Não sou grande fã do gênero
‘whodunit’. Acho um tipo de segmento que geralmente depende demais de uma única
descoberta, do mistério em torno dela e da manipulação. É o suspense que joga
fácil. Na minha opinião, inclusive, os melhores títulos do gênero são aqueles
que se aproximam do humor. Como não citar, por exemplo, o fantástico O Terceiro
Tiro (1955). Talvez um dos mais subestimados títulos do mestre Alfred Hitchock.
Um show de ironia, quebra de expectativas e um genial uso da comédia de erros.
Embora abrace a comicidade com menor “franqueza”, Entre Facas e Segredos merece
um lugar natural entre os melhores títulos do gênero. Mais do que simplesmente
subverter os clichês do gênero, o criativo longa dirigido por Rian Johnson se
esforça para não se sustentar somente no enigma em torno de um assassinato.
Além de apostar numa linha
narrativa que não confia demais nos seus personagens, a maioria “descortinados”
logo no primeiro ato, o realizador brinca com as nossas expectativas ao
preencher a trama com uma série de afiados comentários sociais. Guardada as
devidas proporções, tem muito de Parasita em Entre Facas e Segredos. Ao fazer
da auxiliar médica, a dedicada Marta (Ana de Armas), a sua protagonista, o
realizador não testa as nossas expectativas com o clichê do empregado
assassino, como também reinterpreta os fatos sob a óptica da única pessoa capaz
de entender intimidade daquela família rica, contraditória e assustadoramente
reconhecível. O melhor do longa reside na tortuosa relação entre empregada e os
filhos dos patrões, na sua angústia em entender os fatos, na sua insegurança em
expor a verdade.
O pseudo duelo de classes,
entretanto, é apenas um agente catalisador da trama. Quando se concentra na investigação
da morte em si, Entre Facas e Segredos perde parte da sua autenticidade. O
segundo ato, em especial, se prolonga além do necessário. Para a crítica
assumir uma veia mais poderosa, Marta mereceria um estudo de personagem mais
profundo. Falta um pouco de malícia ao texto de Rian Jonhnson na construção da
protagonista. Falta desconfiar mais dela. Além disso, embora esteja longe de
ser previsível, o argumento segue um rumo por vezes antecipável. O que, aqui,
me parece muito mais uma limitação do segmento em si do que do que do roteiro.
Um problema, primeiro, atenuado
pelo olhar cínico para com o restante da família. A partir da troca de farpas
entre filhos, netos, genros e irmãos do milionário assassinado, o milionário
Harlan Thrombley (Christopher Plummer), usa este microcosmo com apetite para
escancarar a face mais hipócrita e insensível da sociedade norte-americana. Um
deleite potencializado pelas maiúsculas performances de todo o elenco. Mesmo
com um menor tempo de tela, nomes como os de Jamie Lee Curtis, Michael Shannon,
Chris Evans, Don Johnson, Daniel Craig e Toni Collette absorvem a ferocidade
enrustida do texto de Johnson com um misto de charme e afetação digno de nota. Somado
a isso, Rian Johnson investe em duas soluções narrativas muito inteligentes. A
“crise” de náusea de Marta e o detetive fã de livros de crime (Noah Segan) são
dois dos muitos toques especiais do cineasta e ajudam a reforçar o viés
subversivo do longa.
Com uma direção de arte
maravilhosa e uma cena final digna de aplausos, Entre Facas e Segredos enxerga
além do mistério ao usar os desdobramentos de um assassinato como o estopim
para uma inteligente crítica social. Quando a bomba explode, o resultado é
divertido, envolvente, instigante e acima de tudo reconhecível.
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