É muito legal ver quando cineastas decidem falar sobre cinema. Sua arte. Não é raro, mas também não é comum. Alguns diretores\atores merecem ter a sua carreira destrinchada. Outros as suas obras. Nem todos, porém, estão dispostos a isso. Um dos maiores realizadores da história, Martin Scorsese sempre foi um entusiasta dos documentários. Ao longo de sua vasta carreira, entretanto, ele falou sobre a Sétima Arte somente em um: o antológico Uma Viagem com Martin Scorsese pelo Cinema Americano (1995). E isso é algo comum entre os grandes. Tal qual mágicos, eles parecem gostar de proteger os seus segredos. Poucos estão realmente dispostos a se abrir em vida às lentes de um outro realizador. Por isso temos que valorizar obras como Lumiere: A Aventura Começa (2017) e Bergman: 100 Anos (2018). Dois docs reveladores sobre - respectivamente - os pais do dispositivo cinema, os Irmãos Lumiere, e um dos cineastas mais existencialistas da história, o cultuado Ingmar Bergman. Aproveitando que os dois longas chegaram nesta semana ao catálogo da Rede Telecine, neste artigo decidi analisar alguns destes trabalhos numa lista com dez grandes documentários sobre o mundo do cinema.
- Lumière: A Aventura Começa
(2016)
Nada mais justo do que abrir esta
lista com um verdadeiro achado. Uma obra indispensável para qualquer fã da
Sétima Arte. Muito mais do que uma compilação de filmes dos irmãos Louis e
August Lumiére, Lumière: A Aventura Começa nos brinda com a gêneses do cinema.
Conduzido com simplicidade e eloquência por Thierry Frémaux, o documentário
entrega o que se espera dele, um recorte magnífico sobre a carreira de
verdadeiros precursores. À rigor, o longa causa um misto de encantamento e
surpresa ao reunir 108 filmes produzidos pelos Irmãos Lumiére entre os anos de
1985 e 1915. E isso com imagens completamente remasterizadas e comentários
reveladores sobre o teor de cada uma das produções. Frémaux é sucinto ao exaltar
a genialidade de Louis e dos seus colaboradores, ao enxergar sempre além das
suas obras. Ao longo das redondas 1 h e 30 min de película conhecemos os
bastidores de alguns dos filmes, as referências artísticas para a realização
deles e principalmente enxergamos o quão a frente do seu tempo eles estavam. Impressiona
ver como, antes mesmo da virada do século XX, Lumière e os seus parceiros
estavam experimentando recursos\movimentos\planos que só viriam a ser
popularizados 15\20 anos depois. E como esses influenciaram nomes do porte de
Sergei Eisenstein, D.W Griffith, Charlie Chaplin, John Ford, Martin Scorsese, Steven
Spielberg, James Cameron e tantos outros. As referências são claras. No fim,
Lumière: A Aventura Começa se revela um recorte histórico impressionante, um
filme sobre um grupo de criadores que viu a sua criação (o cinematógrafo) reinventar
a forma de se pensar a arte.
- Bergman: 100 Anos (2018)
Ingmar Bergman é um dos gigantes
do cinema. Um dos maiores realizadores da história. Suas obras invadiam a
intimidade humana como poucas. Seus personagens eram reconhecíveis. Seus anseios
e agruras eram reconhecíveis. Longe dos sets de filmagem, entretanto, Ingmar
Bergman sempre se revelou uma figura contraditória. Refém dos seus próprios
medos\anseios. Um gênio indomável. Egocêntrico. Sensível. Infiel. Amoroso.
Mulherengo. Polêmico. Agressivo. Tóxico. Um homem capaz de afagar e também de
ferir. Uma daquelas figuras impossíveis de serem resumidas. Algo que fica bem
claro no poderoso Bergman: 100 Anos, um retrato franco e (em sua maioria) sem
amarras sobre o homem em torno do mito. Sob a reveladora batuta de Jane
Magnussem, o documentário se esquiva sempre que pode do viés reverencial ao traduzir
o melhor e o pior deste cineasta. A partir de depoimentos de pessoas bem
próximas a ele, entrevistas e espertos ‘insights’, a diretora é minuciosa ao - tal
qual os seus filmes – invadir a intimidade de Bergman. Tomando como base o
atribulado ano de 1957, quando o sueco, mesmo convivendo com dores e inúmeras
pressões, entregou os primorosos O Sétimo Selo e Morangos Silvestres, duas
aclamadas peças de teatro e duas rádio novelas, Magnussem é sagaz ao investigar
os seus tormentos e como eles pretensamente moldaram as suas principais obras.
