segunda-feira, 18 de maio de 2020

Artigo | Referência na comédia americana, Tina Fey completa 50 anos com disposição para seguir quebrando paradigmas

A comédia sempre foi um ambiente desafiador para as mulheres. A falta de oportunidades, a estereotipização e a desigualdade foi durante algum tempo um problema sentido. O protagonismo feminino dentro do segmento sempre foi conseguido por elas na base da marra. Lucille Ball, por exemplo, para se livrar das amarras dos produtores\estúdios, criou a sua própria companhia e revolucionou a forma de se pensar a comédia na televisão. No Brasil, Dercy Gonçalves conviveu com o preconceito e a desvalorização. E foi assim como Betty White, com Whoopi Goldberg, com Carol Burnett, com Gilda Radner. Com todas aquelas que ousaram brigar por protagonismo. Uma comediante, porém, tem ajudado a mudar este cenário. Uma comediante resolveu escrever a sua própria história. Literalmente. O nome dela é Tina Fey. Mais do que uma referência absoluta no gênero, a atriz e roteirista quebrou paradigmas ao longo da sua trajetória. No Cinema e na TV, ela se posicionou na vanguarda simplesmente por disputar o seu espaço, por criar, por liderar, por inspirar. No dia em que Tina Fey completa 50 anos, nada mais justo do que reverenciar esta realizadora. Uma peça fundamental no processo de empoderamento feminino dentro da comédia americana. 


Elizabeth Stamantina Fey nasceu em Upper Darby, na Pensilvânia, no dia 18 de Maio de 1970. Incentivada por seus pais, desde cedo ela cresceu assistindo ao melhor do gênero. De O Jovem Frankenstein à Monty Phyton. De Saturday Night Live aos Irmãos Marx. The Mary Taylor Moore Show estava entre os seus favoritos. Catherine O’Hara era a sua referência. A comédia veio de berço. Ainda no Ensino Médio, Tina Fey começou a escrever comédia. Coeditora do jornal da sua escola, a então adolescente, anonimamente, escreveu uma coluna satírica intitulada The Acorn. O que lhe rendeu problemas com a direção. O seu viés debochado logo apontou para os “poderosos”. A comédia, segundo ela, era um escape, uma defesa e ao mesmo tempo um flerte com a anarquia. “A única maneira de me sentir confortável com as pessoas era fazê-las rir. Eu era uma garota obediente e o humor era minha única forma de rebelião. Eu usei a comédia para desviar. Tipo, 'Ei, confira minha espinha!' - Você sabe, tirando sarro de si mesmo antes que alguém tivesse a chance”, escreveu a atriz na sua autobiografia Bossypants. Não foi surpresa para ninguém quando, em 1988, ela se matriculou no curso de Artes na Universidade de Virginia. Após a conclusão, em 1992, Tina Fey começou a participar das aulas do grupo de improviso The Second City. O que não era para qualquer um. Entre as “crias” desta instituição da comédia estavam Alan Arkin, Peter Boyle, Harold Ramis, John Beluschi, John Candy, Bill Murray, Dan Aykroyd, Chris Farley, Steve Carrel e tantos outros. Fey estava no lugar certo.

Assim como a maioria, porém, o seu começo foi tímido. A primeira aparição de Tina Fey na TV aconteceu em 1995, num comercial de TV do banco Mutual Savings (foto acima). O que, anos mais tarde, viraria motivo de piada. Ela, porém, queria fazer rir. Tanto quis que, após nunca chamar a atenção do casting do SNL enquanto atriz, ela decidiu mostrar o seu talento como redatora. Após várias tentativas, Fey foi contratada em 1997. O primeiro esquete assinado por ela, por sinal, foi ao ar pouco tempo depois, estrelado pelo saudoso Chris Farley. Só em 1998, Tina Fey começou a participar de alguns quadros do SNL. Sempre com pouco destaque. E ela não gostou do que viu. Refletindo as pressões do showbiz, Fey se achou acima do peso. Nos meses seguintes, a atriz perdeu cerca de 30 kg. Uma iniciativa própria que, segundo ela, aumentou o “interesse” em escalá-la para mais números. Algo previsível não só no showbiz, mas principalmente no meio da comédia. O tipo de “limitação” sexista que nunca tirou o sono da realizadora. Numa ascensão tão natural quanto o seu talento, Fey fez história ao se tornar, em 1999, a primeira mulher chefe da equipe de roteiristas do SNL, substituindo o consagrado Adam McKay (A Grande Aposta). Para isso, ela precisou superar o desconforto em integrar um ambiente majoritariamente masculino e a resistência ao seu trabalho. Em entrevista ao David Letterman, Fey confidenciou que “as coisas começaram a melhorar quando a química daquela sala se tornou mais diversificada”, diz se referindo a chegada de novas roteiristas. “Às vezes elas riam de coisas que os homens estavam intencionalmente não rindo, mas isso não lhes agradava", concluiu.

