quinta-feira, 12 de março de 2020

Crítica | Predadores Assassinos

Juntando os pedaços

Vocês não sabem como eu respeito títulos como Predadores Assassinos. Eu cresci assistindo isso. Filmes que ao longo de 80\90 minutos se esforçam para angustiar o espectador. Não é fácil tirar este tipo de obra do papel. É preciso ter pulso narrativo. Ideias originais. Personagens cativantes. Senso de imersão. Soluções narrativas\visuais criativas. Um pacote de predicados que, indiscutivelmente, estão presentes na mais nova produção de Sam Raimi (Evil Dead). Sob a batuta do competente diretor Alexander Aja, o longa estrelado pela versátil Kaya Scodelario causa um frisson natural ao narrar a jornada de sobrevivência de pai e filha contra uma horda de famintos crocodilos. E isso em meio de uma impiedosa tempestade. Ou você achou que seria fácil? 


No papel, filmes como Predadores Assassinos tendem a parecer simples. Um fiapo de trama já é o bastante para nos colocar na posição dos identificáveis personagens. Consciente disso, o esperto argumento assinado por Michael e Shawn Rasmussen é sucinto ao não perder tempo demais quanto a construção da trama. Um furacão muda de direção e coloca em ameaça uma região específica. Uma nadadora obstinada (Scodelario) é avisada pela irmã que o pai das duas (Barry Pepper) estava incomunicável. Preocupada, a jovem decide contrariar as interdições em busca do paradeiro dele. Ao chegar em casa, ela é pega de surpresa ao descobrir o motivo do seu desaparecimento. Uma construção de ‘plot’ rápida e rasteira, como um dos inúmeros letais crocodilos que não demoram muito para tomar conta da história. Por mais que, a partir do segundo ato, o argumento até tente preencher as brechas narrativas com um genérico drama familiar, Alexandre Aja sabe o que o público quer ver. Ele sabe que a jornada pela sobrevivência é a alma do negócio aqui. E é justamente isso o que Predadores Assassinos tem de melhor a oferecer.


Até porque a simplicidade para no roteiro. Antes mesmo da ação falar mais alto, o cineasta francês mostra originalidade ao se apropriar de elementos clássicos dos filmes de Horror na construção do imersivo primeiro ato. A simples busca da protagonista, a resiliente Haley, já é suficientemente instigante. Digo mais, em menos de vinte minutos Aja realça o valor de produção do longa. O cenário central, a degradada casa em que pai e filha cresceram, se revela quase que instantaneamente um daqueles ‘set pieces’ engenhosos. Um ambiente sujo, vazio e naturalmente sinistro. A ameaça é da natureza, mas poderia facilmente ser uma assombração. Um predicado valorizado pela direção “invasiva” de Aja. Ele nos coloca realmente dentro de cenário. Seus sorrateiros planos\enquadramentos não só nos coloca na perspectiva dos protagonistas, mas nos faz sentir o misto de asco\dor\desespero deles. O que só fica mais claro quando o caos toma conta da trama. Sem nunca se repetir, o realizador transforma limitação em clausura. Cada espaço daquela casa é explorado. Como se não bastasse a ferocidade dos crocodilos e o efeito devastador da tempestade, pai e filha a todo momento precisam encontrar novas saídas, precisam tornar o impossível provável. O que poderia ser um problema, porém, se torna uma virtude graças a criatividade de Aja em explorar os clichês do subgênero.


Não se engane, Predadores Assassinos segue uma cartilha bem reconhecível ao usar e abusar das conveniências narrativas. É a fratura exposta que miraculosamente é esquecida. É o corte que para de sangrar. É a mordida que destroça aqui, mas apenas arranha acolá. Temos até a porta de box mais resistente da história do cinema. Tudo isso, no entanto, se torna menor graças a inventiva direção de Alexandre Aja e a tensão provocada por cada um destes momentos. Na sequência do banheiro, por exemplo, o cineasta filma tudo do alto, de cima para baixo, tornando os gestos de fugas da protagonista absolutamente imagéticos. Num todo, aliás, Aja é astuto ao explorar a habilidade da nadadora Kayla em várias fases da película. Com direito a pelo menos dois belos takes subaquáticos e a uma empolgante “corrida” contra dois destes monstros subaquáticos. Nos momentos em que decide traduzir a brutalidade dos animais, porém, o diretor faz jus ao seu passado ao “abraçar” o gore sem medo de ser feliz. Eles são violentos, são letais, são insaciáveis. No tabuleiro de Aja, os peões surgem para realçar o tamanho do obstáculo que pai e filha precisarão enfrentar. O que só torna tudo mais angustiante. Por outro lado, diante de tantos predicados, o grande problema de Predadores Assassinos está no CGI das criaturas. Enquanto os efeitos práticos são impressionantes, as sequências de enchente, por sinal, são genuinamente sufocantes, o visual dos crocodilos por vezes deixa a desejar. Nas sequências em que usa a câmera submersa, o acabamento dos “antagonistas” é bem digno. Já nas passagens mais caóticas, por sua vez, as criaturas perdem peso. A falta de dinheiro é óbvia. Aja, nitidamente, faz o possível para escondê-los sempre possível. Ao menos o virtuoso uso da câmera subjetiva e o expressivo design de som atenua estes deslizes.


Valorizando ao máximo a performance física de Kaya Scodelario, que, mais uma vez, mostra que merece receber papéis maiores em Hollywood, Predadores Assassinos é um filme de sobrevivência à moda antiga. Sem piadinhas fora de hora, sem grandes momentos de alívio. Os crocodilos são perigosos fora d’água e praticamente implacáveis dentro dela. Resta aos personagens correr, lutar e juntar os pedaços. As vezes literalmente.


Nenhum comentário: