domingo, 28 de julho de 2019

Bergman: 100 Anos, Lumiere: A Aventura Começa e outros ótimos documentários cinematográficos


É muito legal ver quando cineastas decidem falar sobre cinema. Sua arte. Não é raro, mas também não é comum. Alguns diretores\atores merecem ter a sua carreira destrinchada. Outros as suas obras. Nem todos, porém, estão dispostos a isso. Um dos maiores realizadores da história, Martin Scorsese sempre foi um entusiasta dos documentários. Ao longo de sua vasta carreira, entretanto, ele falou sobre a Sétima Arte somente em um: o antológico Uma Viagem com Martin Scorsese pelo Cinema Americano (1995). E isso é algo comum entre os grandes. Tal qual mágicos, eles parecem gostar de proteger os seus segredos. Poucos estão realmente dispostos a se abrir em vida às lentes de um outro realizador. Por isso temos que valorizar obras como Lumiere: A Aventura Começa (2017) e Bergman: 100 Anos (2018). Dois docs reveladores sobre - respectivamente - os pais do dispositivo cinema, os Irmãos Lumiere, e um dos cineastas mais existencialistas da história, o cultuado Ingmar Bergman. Aproveitando que os dois longas chegaram nesta semana ao catálogo da Rede Telecine, neste artigo decidi analisar alguns destes trabalhos numa lista com dez grandes documentários sobre o mundo do cinema.



- Lumière: A Aventura Começa (2016)


Nada mais justo do que abrir esta lista com um verdadeiro achado. Uma obra indispensável para qualquer fã da Sétima Arte. Muito mais do que uma compilação de filmes dos irmãos Louis e August Lumiére, Lumière: A Aventura Começa nos brinda com a gêneses do cinema. Conduzido com simplicidade e eloquência por Thierry Frémaux, o documentário entrega o que se espera dele, um recorte magnífico sobre a carreira de verdadeiros precursores. À rigor, o longa causa um misto de encantamento e surpresa ao reunir 108 filmes produzidos pelos Irmãos Lumiére entre os anos de 1985 e 1915. E isso com imagens completamente remasterizadas e comentários reveladores sobre o teor de cada uma das produções. Frémaux é sucinto ao exaltar a genialidade de Louis e dos seus colaboradores, ao enxergar sempre além das suas obras. Ao longo das redondas 1 h e 30 min de película conhecemos os bastidores de alguns dos filmes, as referências artísticas para a realização deles e principalmente enxergamos o quão a frente do seu tempo eles estavam. Impressiona ver como, antes mesmo da virada do século XX, Lumière e os seus parceiros estavam experimentando recursos\movimentos\planos que só viriam a ser popularizados 15\20 anos depois. E como esses influenciaram nomes do porte de Sergei Eisenstein, D.W Griffith, Charlie Chaplin, John Ford, Martin Scorsese, Steven Spielberg, James Cameron e tantos outros. As referências são claras. No fim, Lumière: A Aventura Começa se revela um recorte histórico impressionante, um filme sobre um grupo de criadores que viu a sua criação (o cinematógrafo) reinventar a forma de se pensar a arte.

- Bergman: 100 Anos (2018)


Ingmar Bergman é um dos gigantes do cinema. Um dos maiores realizadores da história. Suas obras invadiam a intimidade humana como poucas. Seus personagens eram reconhecíveis. Seus anseios e agruras eram reconhecíveis. Longe dos sets de filmagem, entretanto, Ingmar Bergman sempre se revelou uma figura contraditória. Refém dos seus próprios medos\anseios. Um gênio indomável. Egocêntrico. Sensível. Infiel. Amoroso. Mulherengo. Polêmico. Agressivo. Tóxico. Um homem capaz de afagar e também de ferir. Uma daquelas figuras impossíveis de serem resumidas. Algo que fica bem claro no poderoso Bergman: 100 Anos, um retrato franco e (em sua maioria) sem amarras sobre o homem em torno do mito. Sob a reveladora batuta de Jane Magnussem, o documentário se esquiva sempre que pode do viés reverencial ao traduzir o melhor e o pior deste cineasta. A partir de depoimentos de pessoas bem próximas a ele, entrevistas e espertos ‘insights’, a diretora é minuciosa ao - tal qual os seus filmes – invadir a intimidade de Bergman. Tomando como base o atribulado ano de 1957, quando o sueco, mesmo convivendo com dores e inúmeras pressões, entregou os primorosos O Sétimo Selo e Morangos Silvestres, duas aclamadas peças de teatro e duas rádio novelas, Magnussem é sagaz ao investigar os seus tormentos e como eles pretensamente moldaram as suas principais obras. Sem um pingo de condescendência, o doc não titubeia em desvendá-lo perante o público. Conhecemos a sua severa infância, a sua conturbada relação com pai e irmão, o seu passado com inclinação ao nazismo, as suas inúmeras relações extraconjugais, as suas polêmicas profissionais e a maneira com que ele canalizava tudo isso nos seus filmes. Estamos diante de um tipo atormentado, por vezes babaca, por vezes insano, por vezes frágil. Um homem que nunca pareceu tentado em buscar o perdão das suas inúmeras “vítimas”, mesmo quando ele parecia muito necessário. De fato, Magnussem se encanta mais pelas falhas de Bergman do que pelas suas virtudes, algo que se torna o principal diferencial deste complexo estudo de personagem.

- 78\52 (2017)


Algumas cenas transcendem a barreira de um filme. Se tornam mais icônicas do que as próprias obra em que estão inseridas. Uma das mais assustadoras sequências da história do cinema, o assassinato no chuveiro de Psicose (1960) é dissecado com profundidade e dinamismo no indispensável documentário 78\52. Embora o longa se repita em alguns momentos, o diretor e roteirista Alexandre O. Phillipe não só reverencia a genialidade técnica\narrativa de Hitchcock com sagacidade, como também investiga os significados por trás do maior 'plot twist' da história do cinema, ajudando a tornar o filme ainda mais impactante. Como se não bastasse a grande revelação inicial, boa parte da cena em si foi gravada pela dublê de corpo de Janet Leigh, a modelo Marli Renfro, o doc reúne grandes nomes do cinema (entre eles Peter Bogdanovich, Guillermo Del Toro, Jamie Lee Curtis e Elijah Wood) para extrair o máximo dos quase 10 min de cena. O resultado é muito interessante e só ajuda a reforçar a face mais provocadora de Hitchcock. E para quem quer aprender um pouco mais sobre o aspecto técnico, sobre ângulos, planos, enquadramentos e os “truques” utilizados na construção fílmica, 78\52 se revela uma verdadeira aula de cinema ministrada por um dos grandes gênios da Sétima Arte. Mesmo sob a perspectiva de terceiros, é possível entender melhor o seu estilo, a sua forma de contar histórias, o seu virtuosismo, as suas referências e os seus mais espertos truques narrativos. Existia uma fórmula na obra de Hitchcock, um padrão revigorado de tempos em tempos que ficou ainda mais claro para mim ao longo da película. Por mais que se alongue no terço final, 78\52 é um documentário recompensador para qualquer fã de cinema. Um estudo de cena minucioso que tem muito a dizer não só sobre Alfred Hitchcock e a complexidade de Psicose, mas sobre o decisivo trabalho de alguns dos seus grandes parceiros na confecção deste clássico inesgotável.

- Luzes Brilhantes (2016)


Um dos traços mais importantes em um documentário biográfico é a franqueza. É possível reverenciar o trabalho e o legado de um realizador sem necessariamente omitir as suas falhas, as suas características mais humanas. Algo que fica bem claro no extraordinário Luzes Brilhantes, documentário da HBO sobre as icônicas atrizes Debbie Reynolds e Carrier Fisher. Mãe e filha que, embora em épocas distintas dentro da indústria, enfrentaram o melhor e o pior do mundo do showbiz. Sob a batuta de Alexis Bloom e do ator Fisher Stevens, o doc invade a intimidade destas duas estrelas com enorme honestidade, escancarando o apogeu de duas grandes realizadoras com ternura, leveza e emoção. Uma estrelou um dos maiores clássicos do cinema, o inesquecível Dançado na Chuva. A outra revolucionou a cultura pop ao viver uma princesa ‘bad-ass’ na franquia Star Wars. É interessante ver, entretanto, que isso é o que menos importa aqui. Embora a dupla de cineastas explore o efeito destes dois filmes na identidade das biografadas, Luzes Brilhantes foge do lugar comum ao dar voz a duas mulheres à frente do seu tempo. Ao entender o seu amor pela arte, ao exaltar o talento, as falhas, as virtudes, ao invadir os medos mais pessoais, ao capturar o impacto do tempo na vida delas. Estamos diante de um doc sobre a independência feminina, sobre a cumplicidade entre mãe e filha, sobre o lado b do showbiz. Uma abordagem extremamente complexa e delicada que comove ao se concentrar mais nas mulheres e menos nas estrelas de Hollywood.

- Desenterrando Sad Hill (2017)


Um relato genuíno sobre o amor pela Sétima Arte, Sad Hill Hunearthed é um documentário emocionante envolvendo o impacto de uma obra do quilate de Três Homens em Conflito na rotina de um grupo de apaixonados pelo filme. Com depoimentos marcantes, entre eles os do ator Clint Eastwood, do compositor Ennio Morricone e do vocalista do Metálica James Hatfield, o longa revigora ao narrar a iniciativa de três fãs espanhóis para recuperar um cenário real do filme, o icônico cemitério de Sad Hill. Palco de uma das cenas mais tensas da história do Western, o inesquecível duelo final entre Tuco, Blondie e Angel Eyes, o abandonado cenário volta a tomar forma perante os nossos olhos ao longo da obra, servindo como o pano de fundo para um resgate desta quinquagenária pérola. O grande trunfo do doc está na sua sagacidade em revisitar a obra de Sérgio Leone. Indo além da comovente iniciativa do grupo de moradores da região, o longa consegue entrevistas preciosas, revela curiosidades, os bastidores da produção e reverencia a genialidade de Sérgio Leone. Como não ser pego de surpresa, por exemplo, quando descobrimos que o diretor italiano usou o exército espanhol na realização do filme, ou então que por falha de comunicação ele precisou explodir e construir uma ponte duas vezes porque alguém acendeu o pavio ligado a dinamite antes que as câmeras estivessem gravando. Com uma fotografia belíssima e uma sagaz dinâmica narrativa, aos poucos o doc se transforma numa ode ao poder integrador do cinema, a magia por trás das "imagens em movimento" e o efeito delas na identidade daqueles que a troco de "nada" resolveram desenterrar um cemitério. Enfim, Desenterrando Sad Hill se revela uma celebração universal da Sétima Arte, um relato comovente sobre como em algumas horas um filme\trilha sonora\cena podem ajudar a transformar a identidade de um indivíduo. Numa época em que tudo parece tão descartável, como é bom ver um clássico do porte de Três Homens em Conflito receber uma homenagem tão digna.

- Jim e Andy (2018)


Durante as filmagens de O Mundo de Andy, cinebiografia do celebrado Andy Kaufman, Jim Carrey recrutou a namorada do saudoso comediante, Lynne Margulies, e o seu melhor amigo, Bob Zmuda, para registrar os bastidores desta excêntrica produção. O resultado é Jim and Andy: The Great Beyond, um projeto que, após quase duas décadas engavetado, pinta um retrato ainda mais íntimo sobre o 'modus operandi' de Kaufman e o surtado trabalho de Carrey para traduzir a essência do provocador humorista. Trazendo à luz uma série de fantásticas imagens de arquivos, costuradas aos depoimentos do ator pela enérgica montagem, o longa dirigido por Chris Smith é perspicaz ao traçar um inspirado paralelo entre os dois comediantes. Entre profundas divagações existenciais e relatos impressionantemente verídicos, Carrey espanta ao revelar o seu processo de imersão no personagem, ao expor a sua obsessiva dedicação à construção do biografado. Num primeiro momento, Jim e Andy fascina ao mostrar como funciona o tão comentado método, um estilo de atuação em que o protagonista praticamente se transforma numa outra pessoa. Apesar das inegáveis diferenças físicas entre os dois, Carrey verdadeiramente vira Kaufman, assume os seus trejeitos, a sua excentricidade e o seu comportamento arredio. Durante as filmagens, inclusive, é possível sentir o misto de encantamento e desconforto daqueles que já haviam contracenado com o humorista, entre eles Danny DeVitto, Judd Hirsch e o próprio Zmuda. A sensação de caos controlado toma conta do set. Jim some, Andy assume. Ele simplesmente não se desliga de Kaufman, um trabalho esquizofrênico e nitidamente perigoso que rendeu uma série de bizarras situações e alguns comoventes encontros. Denso, íntimo e naturalmente engraçado, Jim e Andy reverencia a completa (e exaustiva) dedicação de dois comediantes à sua arte num projeto que dá ao público a possibilidade de ver a mágica acontecer. 