Na virada do século, Tina Fey assumiu a bancada do SNL no quadro Weekend Update, dividindo a tela inicialmente com Jimmy Fallon. O que ela fez com maestria entre 2000 e 2006. Foi neste período, por sinal, que ela iniciou profissionalmente a parceria com a talentosa Amy Poehler, uma relação de amizade e muito trabalho que se tornaria fundamental no seu futuro. Após 117 episódios, Fey deixou o elenco fixo do Saturday Night Live. Em eleição da revista Rolling Stones, ela ficou na 3ª posição na lista dos colaboradores mais importantes do SNL, só perdendo para John Belushi e Eddie Murphy. Havia chegado a hora de ela voar com as suas próprias asas. Assumir o controle criativo das suas produções. Com seu texto afiado, Tina Fey liderou um movimento de empoderamento feminino dentro da comédia ao lado de nomes como Julia Louis-Dreyfus (Seinfeld) e Melissa McCarthy (Gilmore Girls). O sucesso delas começou a se tornar menos individual e mais coletivo. Em entrevista recente, Fey admitiu que esta é uma preocupação sua e das suas principais colaboradoras. "Somos realmente uma geração que está lá para trabalhar juntas e não sermos levados a pensar que precisamos dar um soco no outro para chegar a algum lugar”.

Algo que se refletiu nos seus trabalhos, em especial no seu primeiro grande hit na tela grande. Antes mesmo de deixar o SNL, Tina Fey triunfou no cinema ao assinar a popular comédia teen Meninas Malvadas (2004). Mais do que os expressivos US$ 86 milhões obtidos nas bilheterias americanas, o longa conseguiu romper com velhos clichês, reaqueceu um subgênero e causou um impacto cultural imensurável. O clima de toxicidade entre as jovens mulheres foi posto em cheque numa obra irônica e reflexiva. Uma fonte inesgotável de memes que permanecem até hoje. A essa altura, Fey já era uma referência na comédia americana. E, nesta posição vantajosa, ela trouxe consigo para os holofotes (direta e indiretamente) nomes como os de Amy Poheler, Kristen Wiig, Maya Rudolph, Kate McKinnon, Ellie Kemper, Mindy Kaling e tantas outras. Fey não queria chegar ao topo sozinha. Fey sabia que a luta por igualdade dentro do segmento era um obstáculo longe de ser superado. Durante a rotina de divulgação do filme Irmãs (2015), inclusive, a atriz foi enfática ao rebater o clima de otimismo quanto a posição das mulheres na comédia americana. “Todos os entrevistadores perguntaram: 'Não é um momento incrível para as mulheres na comédia?' As pessoas realmente queriam que fôssemos gratos abertamente - 'Muito obrigado!' - e pensávamos: 'Não, é um momento terrível'. Se você realmente olhar para isso, os meninos ainda estão recebendo mais dinheiro por muito lixo, enquanto as mulheres estão se apressando e fazendo um trabalho incrível por menos”. Tina Fey, por sinal, foi em 2011 a atriz mais bem paga da TV segundo a Revista Forbes.

Com filmes como Uma Mãe para o Meu Bebê (2008), Uma Noite Fora de Série (2010), Megamente (2010), Irmãs (2015) e Uma Repórter Fora de Série (2016), Tina Fey se consolidou com uma estrela da comédia no cinema. Foi na TV, porém, que a atriz emplacou seus maiores hits. Logo após se afastar do SNL, ela fez de 30 Rock um sucesso estrondoso. Criadora e estrela do show da NBC, Fey satirizou os bastidores de um programa de TV num programa longevo e super premiado. Com a produção, ela ganhou o Globo de Ouro e o Emmy de Melhor Atriz em Comédia no ano de 2006. Seja na TV, seja no Cinema, seja como uma versão impagável da política Sarah Palin (foto abaixo), Tina Fey se tornou sinônimo de sucesso. Com uma trajetória única, ela, em 2011, lançou uma autobiografia irônica chamada Bossypants. O livro, para variar, foi muito bem recebido pela crítica especializada e permaneceu entre os mais vendidos por algumas semanas em listas como as do New York Times. Não à toa, Tina Fey foi classificada como um “gênio da comédia” pelo ex-chefão da NBC (e atual presidente da WarnerMedia) Robert Greenblatt.

E tem como não rir disso... 

Nenhum comentário: