terça-feira, 9 de julho de 2019

Crítica | As Aventuras de Brigsby Bear

Fugindo da caverna

Um filme 'indie' com muito coração, As Aventuras de Brigsby Bear é o tipo de grata surpresa que só mostra a importância de olharmos além do cinema 'mainstream'. Produzido pela equipe criativa do The Lonely Island, Andy Samberg inclusive faz uma ponta na trama, o longa comandado pelo novato Dave McCary (diretor de alguns episódios da original série de vídeos para o youtube Epic Rap Battles of History) esbanja criatividade ao narrar o peculiar processo de ressocialização de um jovem após quase três décadas mantido pelos seus sequestradores num cativeiro. 

No embalo da cativante performance de Kyle Mooney, adorável como um adulto ingênuo aficionado por uma excêntrica série de TV educativa criado pelo seu "pai" (Mark Hamill, fantástico) durante o período no cativeiro, o longa é cuidadoso estabelecer a complexa relação entre James e o influente Brigsby. Com sinceridade e muito afeto, Dave McCary mostra perspicácia ao, através da inusitada relação do protagonista com um mundo de fantasia que só ele conhecia, estabelecer os seus conflitos, o tamanho do estrago feito pelos sequestradores e a sua vulnerabilidade no mundo externo. Estamos diante de um homem de vinte e cinco anos que, durante toda a sua vida, cresceu acreditando que aquele seria o único programa de TV do mundo e se baseando nas lições ali contidas para desenvolver a sua identidade\personalidade. 


O mais legal, entretanto, é que o argumento surpreende ao não tratar este estreito vínculo de maneira completamente amarga. Por mais que, num primeiro momento, Dave McCary preze pelo realismo ao traduzir o despreparo social de James, aos poucos o longa surpreende ao valorizar os efeitos positivos da série de TV. Sem nunca soar condescendente com os sequestradores, o roteiro é delicado ao realçar as boas intenções por trás do criador da série. Embora o ato em questão seja atroz, a partir da sua distorcida lógica ele tenta passar algo para o seu "filho", criar um mundo mágico que pudesse de alguma forma compensar tudo aquilo que lhe foi tomado. É aqui, aliás, que As Aventuras de Brigsy Bear realmente encanta. Ao tratar a fantasia como um refúgio, como um sopro de esperança em meio a dureza da vida real, McCary usa esta singular premissa para homenagear a sua arte. 


Apesar do estranhamento inicial causado pelo show, uma produção artesanal com a cara dos anos 1980, o diretor mostra propriedade ao construir este inusitado mundo em que ursinho animatrônico era o herói, criando uma série realmente capaz de fisgar a atenção do público. O que, indiscutivelmente, se torna um agente catalisador da história, principalmente quando James resolve reunir os amigos da sua irmã (Ryan Simpkins, ótima) para finalizar o show que cresceu assistindo. Numa ode ao "faça você mesmo", Dave McCary enche a tela de sentimento e de um revigorante senso de cumplicidade ao solidificar os novos laços do protagonista, ao narrar a sua jornada em busca das repostas que precisava para seguir em frente, tratando a realização do filme como uma espécie de fim de ciclo. Extraindo o máximo do eclético elenco, com destaque para Jorge Lendeborg Jr. (Com Amor, Simon), compreensivo como o amigo entusiasmado pela ideia de rodar um longa, e para Greg Kinnear (Pequena Miss Sunshine), empático na pele de um detetive de bom coração, o realizador transita habilmente entre o lúdico e o real ao desenvolver o agridoce processo de adaptação do protagonista, preenchendo a trama com sequências ora cômicas e descoladas, ora densas e comoventes. 


Influenciado por títulos como O Quarto de Jack (2015), As Aventuras de Brigsby Bear é uma obra particular. Uma película leve e ao mesmo tempo profunda, doce e ao mesmo tempo estranha, triste e ao mesmo tempo engraçada. Um relato reconfortante e positivamente esquisito sobre um jovem adulto que, após ter o direito de viver as experiências de parte da sua vida tomados, decidiu revisitar o mundo da fantasia uma última vez na tentativa de encontrar a força\inspiração necessária para abraçar a nova realidade em que estava inserido.

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