Em diversos aspectos, John Wick 3
– Parabellum se equivale (ou até supera) os seus antecessores. Estamos
novamente diante de um filme de ação feroz, dinâmico, com sequências ainda mais insanas e um visual de fazer inveja a qualquer grande produção na
temporada de premiações. Por trás do inacreditável refinamento estético e da
espantosa presença física de Keanu Reeves, porém, existe também uma continuação
errática que, na ânsia de ir mais a fundo na sua singular mitologia, se
distancia demasiadamente da essência reativa do seu protagonista. Uma ópera da
morte que segue funcionando dentro da sua proposta, mas por motivos nem tão
empolgantes assim.
Sem tempo a perder, John Wick 3 não titubeia em transformar o primeiro ato numa extensão do segundo filme. E o que vemos é uma combinação de brutalidade e tensão de tirar o fôlego. Abandonado em Manhattam à sua própria sorte, Wick (Keanu Reeves) precisa correr contra o tempo para conseguir escapar vivo da ilha enquanto se depara com todo o tipo de ameaça. Numa verdadeira aula de cinema de ação, Chad Stahelski deixa o requinte em segundo plano momentaneamente ao nos brindar com algumas das cenas mais agressivas de toda a franquia. Usando e abusando dos planos sequências, o realizador extrai o máximo da situação em questão com criatividade e pulso narrativo, expondo o seu herói ao risco de forma nunca vista antes na trilogia. John Wick está cansado, está ferido, está acuado, está desarmado. Para sobreviver, entretanto, ele não pensa duas vezes em usar todo e qualquer objeto ao seu redor como arma. Num ‘mise en scene’ elétrico, Stahelski causa um misto de espanto e euforia ao interferir o mínimo possível nas coreografias de luta, deixando tudo o mais claro possível aos olhos do público. Os movimentos de câmera são simples e limpos, a trilha sonora praticamente inexiste, o design de som só reforça a brutalidade das lutas. O cineasta entrega tudo o que sabe a ação. O resultado é algo, me arrisco a dizer, sem precedentes no cinema ocidental. Os combates têm peso, são viscerais, violentos. A construção de clima é brilhante. Sem medo de errar, a primeira meia hora de John Wick 3 é o ‘creme de la creme’ do cinema de ação no século XXI. Desde Mad Max: Estrada da Fúria não me sentia tão “refém” do que estava vendo em cena. Um piscar de olhos e algo passa despercebido.
Enquanto o vingativo anti-herói
está em fuga, na verdade, John Wick 3: Parabellum entrega justamente o que se
esperava dele. Por mais que não demore muito para a poeira dar uma baixada,
Chad Stahelski mantém o nível de tensão em alta ao capturar o desamparo do
protagonista, ao nos fazer crer que ele não poderá relaxar por um segundo
sequer. Não existe lugar seguro. Ele não tem em quem confiar. Milhões de
dólares são oferecidos em troca de sua vida. Mesmo diante deste perceptível
clima de urgência, é legal ver como o argumento assinado por Derek Kolstad,
Shay Hatten, Chris Collins e Marc Abram consegue se aprofundar ainda mais na
mitologia proposta nos títulos anteriores sem descaracterizar o tema central dela. Desde
o empolgante De Volta ao Jogo (2014), a franquia sempre foi sobre a ação e
principalmente a reação dos personagens dentro deste regrado submundo. Todos os
atos têm uma consequência. Para o bem e para o mal. Ao longo do inchado segundo
ato, Stahelski é habilidoso ao trazer o passado para o centro da trama. John
Wick está nesta situação porque reagiu. Primeiro para vingar o seu cachorro.
Depois para pagar uma “dívida”. Agora por não ter cumprido uma regra básica no
seu ramo. Ele se colocou nesta situação e está cada vez mais difícil sair dela.
