segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Crítica | Toy Story 4

Brinquedos também se aposentam

Confesso que não era um entusiasta de Toy Story 4. Não conseguia entender o motivo da Disney retomar uma franquia brilhantemente encerrada no seu terceiro filme. Poucas vezes o ponto final foi tão marcante. O interesse comercial, porém, outra vez falou mais alto. Menos mal que sem arranhar o que foi entregue previamente. Fazendo da despretensão o seu principal aliado, Toy Story 4 é um retorno agradável a um universo por si só cativante. Embora parta de uma premissa até certo ponto requentada, a chegada de um novo e peculiar brinquedo, o longa dirigido por Josh Cooley supera as expectativas ao apostar muito nos seus carismáticos personagens. Nos antigos e principalmente nos novos. 


Por mais que os protagonistas Woody, Buzz, Beth e Jessie sigam como a bússola moral na continuação, o realizador surpreende ao nos presentear com uma fantástica gama de novos brinquedos. Muito mais do que o agente catalisador da trama, o garfinho Forky (voz de Tony Hale), em especial, é impagável. É legal ver como o roteiro brinca com a identidade do personagem. Ele é fruto da mente criativa de uma criança. O novo brinquedo predileto nasce do improviso. Mais infantil impossível. E não é só isso. A sua crise existencial ajuda a realçar a face mais altruísta de Woody, que, tal qual no primeiro filme, volta a ter o centro das atenções aqui. Estamos diante de uma curiosa passagem de bastão entre o novo e o velho favorito. Esqueça o clima de rivalidade do primeiro filme. O caubói amadureceu neste percurso. A sua relação com Andy trouxe experiência. E ele, agora, só quer que a sua nova dona, Bonnie, tenha uma infância feliz. Um belo arco valorizado pelas novas estrelas deste lúdico show.


O que falar, por exemplo, dos hilários ursinhos Ducky (Keegan-Michael Key) e Bunny (Jordan Peele), ou do extravagante Duke Caboom (voz de Keanu Reeves) e até mesmo da complexa Gabby Gabby (voz de Christina Hendricks). Por sinal, é legal ver como o diretor Josh Cooley renega convenções ao não se prender tanto a figura de um antagonista. Numa bem-vinda subversão do que foi o fantástico terceiro filme, a sequência é astuta ao discutir o desapego sob uma lógica invertida. Em sua essência mais pura, na verdade, Toy Story 4 é um filme (pasmem) sobre aposentadoria. Sobre missões cumpridas. Sobre oportunidades dadas e as perdidas. Pela primeira vez nos quatro filmes me dei conta que o Woody já beira os 70 anos. Talvez por isso os brinquedos, aqui, ganham uma “voz” mais ativa. A aventura aponta para um mundo novo. Mais divertido, mais colorido, mais livre. Um senso de amplitude explorado com perspicácia nesta continuação. A brincadeira fica bem mais divertida quando eles invadem um expressivo (e por vezes sinistro) antiquário, ou um colorido parque de diversões. Os personagens, desta vez, não se revelam tão inertes ao meio humano. As sacadas encontradas pelo longa para os mover pelo cenário vão bem além dos cones laranjas. O mundo de Toy Story nunca foi tão bonito, habitável e ilimitado. 


Leve, despretensioso, mas com algo a acrescentar, Toy Story 4 quebra velhos paradigmas da franquia ao expandir os horizontes dos seus personagens. O resultado é uma jornada de descobertas criativa, visualmente magnífica e emotiva como de costume. No fim, as lágrimas se confundem com um sorriso, como aquele que nós damos quando reencontramos velhos (e queridos) amigos.

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