No papel, Fim do Mundo tinha
todos os ingredientes necessários para funcionar. Um ‘plot’ do tipo “crianças
vs mundo” que tem feito muito sucesso em títulos recentes como Super 8 (2011),
Ataque ao Prédio (2011), It: A Coisa (2017) e (claro!) Stranger Things. Um
elenco diversificado e carismático. Uma janela de exibição do porte da Netflix.
O resultado, porém, é uma verdadeira bagunça visual e narrativa que se escora
basicamente no humor carregado de referências pop e na genuína energia juvenil
impressa pelos protagonistas. Sob a confusa batuta do diretor McG (As
Panteras), num dos piores trabalhos da sua irregular filmografia, Rim of The
World (no original) se revela uma aventura com seríssimos problemas de tom,
efeitos digitais dolorosamente artificiais e um argumento incapaz de sustentar
as pretensões narrativas do diretor. Nunca pensei que fosse escrever isso, mas
os incontáveis clichês e as conveniências narrativas são o menor dos problemas
aqui.
Na verdade, O Fim do Mundo é o
tipo de produção com um quê esquizofrênico que mira em muitos alvos, mas acerta
em bem poucos. Talvez com receio em ser apenas mais um título de um subgênero
que, lá atrás, consagrou clássicos modernos como E.T, Os Goonies, Deu a Louca
nos Monstros e Os Garotos Perdidos, McG arrisca ao tentar ir além das (baixas)
expectativas em torno do projeto. E falha retumbantemente. Logo nos primeiros
minutos de projeção, por exemplo, o roteiro assinado por Zack Stentz (dos
bem-sucedidos Thor e X-Men: Primeira Classe) surpreende ao flertar com
elementos satíricos enquanto estabelece a rotina dos protagonistas num
acampamento de verão. Confesso que custei a entender a “brincadeira” com os
estereótipos raciais, a idiotização dos adultos e o “namoro” com um humor mais
ácido. Uma opção inicialmente corajosa e que garante algumas boas risadas. O
‘insight’ racial sobre Toy Story, em especial, é impagável. Não demora muito,
porém, para o filme romper com esta proposta. Quando os adultos “saem” de cena
e a invasão alienígena ganha corpo, McG sacrifica esse sopro de originalidade
em detrimento de uma abordagem genérica e que (pior!) se leva a sério demais.
Por mais que o humor referencial
siga vigorando ao longo da película, ora com inspiração (a cativante sequência
da bicicleta remete espertamente a E.T: O Extraterrestre), ora de maneira
forçada (até O Urso de Werner Herzog é citato), Fim do Mundo começa a frustrar à
medida que não se contenta em ser apenas uma aventura escapista. Com uma
superficialidade constrangedora, McG esbarra nas suas próprias pretensões ao
tentar criar um ‘background’ dramático para cada um dos protagonistas. O
resultado é um show de clichês piegas que nunca convence. Tudo é muito
previsível. Muito antecipável. Embora o entrosamento entre os garotos seja natural,
o longa pisa diversas vezes no freio do entretenimento ao tentar criar um
contexto que bem pouco tem a acrescentar a jornada dos personagens. Em It: A
Coisa, por exemplo, o diretor Andy Muschietti, fiel ao texto de Stephen King, preenche
a trama com temas sérios, com conflitos pessoais que, mais a frente, seriam tratador
com a devida complexidade pelo roteiro. Aqui não. Quem se importa se o tímido
jovem Alex (Jack Gore) perdeu o pai de maneira trágica. Ou se o verborrágico
riquinho Dariush (Benjamin Flores Jr.) está prestes a ter que mudar o seu
estilo de vida. São dilemas que, tratados de forma rasa, pouco acrescentam a
jornada dos personagens. Gente, isso é um filme de crianças versus alienígenas.
Eles só tinham que correr, reagir, discutir e arrancar boas risadas durante
esta jornada. Sempre que possível, no entanto, McG pesa a mão na tentativa de
criar sequências lacrimosas, de vender uma proposta “filme família” que só
torna as coisas mais quadradas e insossas. O que, por sinal, é uma pena, até
porque, nos momentos em que abraça o escapismo sem grande vergonha, o resultado
é satisfatório devido a facilidade do elenco em encarar o viés cômico proposto
pelo roteiro e a capacidade de McG em criar situações capazes de estreitar os
laços entre os personagens.
Os grosseiros defeitos de Fim do
Mundo, no entanto, não ficam reduzidos ao aspecto narrativo. Consciente das
limitações orçamentárias, mas com grandes ambições, McG investe num conjunto
visual igualmente problemático. Na tentativa de “distrair” a atenção do público
para o (em sua maioria) terrível CGI, o realizador muda constantemente a
palheta de cores da obra, escurecendo muitas das cenas com filtros ora
avermelhados, ora azulados. Uma mistura nada inspirada de Perdido em Marte com
John Wick. Toda a sequência da invasão alienígena, por exemplo, é de uma
confusão estética desconfortável, potencializada pela genérica fotografia saturada
de Shane Hurlbut. Em muitos momentos um segmento do longa não parece dialogar
visualmente com o próximo. Curiosamente, porém, o conceito estético da
indestrutível criatura alienígena é interessante e ela ameaça. Talvez o lampejo
de assinatura numa obra um tanto quanto desleixada. Recheada de soluções
convenientes, vide o bizarro desmaia\acorda de Dariush dentro do clímax, e com
uma das mais constrangedoras propagandas comerciais da história recente do
cinema, O Fim do Mundo decepciona por não abraçar aquilo que poderia
transformá-lo numa experiência genuinamente divertida. Mesmo diante de alguns
óbvios predicados, McG descaracteriza o longa ao esvaziar o potencial “filme B”
do projeto, renegando o descompromisso proposto pelo subgênero ao falhar em
capturar a essência de alguns dos inúmeros filmes aqui reverenciados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário