Venceu a coragem. Venceu a ousadia narrativa. Venceu a luta por diversidade. Venceu o cinema que divide, que questiona, que nos obriga a reagir. Contrariando as expectativas, Parasita fez história ao se tornar o primeiro longa falado em língua não inglesa a levar o Oscar de Melhor Filme. Ao longo de 92 anos de premiação, apenas dez filmes "estrangeiros" haviam sido indicados ao prêmio máximo do evento. O ácido thriller social comandado por Bong Joon-Ho roubou a cena ao fechar a noite com quatro estatuetas, entre elas as de Melhor Direção, Melhor Roteiro Original e Melhor Filme Internacional. Um triunfo que já vinha sendo ensaiado há algum tempo. Na edição passada, por exemplo, o mexicano Roma, de Alfonso Cuarón, chegou como um dos favoritos, mas foi destronado na reta final pelo questionável Green Book. Até por isso e pela ascensão repentina do drama de guerra 1917, Parasita era tratado como um azarão. Um filme polêmico demais para o tradicionalista paladar da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Um grupo que recentemente preferiu Spotlight em detrimento de Mad Max: Estrada da Fúria e O Regresso. As mudanças no corpo votante, porém, aos poucos começam a fazer efeito. O Oscar segue branco e masculino demais. Mas desta vez o clima de novidade não ficou na promessa. Mais do que um reconhecimento a um grande filme, a vitória de Parasita surge como um concreto sopro de esperança. Após anos de expectativas frustradas, de filmes medianos\burocráticos consagrados, o Oscar finalmente reconhece o moderno. Finalmente encara a mudança como uma realidade. Nada de "prêmios de consolação". Nada de "infladas no ego". Um filme sul-coreano, dirigido por um sul-coreano, produzido por sul-coreanos e estrelado por sul-coreanos é o vencedor do Oscar de Melhor Filme. Algo que até bem pouco tempo atrás era praticamente impensável.
Um prognóstico que, verdade seja dita, já tem se refletido na categoria Melhor Direção. Talvez a primeira a entender o efeito positivo da globalização cinematográfica. Nos últimos dez anos, em oito a estatueta dourada foi dada para diretores estrangeiros. Sendo que, nos últimos sete, em seis os vencedores foram ou mexicanos (Guillermo del Toro, Alfonso Cuarón e Alejandro Iñarritu), ou agora sul-coreanos. Os "intrusos" nesta lista são Kathryn Bigelow, em 2010, por Guerra ao Terror, e Damien Chazelle, em 2017, por La La Land. Um espírito internacional que demorou a contagiar a Academia. Nem só de surpresas, no entanto, viveu o Oscar 2020. O que não é necessariamente é um problema. As vezes a previsibilidade pode ser positiva, principalmente quando os filmes\realizadores certos são reconhecidos. O que Joaquin Phoenix fez em Coringa foi transcendental. E o seu triunfo no prêmio de Melhor Ator foi um dos momentos mais catárticos da noite. Responsável por um dos melhores discursos do evento, o astro de Joker falou em redenção, condenou a nossa péssima relação com o meio ambiente e clamou por compaixão. “Se brigamos contra disparidades entre gêneros, racismo, por direitos de pessoas LGBT, ou por direitos dos animais, estamos brigando contra a injustiça. (...) Ninguém tem o direito de usar sua força para esmagar os outros. (...) Fui egoísta, bobo, difícil de trabalhar, ingrato, mas muitos de vocês nesta sala me deram uma segunda chance. Acho que estamos na nossa melhor forma quando nos apoiamos, não quando deixamos os outros de lado por erros do passado, mas sim quando ajudamos os outros a crescer, quando apoiamos uns aos outros, guiamos os outros rumo à redenção, esse é o caminho para a humanidade", concluiu arrancando aplausos. Com discursos bem menos "memoráveis", enquanto Renée Zellweger levou o Oscar de Melhor Atriz por Judy, Laura Dern e Brad Pitt fizeram jus as expectativas ao faturarem - respectivamente - os prêmios de Melhor Atriz e Ator Coadjuvante.
