No momento em foi repentinamente anunciado, Detetive Pikachu
foi recebido com desdém pelo público. Um pessimismo justificado. O histórico
recente de adaptações hollywoodianas de animes\jogos nipônicos fala por si só.
Dragon Ball: Evolution (2009), Tekken (2010), The King Of Fighters (2010),
Death Note (2017) foram verdadeiros fiascos. Argh! Ghost In The Shell: Vigilante
do Amanhã (2017) dividiu a crítica, eu gosto bastante, mas foi esnobado pelo
público. Terror em Silent Hill (2006) foi um dos poucos que funcionou. Um
sentimento que deu uma ligeira melhorada quando Ryan Reynolds, um dos mais
populares astros do momento, foi anunciado como o dublador do Pikachu. O ‘hype’,
no entanto, foi realmente criado quando as primeiras imagens da adaptação foram
divulgadas. A nostalgia falou alto. O visual era indiscutivelmente fiel ao
original. Os pokemons estavam de volta. E eles são o trunfo maior (mas não o
único) de Detetive Pikachu. Com uma roupagem mais “politicamente correta”, as
criaturinhas agora vivem em harmonia com os seus tutores humanos e só batalham
na clandestinidade, o divertido longa dirigido por Rob Letterman (Goosebumps:
Monstros e Arrepios) funciona quando se propõe a entregar aquilo que se
esperava dele: uma aventura cômica descompromissada. Pena que, antes disso, a
película dedique tempo demais aos vícios do gênero, entre eles a pseudo
tentativa de construir um herói trágico.
Por que um protagonista tão chato? Essa pergunta ficou
martelando a minha cabeça ao longo da arrastada meia hora inicial. Nada contra
ao competente Justice Smith. Quando o argumento o “liberta” o personagem dos seus
batidos traumas, o jovem ator funciona e a dinâmica entre ele e o seu parceiro Ryan Reynolds é hilária. Sabe lá porque, no entanto, o cinema de aventura cada
vez mais tem se rendido ao arquétipo defendido por Detetive Pikachu. O do jovem
amargurado, com perdas na família, relutante em aceitar o seu destino. Um tipo
que tem se tornado cansativo. Muito do problemático terço inicial se deve a
tentativa de Rob Letterman em conferir algum peso às emoções de Tim. Um
ex-treinador pokemons que, após uma perda na família, é obrigado a lidar com os
monstrinhos quando o seu pai é dado como morto. Tudo o que Detetive Pikachu não
precisava era um roteiro que se levasse a sério demais. E num primeiro momento é
isso o que acontece. Embora a rápida introdução de um falante Pikachu
(Reynolds) eleve o nível das coisas, o realizador não consegue nem extrair algo
deste flerte com o drama, nem preparar o terreno para a construção do
aventuresco arco central. Tim parece não pertencer ao cenário que está
inserido. Parece não se empolgar em ter um Pikachu falante ao seu lado. Um
problema que se torna mais evidente quando no imaginário do público estão
personagens como o intrépido Ash.
Felizmente, basta a aventura falar mais alto para Detetive Pikachu
começar a empolgar. À medida que
descomplica o arco familiar do protagonista, Rob Letterman mostra astúcia ao
transitar rapidamente do moroso pseudodrama para o instigante clima de
mistério. Para a minha surpresa, o longa funciona bem melhor quando decide fazer
jus ao seu título, indo além das expectativas ao construir uma trama intrigante
envolvendo um entusiasta dos Pokémons (Bill Nighy, carismático como de costume),
Mewtwo e uma nebulosa experiência científica. Embora o roteiro se sustente em
inúmeras facilitações narrativas, Letterman fisga o espectador enquanto constrói
o sincero elo entre Tim e Pikachu. Sem nunca se levar a sério demais, é legal
ver como o argumento associa as descobertas da dupla à situações genuinamente divertidas,
permitindo que a trama avance sem sacrificar o senso de entretenimento da obra.
Mesmo abdicando do conceito das batalhas clássicas, o cineasta não economiza no
que diz respeito ao uso dos pokemons e extrai o máximo deles ora em situações combativas,
a cena da luta entre Charizard e Pikachu é ótima, ora em passagens mais cômicas,
toda a sequência envolvendo Mr. Mime é hilária. Um elemento potencializado pela
habilidade de Letterman em construir este mundo neonoir urbano recheado de
pokemons. Os cenários são imponentes e vistosos. As referências à animação
nipônica conferem um charme especial ao filme. A luminosa fotografia de John
Mathieson ajuda a realçar a vasta fauna de criaturas. As cenas de ação são ágeis
e vertiginosas. O cineasta se move com fluidez dentro do universo proposto. E, por
mais que a renderização do CGI dos pokémons “protagonistas” (Pikachu, Charizard,
Mr Mime, Mewtwo, Psyduck) seja bem maior do que a dos coadjuvantes, o visual
dos monstrinhos é expressivo e aquece o coração dos fãs mais nostálgicos.
Como o esperado, no entanto, o grande trunfo de Detetive
Pikachu está na impagável presença de Ryan Reynolds. Mais do que simplesmente capturar
o espírito da coisa, o astro de Deadpool cativa ao conferir uma voz mais sacana
ao carismático Pikachu. Rob Letterman acerta ao brincar com a fofura do
personagem, escondendo nela um tipo bem mais ácido, irônico e falastrão. Uma
espécie de Deadpool versão PG-12. E isso com uma assinatura vocal muito
peculiar. Embora seja possível reconhecer traços do seu humor no personagem,
Reynolds refresca a adaptação ao trazer a ela algo novo. É legal ver como o
Pikachu, de certa forma, contagia o inicialmente opaco Tim. É através dele que
o jovem protagonista se sente tentado a abraçar a aventura. A não aceitar a
verdade estabelecida. Sem querer revelar muito, embora o argumento subaproveite
a atrapalhada relação entre Tim e a esperta Lucy (Kathryn Newton), as sequências
em que Pikachu surge como um conselheiro sentimental são engraçadíssimas. Até
em cima disso, aliás, impressiona a expressividade do popular pokemon amarelo,
uma combinação de fofura e molecagem que casa brilhantemente com a dublagem de
Reynolds e o espírito despretensioso da adaptação. Em suma, longe de ser a
bomba que muitos esperavam, Detetive Pikachu é uma aventura eficaz que poderia
ser bem mais elétrica se não perdesse tanto de ritmo\originalidade no seu genérico
primeiro ato.
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