Um ‘slasher movie’ diferente, Ma
é o tipo de filme que se arrisca. Uma alternativa para quem está cansado de
vilões unidimensionais e praticamente imparáveis, o curioso longa dirigido por
Tate Taylor (Histórias Cruzadas) fisga ao extrair a tensão do bizarro. Tudo
parece bem estranho aqui. Usando o ‘bulying’ como o ponto de partida para a
construção de uma premissa insinuante, o cineasta se apropria com originalidade
de elementos fabulescos na construção de um thriller de horror mais sagaz do
que parecia inicialmente. Por mais que o argumento vacile quando decide abraçar
as convenções mais tradicionais do gênero, em especial no terço final, a insana
presença de Octavia Spencer ajuda a elevar o nível da brincadeira e a
reoxigenar uma fórmula tantas vezes explorada dentro do segmento. O resultado é
uma obra que troca o susto pelo desconforto, principalmente pela propriedade
com que toca em questões extremamente reconhecíveis.
Tratar Ma como uma atualização do
clássico conto de João e Maria não chega a ser um exagero. Muito pelo
contrário. Numa época que o viés lúdico anda tão em baixa, Tate Taylor é
perspicaz ao conferir uma aura levemente fabulesca a um ‘plot’ muito atual.
Troque a casa recheada de doces por um porão abastecido com bebidas alcoólicas
e temos uma releitura genuinamente urbana da obra dos Irmãos Grimm. Nela, para
conseguir comprar cervejas e vodcas, um grupo de menores decide pedir ajuda a
uma solicita e aparentemente inofensiva senhora, a assistente de veterinária Ma
(Octavia Spencer). Inicialmente relutante, ela encontra nos jovens algo que
parecia perdido no seu passado e decide ajuda-los. O que parecia um gesto
isolado, no entanto, ganhar contornos maiores quando ela decide abrir a sua
casa para que eles pudessem beber em segurança. Inicialmente desconfiados,
Maggie (Diana Silvers), Haley (McKaley Miller) e Andy (Corey Fogelmanis)
decidem dar um voto de confiança a Ma. Isso sem sequer desconfiar das reais
intenções desta improvável “anfitriã”.
O primeiro grande trunfo de Ma reside na figura da sua antagonista. Diferente de tudo o que temos
visto no gênero nos últimos anos, a persuasiva mulher causa um estranhamento
natural logo nos seus primeiros minutos de tela. Ela não precisa de máscara
para assustar ou incomodar. A sua presença e principalmente os seus atos causam
(ou deveriam) um desconforto natural. Embora, aos olhos de hoje, Ma não seja
personificada como uma ameaça padrão, qualquer um que tenha crescido lendo
fábulas ou assistindo clássicos Disney sabe que o perigo costuma se esconder em
rostos inofensivos. Tate Taylor sabe disso. Enquanto o grupo de adolescentes
não enxerga o problema escondido na situação criada por ela, o realizador é
astuto ao realçar a sensação de perigo iminente. A falta de maturidade (ou
malícia) dos garotos serve muito bem ao roteiro. Na busca por algo que querem
tanto, bebidas grátis e festas, eles abaixam a sua guarda, se expõem a presença
desta exótica figura. Um sentimento potencializado pela marcante presença de
Octavia Spencer. Longe do que consideramos a sua zona de conforto, a vencedor
do Oscar por Histórias Cruzadas traduz como poucos a instabilidade de Ma. Antes
mesmo do roteiro se aprofundas na psique da personagem, ela nos permite
enxergar que estamos diante de um tipo complexo. Com algo em mente. Com
frustrações e anseios.
Enquanto se concentra na figura
de Ma e na relação dela com os jovens, na verdade, o argumento assinado por
Scotty Landes é habilidoso ao construir o clima de tensão em torno dos seus
esquisitos atos. O cenário por si só é ambíguo. Ver jovens bebendo e curtindo
ao lado (ou sob a supervisão) de uma adulta estranha já soa bastante confuso. É
na reação dela a presença\ausência deles, porém, que Tate Taylor melhor explora
o efeito causado pela sua antagonista. Se por um lado, através dos pontuais
‘flashbacks’, o realizador mostra sutileza ao conferir um olhar humano sobra
Ma, por outro não demora muito para percebermos que escondido nos afetuosos
gestos dela existe amargura, raiva e obsessão. Como se, ao lado deles, ela
tivesse retomando algo que lhe foi tomado. Sem querer revelar muito, Taylor é
inteligente ao estabelecer as motivações da personagem sem sacrificar o
estranho laço criado entre ela e os adolescentes. Por falar neles, o cineasta é
igualmente cuidadoso ao conferir aos mais jovens traços muito reconhecíveis.
Eles são relapsos, inocentes, as vezes maldosos, mas nunca completamente
estúpidos. O estranhamento causado junto ao público logo os contamina também. O
que só reforça o clima de tensão em torno da figura de Ma. Por mais que Taylor
peque ao não dar arcos mais sólidos ao núcleo ‘teen’, ele consegue extrair o
máximo deles para a construção do suspense, em especial da novata Maggie,
tornando tudo mais tênue à medida que ela enxerga além da farra e do estoque de
bebidas.
No momento em que Ma (o filme)
decide assumir a sua face mais gráfica, no entanto, Tate Taylor vacila ao
repentinamente emburrecer os seus personagens. Embora Ma (a personagem) siga
causando um efeito bastante original, o realizador se rende à algumas soluções
bem pobres na tentativa de amarrar as arestas. Um problema potencializado pela
incapacidade do roteiro em trabalhar as nuances do núcleo adulto. De uma hora
para outra o clima ambíguo da primeira metade se esvai. Existe uma clara
sensação de potencial desperdiçado. Figuras como a mãe divorciada vivida pela
sempre carismática Juliette Lewis e o viúvo interpretado por Luke Evans
deveriam ter uma participação mais ativa dentro da trama. Este último, aliás,
se transforma repentinamente numa cena chave de forma conveniente. Se por um lado
o argumento é competente ao justificar a raiz do comportamento sociopático de
Ma sem se explicar demais, por outro é simplório ao dar voz àqueles que de
alguma forma acarretaram isso. Tudo se dá de forma apressada. Falta a Taylor
também uma assinatura autoral quando decide abraçar o elemento ‘slasher’ da
obra. O realizador se sai muito melhor (pasmem vocês) extraindo a tensão da
figura de Octavia Spencer do que das mais tradicionais convenções do gênero. O
terror aqui aflige, mas não vai além disso. Nada que, de fato, prejudique o funcional
clímax, um desfecho bem-resolvido visualmente incrementado pela surpreendente
performance desta talentosa atriz. O olhar sinistro de Spencer é muito mais
eficiente do que qualquer solução ‘gore’.
Em suma, influenciado por títulos
do porte de Carrie: A Estranha (1976) e Louca Obsessão (1990), Ma é um filme
divisivo, com uma execução talvez pouco impactante, mas capaz de oferecer uma
experiência bem mais original (ou talvez peculiar) do que temos assistido no gênero
nos últimos anos.
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