O vento da mudança, por outro lado, ainda não foi tão sentido pelas realizadoras. Segundo os dados do perfil Mulheres no Cinema, em 2020 apenas treze mulheres levaram o Oscar para casa. No ano passado, à critério de comparação, foram quinze vencedoras. Num claro 'mea culpa', a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas tentou compensar. Nunca tantas atrizes subiram ao palco para apresentar prêmios. Tivemos uma explosão de 'girl power' com Gal Gadot, Sigourney Weaver e Brie Larson juntas. Tivemos as parceiras Amy Poehler e Maya Rudolf arrancando risadas num 'stand-up' travestido de anúncio de prêmio. Tivemos a icônica Jane Fonda anunciando o Oscar de Melhor Filme. Tivemos Janelle Monae abrindo a cerimônia. Mas o momento que realmente foi quando Hildur Guðnadóttir se tornou a primeira mulher a levar o Oscar de Melhor Trilha Sonora por Coringa. Obviamente emocionada, a compositora mostrou delicadeza ao defender a importância da voz feminina dentro da indústria. "Às meninas, às mulheres, às mães, às filhas que escutam música dentro delas, por favor, falem alto. Precisamos ouvir a voz de vocês". Esse é o clamor. Elas não querem subir no palco para fazer graça, para consagrar alguém, para entreter. Elas querem reconhecimento. E esse é o próximo passo no caminho da mudança.
No que diz respeito ao Oscar 2020, o grande esnobado da noite foi o então aclamado O Irlandês. Dos nove indicados ao prêmio máximo da noite, apenas o longa dirigido por Martin Scorsese e estrelado por Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci saiu de mãos abanando. Ford Vs Ferrari ganhou os Oscars de Montagem e Edição de Som. Jojo Rabbit o de Melhor Roteiro Adaptado. Era Uma Vez em Hollywood os de Melhor Ator Coadjuvante e Direção de Arte. História de um Casamento o de Melhor Atriz Coadjuvante. 1917 os de Melhor Fotografia, Efeitos Visuais e Design de Som. O que liga o sinal de alerta para a Netflix. O trabalho de marketing da companhia não funcionou. Talvez por resistência da Academia, talvez por deméritos próprios. Como explicar, por exemplo, a derrota na categoria Melhor Animação. Triunfantes no Annie Awards, o Oscar do segmento, as cotadas produções originais Klaus e Perdi Meu Corpo foram "derrubadas" por um deslocado Toy Story 4. Uma óbvia manifestação de força da Disney dentro da Academia. Por outro lado, no prêmio de Melhor Documentário, a Netflix viu o seu Indústria Americana vencer a qualificada concorrência, incluindo o brasileiro Democracia em Vertigem. Por outro lado, ao contrário da companhia, Martin Scorsese não ficou em segundo plano. E tem como? No seu emocionado discurso de vitória, o diretor Bong Joon-Ho citou uma frase deste mestre do cinema, reverenciando ele e Quentin Tarantino como verdadeiros ídolos. "Quando eu era jovem e estudava cinema, havia um ditado que eu entalhava profundamente em meu coração: "O mais pessoal é o mais criativo". E essa lição veio do nosso grande Martin Scorsese.", lembrou Joon-Ho. Uma homenagem que traduz como poucos o espírito do Oscar 2020. O cinema sempre atravessou fronteiras. Só agora, porém, a Academia verdadeiramente reconheceu a importância disso. Confira abaixo a lista completa de indicados.
