perspectiva do passado.
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