Sem um pingo de condescendência, o doc não titubeia em desvendá-lo perante o
público. Conhecemos a sua severa infância, a sua conturbada relação com pai e
irmão, o seu passado com inclinação ao nazismo, as suas inúmeras relações
extraconjugais, as suas polêmicas profissionais e a maneira com que ele
canalizava tudo isso nos seus filmes. Estamos diante de um tipo atormentado,
por vezes babaca, por vezes insano, por vezes frágil. Um homem que nunca
pareceu tentado em buscar o perdão das suas inúmeras “vítimas”, mesmo quando
ele parecia muito necessário. De fato, Magnussem se encanta mais pelas falhas
de Bergman do que pelas suas virtudes, algo que se torna o principal diferencial
deste complexo estudo de personagem.
- 78\52 (2017)
Algumas cenas transcendem a
barreira de um filme. Se tornam mais icônicas do que as próprias obra em que
estão inseridas. Uma das mais assustadoras sequências da história do cinema, o
assassinato no chuveiro de Psicose (1960) é dissecado com profundidade e
dinamismo no indispensável documentário 78\52. Embora o longa se repita em
alguns momentos, o diretor e roteirista Alexandre O. Phillipe não só reverencia
a genialidade técnica\narrativa de Hitchcock com sagacidade, como também
investiga os significados por trás do maior 'plot twist' da história do cinema,
ajudando a tornar o filme ainda mais impactante. Como se não bastasse a grande
revelação inicial, boa parte da cena em si foi gravada pela dublê de corpo de
Janet Leigh, a modelo Marli Renfro, o doc reúne grandes nomes do cinema (entre
eles Peter Bogdanovich, Guillermo Del Toro, Jamie Lee Curtis e Elijah Wood)
para extrair o máximo dos quase 10 min de cena. O resultado é muito interessante
e só ajuda a reforçar a face mais provocadora de Hitchcock. E para quem quer
aprender um pouco mais sobre o aspecto técnico, sobre ângulos, planos,
enquadramentos e os “truques” utilizados na construção fílmica, 78\52 se revela
uma verdadeira aula de cinema ministrada por um dos grandes gênios da Sétima
Arte. Mesmo sob a perspectiva de terceiros, é possível entender melhor o seu
estilo, a sua forma de contar histórias, o seu virtuosismo, as suas referências
e os seus mais espertos truques narrativos. Existia uma fórmula na obra de
Hitchcock, um padrão revigorado de tempos em tempos que ficou ainda mais claro
para mim ao longo da película. Por mais que se alongue no terço final, 78\52 é
um documentário recompensador para qualquer fã de cinema. Um estudo de cena
minucioso que tem muito a dizer não só sobre Alfred Hitchcock e a complexidade
de Psicose, mas sobre o decisivo trabalho de alguns dos seus grandes parceiros
na confecção deste clássico inesgotável.
- Luzes Brilhantes (2016)
Um dos traços mais importantes em
um documentário biográfico é a franqueza. É possível reverenciar o trabalho e o
legado de um realizador sem necessariamente omitir as suas falhas, as suas
características mais humanas. Algo que fica bem claro no extraordinário Luzes
Brilhantes, documentário da HBO sobre as icônicas atrizes Debbie Reynolds e
Carrier Fisher. Mãe e filha que, embora em épocas distintas dentro da
indústria, enfrentaram o melhor e o pior do mundo do showbiz. Sob a batuta de
Alexis Bloom e do ator Fisher Stevens, o doc invade a intimidade destas duas
estrelas com enorme honestidade, escancarando o apogeu de duas grandes
realizadoras com ternura, leveza e emoção. Uma estrelou um dos maiores
clássicos do cinema, o inesquecível Dançado na Chuva. A outra revolucionou a
cultura pop ao viver uma princesa ‘bad-ass’ na franquia Star Wars. É
interessante ver, entretanto, que isso é o que menos importa aqui. Embora a
dupla de cineastas explore o efeito destes dois filmes na identidade das
biografadas, Luzes Brilhantes foge do lugar comum ao dar voz a duas mulheres à
frente do seu tempo. Ao entender o seu amor pela arte, ao exaltar o talento, as
falhas, as virtudes, ao invadir os medos mais pessoais, ao capturar o impacto
do tempo na vida delas. Estamos diante de um doc sobre a independência
feminina, sobre a cumplicidade entre mãe e filha, sobre o lado b do showbiz. Uma
abordagem extremamente complexa e delicada que comove ao se concentrar mais nas
mulheres e menos nas estrelas de Hollywood.