- Life Itself (2014)


O documentário Life Itself é uma pedida indispensável para os fãs de cinema. Intimista e revelador, o longa dirigido por Steve James revela a faceta mais apaixonada do crítico Roger Ebert, um homem que dedicou o seu trabalho ao mundo da sétima arte. Numa época em que a função do crítico\jornalista anda tão desvalorizada, chega a ser reconfortante poder conhecer um pouco mais sobre a carreira deste profissional e a maneira respeitosa com que nomes como Martin Scorsese, Werner Herzog e Ava Duverney falam sobre a sua influência. Mais do que emocionante um relato pessoal, o filme fala sobre o cinema enquanto instrumento de análise e devoção, permitindo que o espectador conheça a sua importância quando o assunto é a popularização da crítica cinematográfica. Em suma, com excelentes imagens de arquivos, profundos depoimentos e a tocante direção de Steve James, Life Itself fascina ao desvendar o homem por trás de tamanha paixão pela sétima arte.

- Robin Williams: Entre Na Minha Mente


Foi com a tristeza do menino que cresceu vendo Robin Williams arrancando risadas por onde passava que, em 2014, tive que publicar o artigo sobre a repentina morte deste magnético ator. Como aquela força da natureza, aquele comediante indomável, aquele ser humano imparável, pôs fim a sua própria vida? Essa era a pergunta que ficou martelando a minha cabeça durante algum tempo. Um questionamento que, de certa forma, dita o tom do precioso documentário Robin Williams: Entre na Minha Mente, produção original HBO que com um misto de reverência e humanidade invade a intimidade do homem por trás do riso fácil, escondido sob o holofote do sucesso. Recheado de reveladoras imagens de arquivos e depoimentos marcantes sobre o Robin Williams que não nos acostumamos a ver, o longa dirigido por Marina Zenovich é cuidadoso ao desconstruí-lo perante o público. Ao ir além da sua frutífera carreira. Assim como muitos comediantes da sua geração, Williams encontrava no humor uma válvula de escape. Num recorte dinâmico e narrativamente bem fundamentado, é interessante ver, por exemplo, como a cineasta busca na infância do documentado as explicações para a sua personalidade quase desvairada. Mesmo após se descobrir um astro da comédia, ele seguiu convivendo com as suas inseguranças, a sua crise de autoestima e o medo de perder o brilho que o movia. Se sob a luz da fama o Robin Williams que conhecemos era altivo, rebelde e um tanto quanto feroz, longe dela ele era um homem comum, com carências, temores e frustrações permanentes. Um dos grandes trunfos do documentário, na verdade, está na maneira com que o próprio ator e os seus muitos amigos\parceiros tratam a incessante busca pela risada\aceitação do público quase que como um vício. Sem grandes filtros, o retrato pintado mostra um Robin Williams inquieto, criativo, mas quase sempre extremo, um realizador levando uma vida que mais cedo ou mais tarde cobraria o seu preço. No fim, entretanto, ficam as risadas. É sempre bom ver Robin Williams no auge da sua forma, expondo o seu melhor, a sua melhor versão.

- I Am Heath Ledger (2018)