Melhor Filme
1917
Adoráveis Mulheres
Coringa
Era Uma Vez em Hollywood
Ford v Ferrari
História de Um Casamento
O Irlandês
Jojo Rabbit
Parasita
Melhor Diretor
Bong Joon Ho (Parasita)
Martin Scorsese (O Irlandês)
Quentin Tarantino (Era Uma Vez em Hollywood)
Sam Mendes (1917)
Todd Phillips (Coringa)
Melhor Atriz
Charlize Theron (O Escândalo)
Renée Zelwegger (Judy)
Saoirse Ronan (Adoráveis Mulheres)
Scarlett Johansson (História de Um Casamento)
Cynthia Erivo (Harriet)
Melhor Ator
Adam Driver (História de Um Casamento)
Antonio Banderas (Dor e Glória)
Joaquin Phoenix (Coringa)
Leonardo DiCaprio (Era Uma Vez em Hollywood)
Jonathan Pryce (Dois Papas)
Melhor Atriz Coadjuvante
Laura Dern (História de um Casamento)
Scarlett Johansson (Jojo Rabbit)
Margot Robbie (O Escândalo)
Florence Pugh (Adoráveis Mulheres)
Kathy Bates (Richard Jewell)
Melhor Ator Coadjuvante
Brad Pitt (Era Uma Vez... Em Hollywood)
Anthony Hopkins (Dois Papas)
Joe Pesci (O Irlandês)
Al Pacino (O Irlandês)
Tom Hanks (Um Belo Dia na Vizinhança)
Melhor Roteiro Original
Bong Joon Ho (Parasita)
Noah Baumbach (História de Um Casamento)
Quentin Tarantino (Era Uma Vez em Hollywood)
Rian Johnson (Entre Facas e Segredos)
Sam Mendes e Krysty Wilson-Cairns (1917)
Melhor Roteiro Adaptado
Anthony McCarten (Dois Papas)
Greta Gerwig (Adoráveis Mulheres)
Steve Zaillian (O Irlandês)
Taika Waititi (Jojo Rabbit)
Todd Phillips e Scott Silver (Coringa)
Melhor Filme Internacional
Parasita (Coreia do Sul)
Dor e Glória (Espanha)
Les Misérables (França)
Corpus Christi (Polônia)
Honeyland (Macedônia)
Melhor Animação
Toy Story 4
Klaus
Perdi Meu Corpo
Como Treinar o seu Dragão 3
O Elo Perdido
Melhor Animação
Toy Story 4
Klaus
Perdi Meu Corpo
Como Treinar o seu Dragão 3
O Elo Perdido
Melhor Fotografia
Era Uma Vez... Em Hollywood (Robert Richardson)
O Irlandês (Rodrigo Prieto)
1917 (Roger Deakins)
Coringa (Lawrence Sher)
O Farol (Jarin Blaschke)
Melhor Montagem
O Irlandês
Coringa
Ford vs Ferrari
Parasita
Jojo Rabbit
Melhor Figurino
O Irlandês
Era Uma Vez... Em Hollywood
Jojo Rabbit
Adoráveis Mulheres
Coringa
Melhor Direção de Arte
Era uma Vez...Em Hollywood
1917
O Irlandês
Jojo Rabbit
Parasita
Melhor Trilha Sonora
1917 (Thomas Newman)
Coringa (Hildur Guðnadóttir)
Adoráveis Mulheres (Alexander Desplat)
História de um Casamento (Randy Newman)
Star Wars: A Ascensão Skywalker (John Williams)
Melhores Efeitos Visuais
1917
Vingadores: Ultimato
O Irlandês
Star Wars: A Ascensão Skywalker
O Rei Leão
Melhor Maquiagem e Cabelo
Coringa
Judy
O Escândalo
Malévola: A Dama do Mal
1917
Melhor Design de Som
1917
Coringa
Ford V Ferrari
Era Uma Vez em Hollywood
Star Wars: Ascensão Skywalker
Melhor Mixagem de Som
Ad Astra
1917
Coringa
Era Uma Vez em Hollywood
Ford V Ferrari
Melhor Canção Original
Rocketman
Toy Story 4
Breaktrough
Frozen II
Harriet
Melhor Documentário
American Factory
Honeyland
The Cave
For Sama
Democracia em Vertigem
Melhor Curta Documental
In The Absence
Learning to Skeatboard in a War zone
Life Overtakes Me
St. Louis Superman
Walk Run Cha-Cha
Melhor Curta-Metragem
Brotherhood
Nefta Football Club
The Neighbours Window
Saria
A Sister
Melhor Curta Animado
Dcera
Hair Love
Kitbull
Memorable
Sister
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