- Desenterrando Sad Hill (2017)
Um relato genuíno sobre o amor
pela Sétima Arte, Sad Hill Hunearthed é um documentário emocionante envolvendo
o impacto de uma obra do quilate de Três Homens em Conflito na rotina de um
grupo de apaixonados pelo filme. Com depoimentos marcantes, entre eles os do
ator Clint Eastwood, do compositor Ennio Morricone e do vocalista do Metálica
James Hatfield, o longa revigora ao narrar a iniciativa de três
fãs espanhóis para recuperar um cenário real do filme, o icônico cemitério
de Sad Hill. Palco de uma das cenas mais tensas da história do Western, o
inesquecível duelo final entre Tuco, Blondie e Angel Eyes, o abandonado cenário
volta a tomar forma perante os nossos olhos ao longo da obra, servindo como o
pano de fundo para um resgate desta quinquagenária pérola. O grande trunfo do
doc está na sua sagacidade em revisitar a obra de Sérgio Leone. Indo além da
comovente iniciativa do grupo de moradores da região, o longa consegue
entrevistas preciosas, revela curiosidades, os bastidores da produção e
reverencia a genialidade de Sérgio Leone. Como não ser pego de surpresa, por
exemplo, quando descobrimos que o diretor italiano usou o exército espanhol na
realização do filme, ou então que por falha de comunicação ele precisou
explodir e construir uma ponte duas vezes porque alguém acendeu o pavio ligado
a dinamite antes que as câmeras estivessem gravando. Com uma fotografia belíssima
e uma sagaz dinâmica narrativa, aos poucos o doc se transforma numa ode ao
poder integrador do cinema, a magia por trás das "imagens em
movimento" e o efeito delas na identidade daqueles que a troco de
"nada" resolveram desenterrar um cemitério. Enfim, Desenterrando Sad
Hill se revela uma celebração universal da Sétima Arte, um relato comovente
sobre como em algumas horas um filme\trilha sonora\cena podem ajudar a
transformar a identidade de um indivíduo. Numa época em que tudo parece tão
descartável, como é bom ver um clássico do porte de Três Homens em Conflito
receber uma homenagem tão digna.
- Jim e Andy (2018)
Durante as filmagens de O Mundo
de Andy, cinebiografia do celebrado Andy Kaufman, Jim Carrey recrutou a
namorada do saudoso comediante, Lynne Margulies, e o seu melhor amigo, Bob
Zmuda, para registrar os bastidores desta excêntrica produção. O resultado é
Jim and Andy: The Great Beyond, um projeto que, após quase duas décadas
engavetado, pinta um retrato ainda mais íntimo sobre o 'modus operandi' de Kaufman
e o surtado trabalho de Carrey para traduzir a essência do provocador
humorista. Trazendo à luz uma série de fantásticas imagens de arquivos,
costuradas aos depoimentos do ator pela enérgica montagem, o longa dirigido por
Chris Smith é perspicaz ao traçar um inspirado paralelo entre os dois
comediantes. Entre profundas divagações existenciais e relatos
impressionantemente verídicos, Carrey espanta ao revelar o seu processo de
imersão no personagem, ao expor a sua obsessiva dedicação à construção do biografado.
Num primeiro momento, Jim e Andy fascina ao mostrar como funciona o tão
comentado método, um estilo de atuação em que o protagonista praticamente se
transforma numa outra pessoa. Apesar das inegáveis diferenças físicas entre os
dois, Carrey verdadeiramente vira Kaufman, assume os seus trejeitos, a sua
excentricidade e o seu comportamento arredio. Durante as filmagens, inclusive,
é possível sentir o misto de encantamento e desconforto daqueles que já haviam
contracenado com o humorista, entre eles Danny DeVitto, Judd Hirsch e o próprio
Zmuda. A sensação de caos controlado toma conta do set. Jim some, Andy assume.