Neste terceiro filme, porém, é interessante ver como o roteiro vai além da
figura de Wick. A sua simples presença obriga a terceiros também fazerem
escolhas. E destas decisões (e das suas consequências) nascem algumas das
melhores passagens desta continuação. Embora o foco siga na figura do assassino
profissional, Stahelski traz outras peças para o seu tabuleiro. Algumas mais
poderosas. Como se não bastassem as voltas de Winston (Ian McShane) e Bowery
(Laurence Fishburne), figuras como a ‘bad-ass’ Sofia (Halle Berry) e a
intimidante Juíza (Asia Kate Dillon) surgem para redimensionar a figura do
protagonista. À medida que a trama avança, na verdade, é interessante ver como
o protagonista é reduzido a uma espécie de peão dentro da história. Ele segue
perigoso, letal ao extremo, mas incapaz de desafiar sozinho o que estar por
vir.
Na ânsia de estabelecer elementos
visando o futuro da franquia, porém, John Wick 3: Parabellum frustra ao
esquecer que existe um homem por trás do seu legado. Nunca as motivações do
anti-herói foram tão frágeis dentro da série. Eu diria até brega. “Eu quero
viver e manter a lembrança da minha esposa”, diz Wick em certo momento da
trama. Mas tinha que ser realmente em Nova Iorque¿ Ele poderia simplesmente
desaparecer e fim de filme. Se por um lado Chad Stahelski acerta ao plantar a
semente para um iminente duelo de classes dentro desta sociedade secreta, por
outro o argumento não consegue justificar a decisão de Wick em fazer parte
deste embate. Outro ponto que incomoda, e muito, é a barriga criada com toda a
‘sidequest’ em território marroquino. Por mais que a ideia de levar a trama
para Casablanca seja perspicaz (um território que, durante a Segunda Guerra
Mundial, se manteve neutro) e que o local sirva como palco para uma das mais
espetaculares cenas de ação do longa, a ampliação da mitologia, aqui, é bem
genérica. O que vemos é uma pisada no freio que pouco agrega a jornada do
protagonista. Vou além. A impressão que fica é que os roteiristas esticaram a
corda além do necessário e o que era um mundo imersivo, hostil e extremamente
perigoso começou a flertar com a galhofa. Nada, no entanto, me incomodou tanto
quanto a ausência de uma figura à altura de Wick. Embora a Juíza se revele uma
personagem à sua maneira ameaçadora, o “rival” interpretado pelo talentoso artista
marcial Mark Dacascos é frustrante. Sem querer revelar demais, John Wick 3
desta vez é particularmente desastrado ao explorar a imagem do assassino e o
efeito dela junto aos seus algozes, culminando num clímax com alguns pequenos
momentos um tanto quanto vexatórios.
Na transição para o último ato,
inclusive, a impressão que fica é que Parabellum fica a um triz da banalização.
Por mais que a volta ao Continental seja por si só espetacular, reforçando o
sentimento “operesco” pela forma virtuosa com que Chad Stahelski atrela o
requinte estética\musical à violência, a ação perde parte do sentido no momento
em que não sentimos mais temor pelos oponentes. Em que a motivação não se
revela tão clara. Num paralelo com o universo gamer, o realizador é até
criativo ao investir numa ameaça mais resistente, a bem armada tropa do Alto
Escalão rende uma dúzia de cenas explosivas, mas os “chefes de fase” são bem
qualquer coisa. Nada que, de fato, reduza o impacto do clímax, muito em função
da perícia de Stahelski na construção de um verdadeiro balé em forma de ação. Somado
a isso, o cinquentão Keanu Reeves impressiona ao traduzir o senso de
brutalidade do seu personagem com enorme plasticidade, nos fazendo crer a todo
momento que estamos diante de um Baba Yaga capaz de desafiar todo e qualquer
tipo de oponente. Ao contrário do seu protagonista, porém, John Wick 3:
Parabellum deixa a sensação de que o fôlego da franquia pode estar perto do fim.
Embora esteja ainda à altura dos dois longas anteriores, este terceiro filme já
não deixa pontas soltas tão instigantes assim, principalmente pela incapacidade
do roteiro em conferir motivações mais justas\sólidas ao imparável
protagonista.
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