Heath Ledger precisou de menos de uma década para se tornar uma reluzente estrela do cinema. Carismático, charmoso e naturalmente talentoso, o saudoso ator australiano despontou como o astro dos sonhos em Hollywood. Mas ele não queria isso para a sua vida. Aberto a novas experiências cinematográficas, Ledger não se contentou em seguir o caminho mais fácil. Diante de projetos cada vez mais autorais, ele decidiu se entregar a sua arte, aos seus personagens, um complexo processo de imersão que se torna bem claro no cativante documentário I Am Heath Ledger. Íntimo e delicado, o longa dirigido por Adrian Buitenhuis e Derik Murrayu é cuidadoso ao refutar alguns dos boatos que abasteceram os tabloides sensacionalistas após a sua morte, usando os seus filmes como um inspirado ponto de partida para pintar um retrato comovente sobre um jovem inquieto e obstinado que "adorava viver no limite". Como Heath Ledger era um ator avesso aos holofotes, o documentário faz um primoroso uso das imagens de arquivo ao realçar a essência e o virtuosismo deste verdadeiro artista da Sétima Arte. Com uma montagem ágil e reveladores depoimentos, o longa acerta ao tentar entender o homem a partir da sua obra, reforçando a inquietude criativa do biografado ao expor a sua intensa relação com a câmera. Apesar do seu desconforto quanto ao viés midiático da sua profissão, Ledger era um "cinematografista" contumaz com uma visão de mundo bem particular, o que só reforça o nível de pessoalidade proposto pela dupla de diretores. Não espere, portanto, imagens de arquivo tradicionais, com depoimentos banais ou desinteressantes. Na verdade, as cenas exibidas no doc se mostram quase sempre sensoriais, uma visão artística sobre a sua própria realidade, como se Ledger não só quisesse armazenar em filme (ou num HD) as suas experiências, mas também se aprimorar tecnicamente durante este processo.

- O Monstro do Monstro de Frankenstein (2019)


Esse é um daqueles projetos que merecem atenção. Um ‘mockumentary’ engraçadíssimo, O Monstro do Monstro do Frankenstein traz David Harbour como um ator disposto a reverenciar o legado do seu pai. Brincando com o viés indulgente do gênero, o curta de 35 minutos arranca sinceras risadas ao acompanhar a busca de um filho na tentativa de compreender o legado do seu pai a partir de uma obscura série de TV produzida por ele. Com o próprio Harbour vivendo o afetado pai, a produção original Netflix deixa um gostinho de quero mais ao rir da própria classe, ao debochar do método dos realizadores que se levam a sério demais, da vaidade do showbiz, da excentricidade de algumas das suas “estrelas”, do formato documental. Harbour mergulha nesta piada em formato fílmico com intensidade, extraindo o máximo do peculiar texto sem nunca se levar a sério demais. O resultado é uma produção despretensiosa e impagável que não deve passar despercebida.

- Shirkers: O Filme Perdido (2018)



Sem medo de errar, poucos longas lançados em 2018 me surpreenderam tanto quanto Shirkers. Confesso, inclusive, que cheguei a relutar em assisti-lo, mesmo diante das elogiosas críticas ao redor do mundo. Felizmente, a curiosidade venceu. Uma exaltação do cinema faça você mesmo, a película escrita e dirigida por Sandi Tan impressiona ao se debruçar sobre as agruras de uma então realizadora da Singapura que viu o seu sonho juvenil se transformar num desconcertante pesadelo. Embora o argumento se disperse nos seus primeiros minutos, se distanciando do tema em questão ao estabelecer o contexto sócio-político do pequeno país asiático e a formação cultural das protagonistas, Tan não demora muito para fisgar a atenção do espectador com a sua hipnotizante história de vida. Transitando entre o passado e o presente com enorme desenvoltura, o doc retorna a década de 1990 para narrar a jornada da jovem Sandi, um adolescente com anseios artístico que diante da repressão e da censura só queria fazer cinema. Ao lado das suas duas inseparáveis amigas, a madura Jamine Ng e a cativante Sophie, ela decide filmar o que seria uma das primeiras produções ‘indies’ do seu país. Tudo sai do controle, entretanto, quando Sandi decide trazer o seu tutor cinematográfico, o enigmático Georges Cardona, para o comando da produção, iniciando assim um relacionamento complexo que viria a mudar a sua vida de uma vez por todas. Ora um desconcertante grito de liberdade, ora uma doce manifestação de afeto à sua criação, Shirkers é um daqueles títulos indispensáveis para os fãs da Sétima Arte. Um relato sincero sobre uma jovem talentosa com sonhos e também muitas falhas (a maioria delas expostas corajosamente no documentário) que não titubeou em compartilhar a sua singular visão de cinema. Infelizmente para Sandi Tan, a espera foi grande. Provavelmente revoltante. Mas, quase três décadas depois, ela ganhou a oportunidade de exorcizar os seus mais íntimos fantasmas num documentário sentimental, verdadeiro, virtuoso, instigante e acima de tudo surpreendente.

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