Ele simplesmente não se desliga de Kaufman, um trabalho esquizofrênico e
nitidamente perigoso que rendeu uma série de bizarras situações e alguns
comoventes encontros. Denso, íntimo e naturalmente engraçado, Jim e Andy
reverencia a completa (e exaustiva) dedicação de dois comediantes à sua arte
num projeto que dá ao público a possibilidade de ver a mágica acontecer.
- Life Itself (2014)
O documentário Life Itself é uma
pedida indispensável para os fãs de cinema. Intimista e revelador, o longa
dirigido por Steve James revela a faceta mais apaixonada do crítico Roger
Ebert, um homem que dedicou o seu trabalho ao mundo da sétima arte. Numa época
em que a função do crítico\jornalista anda tão desvalorizada, chega a ser
reconfortante poder conhecer um pouco mais sobre a carreira deste profissional
e a maneira respeitosa com que nomes como Martin Scorsese, Werner Herzog e Ava
Duverney falam sobre a sua influência. Mais do que emocionante um relato
pessoal, o filme fala sobre o cinema enquanto instrumento de análise e devoção,
permitindo que o espectador conheça a sua importância quando o assunto é a
popularização da crítica cinematográfica. Em suma, com excelentes imagens de
arquivos, profundos depoimentos e a tocante direção de Steve James, Life Itself
fascina ao desvendar o homem por trás de tamanha paixão pela sétima arte.
- Robin Williams: Entre Na Minha
Mente
Foi com a tristeza do menino que
cresceu vendo Robin Williams arrancando risadas por onde passava que, em 2014,
tive que publicar o artigo sobre a repentina morte deste magnético
ator. Como aquela força da natureza, aquele comediante indomável, aquele ser
humano imparável, pôs fim a sua própria vida? Essa era a pergunta que ficou
martelando a minha cabeça durante algum tempo. Um questionamento que, de certa
forma, dita o tom do precioso documentário Robin Williams: Entre na Minha
Mente, produção original HBO que com um misto de reverência e humanidade invade
a intimidade do homem por trás do riso fácil, escondido sob o holofote do
sucesso. Recheado de reveladoras imagens de arquivos e depoimentos marcantes
sobre o Robin Williams que não nos acostumamos a ver, o longa dirigido por
Marina Zenovich é cuidadoso ao desconstruí-lo perante o público. Ao ir além da
sua frutífera carreira. Assim como muitos comediantes da sua geração, Williams
encontrava no humor uma válvula de escape. Num recorte dinâmico e
narrativamente bem fundamentado, é interessante ver, por exemplo, como a
cineasta busca na infância do documentado as explicações para a sua
personalidade quase desvairada. Mesmo após se descobrir um astro da comédia,
ele seguiu convivendo com as suas inseguranças, a sua crise de autoestima e o
medo de perder o brilho que o movia. Se sob a luz da fama o Robin Williams que
conhecemos era altivo, rebelde e um tanto quanto feroz, longe dela ele era um
homem comum, com carências, temores e frustrações permanentes. Um dos grandes
trunfos do documentário, na verdade, está na maneira com que o próprio ator e
os seus muitos amigos\parceiros tratam a incessante busca pela risada\aceitação
do público quase que como um vício. Sem grandes filtros, o retrato pintado
mostra um Robin Williams inquieto, criativo, mas quase sempre extremo, um
realizador levando uma vida que mais cedo ou mais tarde cobraria o seu preço. No
fim, entretanto, ficam as risadas. É sempre bom ver Robin Williams no auge da
sua forma, expondo o seu melhor, a sua melhor versão.
- I Am Heath Ledger (2018)
Heath Ledger precisou de
menos de uma década para se tornar uma reluzente estrela do cinema.
Carismático, charmoso e naturalmente talentoso, o saudoso ator australiano
despontou como o astro dos sonhos em Hollywood. Mas ele não queria isso para a
sua vida. Aberto a novas experiências cinematográficas, Ledger não se contentou
em seguir o caminho mais fácil. Diante de projetos cada vez mais autorais, ele
decidiu se entregar a sua arte, aos seus personagens, um complexo processo de
imersão que se torna bem claro no cativante documentário I Am Heath Ledger.
