sexta-feira, 26 de julho de 2019

Fugindo do Hype | Detetive Pikachu

Por que um protagonista tão chato?

No momento em foi repentinamente anunciado, Detetive Pikachu foi recebido com desdém pelo público. Um pessimismo justificado. O histórico recente de adaptações hollywoodianas de animes\jogos nipônicos fala por si só. Dragon Ball: Evolution (2009), Tekken (2010), The King Of Fighters (2010), Death Note (2017) foram verdadeiros fiascos. Argh! Ghost In The Shell: Vigilante do Amanhã (2017) dividiu a crítica, eu gosto bastante, mas foi esnobado pelo público. Terror em Silent Hill (2006) foi um dos poucos que funcionou. Um sentimento que deu uma ligeira melhorada quando Ryan Reynolds, um dos mais populares astros do momento, foi anunciado como o dublador do Pikachu. O ‘hype’, no entanto, foi realmente criado quando as primeiras imagens da adaptação foram divulgadas. A nostalgia falou alto. O visual era indiscutivelmente fiel ao original. Os pokemons estavam de volta. E eles são o trunfo maior (mas não o único) de Detetive Pikachu. Com uma roupagem mais “politicamente correta”, as criaturinhas agora vivem em harmonia com os seus tutores humanos e só batalham na clandestinidade, o divertido longa dirigido por Rob Letterman (Goosebumps: Monstros e Arrepios) funciona quando se propõe a entregar aquilo que se esperava dele: uma aventura cômica descompromissada. Pena que, antes disso, a película dedique tempo demais aos vícios do gênero, entre eles a pseudo tentativa de construir um herói trágico.



Por que um protagonista tão chato? Essa pergunta ficou martelando a minha cabeça ao longo da arrastada meia hora inicial. Nada contra ao competente Justice Smith. Quando o argumento o “liberta” o personagem dos seus batidos traumas, o jovem ator funciona e a dinâmica entre ele e o seu parceiro Ryan Reynolds é hilária. Sabe lá porque, no entanto, o cinema de aventura cada vez mais tem se rendido ao arquétipo defendido por Detetive Pikachu. O do jovem amargurado, com perdas na família, relutante em aceitar o seu destino. Um tipo que tem se tornado cansativo. Muito do problemático terço inicial se deve a tentativa de Rob Letterman em conferir algum peso às emoções de Tim. Um ex-treinador pokemons que, após uma perda na família, é obrigado a lidar com os monstrinhos quando o seu pai é dado como morto. Tudo o que Detetive Pikachu não precisava era um roteiro que se levasse a sério demais. E num primeiro momento é isso o que acontece. Embora a rápida introdução de um falante Pikachu (Reynolds) eleve o nível das coisas, o realizador não consegue nem extrair algo deste flerte com o drama, nem preparar o terreno para a construção do aventuresco arco central. Tim parece não pertencer ao cenário que está inserido. Parece não se empolgar em ter um Pikachu falante ao seu lado. Um problema que se torna mais evidente quando no imaginário do público estão personagens como o intrépido Ash.


Felizmente, basta a aventura falar mais alto para Detetive Pikachu começar a empolgar.  À medida que descomplica o arco familiar do protagonista, Rob Letterman mostra astúcia ao transitar rapidamente do moroso pseudodrama para o instigante clima de mistério. Para a minha surpresa, o longa funciona bem melhor quando decide fazer jus ao seu título, indo além das expectativas ao construir uma trama intrigante envolvendo um entusiasta dos Pokémons (Bill Nighy, carismático como de costume), Mewtwo e uma nebulosa experiência científica. Embora o roteiro se sustente em inúmeras facilitações narrativas, Letterman fisga o espectador enquanto constrói o sincero elo entre Tim e Pikachu. Sem nunca se levar a sério demais, é legal ver como o argumento associa as descobertas da dupla à situações genuinamente divertidas, permitindo que a trama avance sem sacrificar o senso de entretenimento da obra. Mesmo abdicando do conceito das batalhas clássicas, o cineasta não economiza no que diz respeito ao uso dos pokemons e extrai o máximo deles ora em situações combativas, a cena da luta entre Charizard e Pikachu é ótima, ora em passagens mais cômicas, toda a sequência envolvendo Mr. Mime é hilária. Um elemento potencializado pela habilidade de Letterman em construir este mundo neonoir urbano recheado de pokemons. Os cenários são imponentes e vistosos. As referências à animação nipônica conferem um charme especial ao filme. A luminosa fotografia de John Mathieson ajuda a realçar a vasta fauna de criaturas. As cenas de ação são ágeis e vertiginosas. O cineasta se move com fluidez dentro do universo proposto. E, por mais que a renderização do CGI dos pokémons “protagonistas” (Pikachu, Charizard, Mr Mime, Mewtwo, Psyduck) seja bem maior do que a dos coadjuvantes, o visual dos monstrinhos é expressivo e aquece o coração dos fãs mais nostálgicos.


Como o esperado, no entanto, o grande trunfo de Detetive Pikachu está na impagável presença de Ryan Reynolds. Mais do que simplesmente capturar o espírito da coisa, o astro de Deadpool cativa ao conferir uma voz mais sacana ao carismático Pikachu. Rob Letterman acerta ao brincar com a fofura do personagem, escondendo nela um tipo bem mais ácido, irônico e falastrão. Uma espécie de Deadpool versão PG-12. E isso com uma assinatura vocal muito peculiar. Embora seja possível reconhecer traços do seu humor no personagem, Reynolds refresca a adaptação ao trazer a ela algo novo. É legal ver como o Pikachu, de certa forma, contagia o inicialmente opaco Tim. É através dele que o jovem protagonista se sente tentado a abraçar a aventura. A não aceitar a verdade estabelecida. Sem querer revelar muito, embora o argumento subaproveite a atrapalhada relação entre Tim e a esperta Lucy (Kathryn Newton), as sequências em que Pikachu surge como um conselheiro sentimental são engraçadíssimas. Até em cima disso, aliás, impressiona a expressividade do popular pokemon amarelo, uma combinação de fofura e molecagem que casa brilhantemente com a dublagem de Reynolds e o espírito despretensioso da adaptação. Em suma, longe de ser a bomba que muitos esperavam, Detetive Pikachu é uma aventura eficaz que poderia ser bem mais elétrica se não perdesse tanto de ritmo\originalidade no seu genérico primeiro ato.

Nenhum comentário: