terça-feira, 26 de novembro de 2019

Crítica | Espírito Jovem

O preço de um sonho

Não é incomum ver obras com temáticas semelhantes lançadas num curto prazo de tempo. Eles são popularmente conhecidos como filmes gêmeos. Quer entender este fenômeno? É simples. Um grande estúdio anuncia a produção de um longa - digamos - sobre uma estrela da música. A informação se espalha rapidamente pelos corredores de Hollywood. Outros produtores recebem\resgatam scripts com ‘plots’ parecidos. Seja pela tentativa de competir com a concorrência, seja para surfar na onda de um potencial grande ‘hit’. Basicamente é isso. Recentemente, por exemplo, vimos isto acontecer com o remake de Nasce Uma Estrela (2018). Com Lady Gaga na pele de uma jovem cantora descoberta por um astro decadente, o longa dirigido por Bradley Cooper nasceu cercado de expectativas. Um frisson que, coincidentemente ou não, gerou três “irmãozinhos”. Em Vox Lux (leia a nossa crítica aqui), Natalie Portman encara uma cantora pop midiática obrigada a conviver com os traumas da sua infância. Já em Her Smell, Elisabeth Moss vive uma estrela punk autodestrutiva em busca da inspiração perdida com o vício. Destes, porém, o que mais se assemelha a ‘vibe’ Nasce Uma Estrela é o competente Espírito Jovem. Escrito e pilotado pelo ator Max Minghella (A Rede Social), o longa estrelado pela versátil Elle Fanning toca em questões reconhecíveis ao refletir sobre o impacto do sucesso na rotina\identidade de uma jovem cantora do interior. Usando o competitivo universo do ‘reality shows’ como pano de fundo, o diretor estreante é habilidoso ao traduzir o choque de realidade sob a óptica de uma introspectiva adolescente, contornando a eventual superficialidade do texto com pulso narrativo, uma genuína aura ‘teen’ e muito estilo. 



Quantas Violet (Elle Fanning) estão espalhadas pelo mundo? Jovens talentosas, com uma vida distante dos grandes centros urbanos, obrigadas a amadurecer bem antes do que o esperado. Cantoras com um óbvio potencial à espera de uma chance de ouro para brilhar. Inúmeras! Max Minghella sabe disso. Com um arco tão reconhecível em mãos, Espírito Jovem foge do lugar comum ao trocar o sentimentalismo barato por uma abordagem mais madura sobre o tema. Por mais que narrativamente o argumento siga uma toada bastante previsível, o cineasta compensa ao assumir isso como uma rotina. O que faz todo o sentido. O choque de realidade traz consigo sequelas instantâneas. De uma hora para outra a gata borralheira vira Cinderela. No mundo da música, porém, a carruagem dourada costuma cobrar um preço bem caro. Consciente disso, Minghella é cuidadoso ao tornar a jornada de Violet a mais plausível possível. Não espere grandes reviravoltas. Explosões de fúria ou emoção. O realizador mostra sutileza ao extrair o drama da trajetória da protagonista. Se por um lado falta profundidade ao roteiro quando o assunto são os conflitos mais íntimos da jovem cantora, em especial o impacto da ausência paterna na sua identidade, por outro Minghella é sagaz ao expor o tamanho dos obstáculos que estão por vir. Mais do que simplesmente criar um reality show, o Teen Spirit, o cineasta é minucioso ao traduzir a desafiadora rotina dentro deste ambiente, o crescente clima de competição, o isolamento, os perigos, a sedução causada pela iminência do sucesso. Extraindo o máximo deste cenário, o realizador esbanja dinamismo ao escancarar o efeito de tudo isso na figura de Violet, rompendo com alguns batidos clichês (a mãe temerosa que impede o sucesso da filha, a empresária perversa com interesses escusos) na construção de um retrato bem realista sobre uma jovem engolida por um mundo que não era seu. Violet, aqui, é a única responsável pelo seu sucesso\fracasso.


Uma realidade tênue reforçada pela singela\peculiar relação entre mentor e pupilo pensada por Espírito Jovem. Vlad (Zlatko Buric), o tutor de Violet, surge como um espelho do que de pior o mundo da música tem a oferecer. Com poucas palavras e muita verdade, o bonachão empresário sintetiza com rara clareza o outro lado do sucesso. Muito mais do que uma mera bússola moral, o cativante personagem nos ajuda a entender o todo, a enxergar a preocupação inserida nas entrelinhas. Um passo em falso e definitivamente tudo poderia ruir. É legal ver como, sem um pingo de didatismo, Max Minghella traduz com sensibilidade a construção deste intenso elo. Uma relação de amizade marcada pela cumplicidade, pelo dom da música, pela consciência mútua de que ambos tinham realmente algo singular a oferecer. Uma pena que, na ânsia de capturar o turbilhão que repentinamente toma conta da rotina de Violet, Minghella apresse tanto as coisas. Na transição para o último ato, em especial, a mudança de comportamento da protagonista ganha ares um tanto quanto drásticos. Por mais que, a rigor, muita desta transformação possa ser atribuída a euforia, o roteiro derrapa ao sacrificar demais o precoce senso de maturidade até então desenvolvido. Além disso, o roteiro abusa da superficialidade no que diz respeito a relação dela com os demais personagens da sua idade (amigos da banda, crush famoso, rivais musical), os reduzindo a meros coadjuvantes. Um elemento que seria até mais problemático se não fosse a marcante performance de Elle Fanning. Dona de um magnetismo natural, ela é o tipo de atriz que facilmente se destaca na multidão. Uma característica, por sinal, explorada com entusiasmo por Minghella. A relação entre Violet e a câmera não é de amor, mas de paixão. No centro dos holofotes basicamente do começo ao fim, Fanning absorve as falhas, virtudes, medos e anseios da sua personagem com a sua usual intensidade, tornando a jornada dela absolutamente plausível. Na hora de soltar a voz, aliás, a atriz impressiona mais uma vez com os seus vocais bem típicos do ‘indie\pop’ atual, reforçando a veia moderna da produção. Num todo, aliás, a trilha sonora de Marius De Vries é esperta ao fundir ‘riffs’ de hits modernos com alguns clássicos, criando uma mistura eclética capaz de não só traduzir o estado de espírito de Violet, mas principalmente dialogar com a aura estilizada da produção.


O melhor de Max Minghella, na verdade, fica na direção. No seu primeiro trabalho atrás das câmeras, o jovem realizador enche a tela de estilo ao capturar a beleza de Elle Fanning a partir da estética neonizada. Muito mais do que um mero recurso visual, a vigorosa iluminação em tons frios ajuda a refletir as emoções de Violet, a realçar a atmosfera de fascínio em torno do mundo da fama. Um conceito que, embora não chegue a ser original, é explorado aqui com indiscutível beleza. Além disso, Minghella faz um enérgico uso da linguagem de videoclipe, acelerando as coisas sempre que preciso com montagens dinâmicas e agradáveis números musicais. Embora careça de um hit do porte de “Shallow”, Espírito Jovem contorna a previsibilidade ao abraçar com entusiasmo a inexperiência da sua protagonista. Estamos diante de uma personagem real, falível, uma jovem com muito a aprender sobre o tortuoso caminho rumo ao estrelato.

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