Íntimo e delicado, o longa dirigido por Adrian Buitenhuis e Derik Murrayu é
cuidadoso ao refutar alguns dos boatos que abasteceram os tabloides
sensacionalistas após a sua morte, usando os seus filmes como um inspirado
ponto de partida para pintar um retrato comovente sobre um jovem inquieto e
obstinado que "adorava viver no limite". Como Heath Ledger era
um ator avesso aos holofotes, o documentário faz um primoroso uso das imagens
de arquivo ao realçar a essência e o virtuosismo deste verdadeiro artista da
Sétima Arte. Com uma montagem ágil e reveladores depoimentos, o longa acerta ao
tentar entender o homem a partir da sua obra, reforçando a inquietude criativa
do biografado ao expor a sua intensa relação com a câmera. Apesar do seu
desconforto quanto ao viés midiático da sua profissão, Ledger era um
"cinematografista" contumaz com uma visão de mundo bem particular, o
que só reforça o nível de pessoalidade proposto pela dupla de diretores. Não
espere, portanto, imagens de arquivo tradicionais, com depoimentos banais ou
desinteressantes. Na verdade, as cenas exibidas no doc se mostram quase sempre sensoriais,
uma visão artística sobre a sua própria realidade, como se Ledger não só
quisesse armazenar em filme (ou num HD) as suas experiências, mas também se
aprimorar tecnicamente durante este processo.
- O Monstro do Monstro de Frankenstein
(2019)
Esse é um daqueles projetos que
merecem atenção. Um ‘mockumentary’ engraçadíssimo, O Monstro do Monstro do
Frankenstein traz David Harbour como um ator disposto a reverenciar o legado do
seu pai. Brincando com o viés indulgente do gênero, o curta de 35 minutos
arranca sinceras risadas ao acompanhar a busca de um filho na tentativa de
compreender o legado do seu pai a partir de uma obscura série de TV produzida
por ele. Com o próprio Harbour vivendo o afetado pai, a produção original
Netflix deixa um gostinho de quero mais ao rir da própria classe, ao debochar
do método dos realizadores que se levam a sério demais, da vaidade do showbiz, da
excentricidade de algumas das suas “estrelas”, do formato documental. Harbour
mergulha nesta piada em formato fílmico com intensidade, extraindo o máximo do
peculiar texto sem nunca se levar a sério demais. O resultado é uma produção
despretensiosa e impagável que não deve passar despercebida.
- Shirkers: O Filme Perdido
(2018)
Sem medo de errar, poucos longas
lançados em 2018 me surpreenderam tanto quanto Shirkers. Confesso, inclusive,
que cheguei a relutar em assisti-lo, mesmo diante das elogiosas críticas ao
redor do mundo. Felizmente, a curiosidade venceu. Uma exaltação do cinema faça
você mesmo, a película escrita e dirigida por Sandi Tan impressiona ao se
debruçar sobre as agruras de uma então realizadora da Singapura que viu o seu
sonho juvenil se transformar num desconcertante pesadelo. Embora o argumento se
disperse nos seus primeiros minutos, se distanciando do tema em questão ao
estabelecer o contexto sócio-político do pequeno país asiático e a formação
cultural das protagonistas, Tan não demora muito para fisgar a atenção do
espectador com a sua hipnotizante história de vida. Transitando entre o passado
e o presente com enorme desenvoltura, o doc retorna a década de 1990 para
narrar a jornada da jovem Sandi, um adolescente com anseios artístico que
diante da repressão e da censura só queria fazer cinema. Ao lado das suas duas
inseparáveis amigas, a madura Jamine Ng e a cativante Sophie, ela decide filmar
o que seria uma das primeiras produções ‘indies’ do seu país. Tudo sai do controle,
entretanto, quando Sandi decide trazer o seu tutor cinematográfico, o
enigmático Georges Cardona, para o comando da produção, iniciando assim um
relacionamento complexo que viria a mudar a sua vida de uma vez por todas. Ora
um desconcertante grito de liberdade, ora uma doce manifestação de afeto à sua
criação, Shirkers é um daqueles títulos indispensáveis para os fãs da Sétima
Arte. Um relato sincero sobre uma jovem talentosa com sonhos e também muitas
falhas (a maioria delas expostas corajosamente no documentário) que não
titubeou em compartilhar a sua singular visão de cinema. Infelizmente para
Sandi Tan, a espera foi grande. Provavelmente revoltante. Mas, quase três
décadas depois, ela ganhou a oportunidade de exorcizar os seus mais íntimos
fantasmas num documentário sentimental, verdadeiro, virtuoso, instigante e
acima de tudo surpreendente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário