sábado, 13 de abril de 2019

Fugindo do Hype | Bumblebee

Um blockbuster com coração

Nostálgico, encantador e genuinamente divertido, Bumblebee trouxe vida inteligente ao universo Transformers. Sob a cativante batuta de Travis Knight, do igualmente excelente Kubo e as Cordas Mágicas, o longa resgata a lucrativa franquia da Hasbro de um limbo criativo ao mostrar que nem tudo precisa ficar reduzido ao megalomaníaco confronto entre Autobots e Decepticon. Com algo de novo a contar, Knight faz jus a atmosfera oitentista ao reciclar a velha fórmula dos “filmes família”, reduzindo drasticamente (ufa!) o escopo da saga ao investir todas as suas fichas numa revigorante história de amizade entre uma menina castigada pela vida e o seu afetuoso carro alienígena. E isso (outra vez ufa!) livre dos maneirismos do cinema de Michael Bay. O resultado é um blockbuster com coração, um filme sincero capaz de reacender a chama de uma popular franquia impiedosamente deteriorada nas últimas décadas por uma indústria sedenta pelo lucro fácil. 


Entender o sucesso de Bumblebee é bem fácil. O que Travis Knight fez, em primeiro lugar, foi se distanciar ao máximo do que vinha sendo produzido dentro da saga nos últimos anos. A ideia, aqui, nunca foi entregar uma continuação genérica. Ou um filme de origem caça-níquel. Alguém precisava resgatar a essência da série animada. Transformers precisava retornar as suas origens. Consciente disso, Knight nos deu a chance de ver isso acontecer. E o fez com uma dose de cuidado e respeito capaz de nos permitir recordar de alguns verdadeiros clássicos da nossa infância. Por mais que a trama se inicie em Cybertron e situe o espectador quanto a guerra no planeta dos Autobots, o realizador se afasta ao máximo do frenesi do cinema de ação ao se encantar pela face mais terna da sua história. Na reconfortante história de amizade entre Bumblebee, um robô sem voz e memória após ser vítima de um ataque decepticon, e Charlie (Hailee Stenfield), uma jovem abatida às avessas com a precoce morte do seu querido pai. É indiscutível que os melhores momentos do longa estão na disfuncional interação entre os dois. Influenciado por títulos como E.T: O Extraterrestre (1981) e Gigante de Ferro (1999), Knight segue com maestria a cartilha do subgênero ao estreitar os laços dos dois à medida que ambos passam a se conhecer mais. Indo bem além do humor, as sequências do desastrado robô dentro da casa são engraçadíssimas, o argumento assinado por Christina Hodson esbanja sensibilidade e presença de espírito dar voz aos dilemas dos dois personagens, ao não usar os conflitos deles como uma mera desculpa narrativa. Algo que se torna decisivo no momento em que o vínculo entre os dois é ameaçado por um brutalizado militar (John Cena) e uma dupla de nefastos decepticons.


Se o coração de Bumblebee está na sua história de amizade, potencializada pela genuína performance de Hailee Stenfield, o charme obviamente está na refrescante aura oitentista. Numa opção perspicaz, Travis Knight acerta ao situar a trama deste filme de origem num cenário que remete as origens da série Transformers. Os anos 80, aqui, são quase um personagem. O cenário é de uma riqueza imersiva ímpar. A eclética trilha sonora é explorada com muita originalidade nas mãos do realizador. O visual multicolorido da época dita o tom vibrante da convidativa fotografia de Enrique Chediak (127 Horas). Uma particular ‘vibe’ nostálgica que, em tempos de Stranger Things e IT: A Coisa, se torna mais um dos trunfos da produção. Indo de Bon Jovi à Alf: O Eteimoso, de Sam Cooke a Clube dos Cinco, de The Smits ao jogo Pong, Knight verdadeiramente nos coloca num reconhecível cenário oitentista, encontrando nele o pano de fundo perfeito para a construção da “grande confusão” em que a sua protagonista se mete.


Em alguns momentos, na verdade, parece que estamos diante de uma produção da época com efeitos visuais atuais, tamanha a honestidade com que o diretor invade este despretensioso subgênero. Como não elogiar, por exemplo, o magnífico segundo ato de Bumblebee, quando, com completo pulso narrativo, Travis Knight praticamente suspende o senso de ameaça ao se render ao aspecto lúdico, a divertida construção dos laços entre o autobot e Charlie. Longe de ser um apêndice, as peripécias da dupla de amigos rendem situações ora hilárias e empolgantes, ora densas e comoventes, agregando valor ao longa devido a perspicácia com que o realizador olha para esses momentos. Nas sequências mais íntimas, por exemplo, ele esbanja delicadeza, explorando com virtuosismo as noções de escala ao posicionar os personagens num mesmo patamar dramático. A relação entre os dois é mais física, palpável, afetuosa. Bee está longe de ser o gigante descolado dos últimos quatro filmes. Devido ao seu mal funcionamento, ele surge aqui mais frágil, acuado, quase como uma criança. Já nas cenas abertas, Knight retira o pé do freio ao investir pesado no senso de entretenimento, na diversão puramente escapista, o que fica bem claro na fantástica perseguição dentro do túnel. Um daqueles momentos originais que há muito não se via dentro da franquia.


Um predicado que, mais uma vez, merece ir para conta de Travis Knight. Oriundo do mundo da animação e trazendo na bagagem a experiência no stop-motion, o realizador não titubeia em imprimir a sua visão sobre este saturado produto. Mais do que simplesmente redimensionar os personagens, que, embora sigam imponentes, já não são mais tão gigantescos assim, Knight preza pela fisicalidade deles. Fiel aos traços da animação clássica, ele investe pesado na expressão dos personagens, no senso de mobilidade deles, tornando tudo muito mais claro aos olhos do público. Esqueça, portanto, as explosivas batalhas, a confusão visual, o choque de criaturas robóticas. Tudo aqui tem mais peso. Mais vida. Para os fãs mais crescidos, a sequência em Cybertron deve soar como uma verdadeira homenagem ao material fonte. Somado a isso, nos momentos mais íntimos, Knight capricha no desenvolvimento\captura da expressividade de Bee. Os ternos e grandes olhos azuis do robô, na verdade, trazem um senso de humanidade ao protagonista nunca antes visto dentro da franquia, algo que se torna decisivo na construção das passagens mais dramáticas da obra. Knight, aliás, investe em planos\enquadramentos dignos de moldura, tornando tudo muito plástico aos olhos do público.


Uma aventura gratificante (e reconfortante) em tantos sentidos, Bumblebee revigora uma franquia praticamente destruída com inocência, leveza e muito carisma. Um belo respiro. Embora narrativamente formulaico (e por vezes conveniente), o longa valoriza como poucos a nostálgica aura ‘feel good’ ao valorizar a pureza da amizade em detrimento da banalização da ação. Sem medo de errar, Bumblebee está para a franquia Transformers, assim como Estrada da Fúria está para a trilogia Mad Max. Um filme capaz de revitalizar o estado das coisas dentro da saga. Um filme que, definitivamente, não precisa do ‘hype’ seguir agradando.

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