Não é incomum ver obras com
temáticas semelhantes lançadas num curto prazo de tempo. Eles são popularmente
conhecidos como filmes gêmeos. Quer entender este fenômeno? É simples. Um
grande estúdio anuncia a produção de um longa - digamos - sobre uma estrela da
música. A informação se espalha rapidamente pelos corredores de Hollywood.
Outros produtores recebem\resgatam scripts com ‘plots’ parecidos. Seja pela
tentativa de competir com a concorrência, seja para surfar na onda de um
potencial grande ‘hit’. Basicamente é isso. Recentemente, por exemplo, vimos
isto acontecer com o remake de Nasce Uma Estrela (2018). Com Lady Gaga na pele
de uma jovem cantora descoberta por um astro decadente, o longa dirigido por
Bradley Cooper nasceu cercado de expectativas. Um frisson que, coincidentemente
ou não, gerou três “irmãozinhos”. Em Vox Lux (leia a nossa crítica aqui),
Natalie Portman encara uma cantora pop midiática obrigada a conviver com os
traumas da sua infância. Já em Her Smell, Elisabeth Moss vive uma estrela punk
autodestrutiva em busca da inspiração perdida com o vício. Destes, porém, o que
mais se assemelha a ‘vibe’ Nasce Uma Estrela é o competente Espírito Jovem.
Escrito e pilotado pelo ator Max Minghella (A Rede Social), o longa estrelado
pela versátil Elle Fanning toca em questões reconhecíveis ao refletir sobre o
impacto do sucesso na rotina\identidade de uma jovem cantora do interior.
Usando o competitivo universo do ‘reality shows’ como pano de fundo, o diretor
estreante é habilidoso ao traduzir o choque de realidade sob a óptica de uma
introspectiva adolescente, contornando a eventual superficialidade do texto com
pulso narrativo, uma genuína aura ‘teen’ e muito estilo.
Quantas Violet (Elle Fanning)
estão espalhadas pelo mundo? Jovens talentosas, com uma vida distante dos
grandes centros urbanos, obrigadas a amadurecer bem antes do que o esperado.
Cantoras com um óbvio potencial à espera de uma chance de ouro para brilhar.
Inúmeras! Max Minghella sabe disso. Com um arco tão reconhecível em mãos,
Espírito Jovem foge do lugar comum ao trocar o sentimentalismo barato por uma
abordagem mais madura sobre o tema. Por mais que narrativamente o argumento
siga uma toada bastante previsível, o cineasta compensa ao assumir isso como
uma rotina. O que faz todo o sentido. O choque de realidade traz consigo
sequelas instantâneas. De uma hora para outra a gata borralheira vira
Cinderela. No mundo da música, porém, a carruagem dourada costuma cobrar um
preço bem caro. Consciente disso, Minghella é cuidadoso ao tornar a jornada de
Violet a mais plausível possível. Não espere grandes reviravoltas. Explosões de
fúria ou emoção. O realizador mostra sutileza ao extrair o drama da trajetória
da protagonista. Se por um lado falta profundidade ao roteiro quando o assunto
são os conflitos mais íntimos da jovem cantora, em especial o impacto da
ausência paterna na sua identidade, por outro Minghella é sagaz ao expor o
tamanho dos obstáculos que estão por vir. Mais do que simplesmente criar um
reality show, o Teen Spirit, o cineasta é minucioso ao traduzir a desafiadora
rotina dentro deste ambiente, o crescente clima de competição, o isolamento, os
perigos, a sedução causada pela iminência do sucesso. Extraindo o máximo deste
cenário, o realizador esbanja dinamismo ao escancarar o efeito de tudo isso na
figura de Violet, rompendo com alguns batidos clichês (a mãe temerosa que
impede o sucesso da filha, a empresária perversa com interesses escusos) na
construção de um retrato bem realista sobre uma jovem engolida por um mundo que
não era seu. Violet, aqui, é a única responsável pelo seu sucesso\fracasso.
Uma realidade tênue reforçada
pela singela\peculiar relação entre mentor e pupilo pensada por Espírito Jovem.
Vlad (Zlatko Buric), o tutor de Violet, surge como um espelho do que de pior o
mundo da música tem a oferecer. Com poucas palavras e muita verdade, o bonachão
empresário sintetiza com rara clareza o outro lado do sucesso. Muito mais do
que uma mera bússola moral, o cativante personagem nos ajuda a entender o todo,
a enxergar a preocupação inserida nas entrelinhas. Um passo em falso e
definitivamente tudo poderia ruir. É legal ver como, sem um pingo de didatismo,
Max Minghella traduz com sensibilidade a construção deste intenso elo. Uma
relação de amizade marcada pela cumplicidade, pelo dom da música, pela
consciência mútua de que ambos tinham realmente algo singular a oferecer. Uma
pena que, na ânsia de capturar o turbilhão que repentinamente toma conta da
rotina de Violet, Minghella apresse tanto as coisas. Na transição para o último
ato, em especial, a mudança de comportamento da protagonista ganha ares um
tanto quanto drásticos. Por mais que, a rigor, muita desta transformação possa
ser atribuída a euforia, o roteiro derrapa ao sacrificar demais o precoce senso
de maturidade até então desenvolvido. Além disso, o roteiro abusa da
superficialidade no que diz respeito a relação dela com os demais personagens da
sua idade (amigos da banda, crush famoso, rivais musical), os reduzindo a meros
coadjuvantes. Um elemento que seria até mais problemático se não fosse a
marcante performance de Elle Fanning. Dona de um magnetismo natural, ela é o
tipo de atriz que facilmente se destaca na multidão. Uma característica, por
sinal, explorada com entusiasmo por Minghella. A relação entre Violet e a câmera
não é de amor, mas de paixão. No centro dos holofotes basicamente do começo ao
fim, Fanning absorve as falhas, virtudes, medos e anseios da sua personagem com
a sua usual intensidade, tornando a jornada dela absolutamente plausível. Na
hora de soltar a voz, aliás, a atriz impressiona mais uma vez com os seus
vocais bem típicos do ‘indie\pop’ atual, reforçando a veia moderna da
produção. Num todo, aliás, a trilha sonora de Marius De Vries é esperta ao
fundir ‘riffs’ de hits modernos com alguns clássicos, criando uma mistura
eclética capaz de não só traduzir o estado de espírito de Violet, mas
principalmente dialogar com a aura estilizada da produção.
O melhor de Max Minghella, na
verdade, fica na direção. No seu primeiro trabalho atrás das câmeras, o jovem
realizador enche a tela de estilo ao capturar a beleza de Elle Fanning a partir
da estética neonizada. Muito mais do que um mero recurso visual, a vigorosa
iluminação em tons frios ajuda a refletir as emoções de Violet, a realçar a
atmosfera de fascínio em torno do mundo da fama. Um conceito que, embora não
chegue a ser original, é explorado aqui com indiscutível beleza. Além disso,
Minghella faz um enérgico uso da linguagem de videoclipe, acelerando as coisas
sempre que preciso com montagens dinâmicas e agradáveis números musicais. Embora
careça de um hit do porte de “Shallow”, Espírito Jovem contorna a
previsibilidade ao abraçar com entusiasmo a inexperiência da sua protagonista.
Estamos diante de uma personagem real, falível, uma jovem com muito a aprender
sobre o tortuoso caminho rumo ao estrelato.
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