Você conhece o The Asylum? Foi
com essa pergunta que eu iniciei um pequeno artigo sobre esta peculiar pequena
produtora de cinema dos EUA. Ao longo dos últimos anos, esta infame companhia
ganhou relativa popularidade com os seus ‘mockbusters’. Obras de baixíssimo
orçamento, os populares filmes B, sem um pingo de vergonha em copiar\replicar o tema de alguns dos mais populares blockbusters produzidos em Hollywood. Numa época em
que o streaming ainda era para poucos, o The Asylum pegou muitos desavisados de
plantão de surpresa com títulos como War of The Worlds (2005), Transmorphers (2007),
Sunday School Musical (2008). As referências são óbvias. Enquanto os grandes
estúdios lançavam os gigantescos O Hobbit (2012) e Círculo de Fogo (2013) nos
cinemas, o The Asylum lançava Age of The Hobbits (2012) e Atlantic Rym (2013)
no mercado ‘home-vídeo’. Recentemente, por exemplo, a nova pérola deles foi
Sinister Squad (2016), uma versão ‘mockbuster’ (e provavelmente tão frustrante
quanto) de Esquadrão Suicida (2016). Mesmo com o ‘boom’ das franquias Sharknado
e Mega Shark, essas pérolas toscas também são de autoria deles, a produtora
segue aprontando das suas, mas sem causar o mesmo “estrago” junto ao espectador
mais distraído. E por que eu decidi falar sobre o The Asylum nesta crítica? A
resposta é simples. The Silence nada mais é do que a versão ‘mockbuster’ do ‘hit’
Um Lugar Silencioso. Um thriller apocalíptico genérico repleto de oportunidades
perdidas que se sustenta basicamente no ‘hype’ criado pelo suspense sensorial
estrelado por John Krasinski e Emily Blunt.
Com isso, porém, não quero dizer
que o longa dirigido por John R. Leonetti (Anabelle) merece ser comparado com
as produções do The Asylum. Existe valor de produção aqui, rostos famosos, um
fiapo de trama que nos seus melhores momentos consegue causar alguma tensão. Em
outras palavras, embora o baixo orçamento fique claro, o aporte financeiro da
Netflix permitiu ao realizador entregar algo minimamente aceitável. Uma obra
que, verdade seja dita, poderia ser bem mais divertida se Leonetti não se
envergonhasse tanto em pilotar um produto totalmente derivado. Para um filme b,
The Silence se leva a sério demais. Com roteiro assinado por Carey Van Dyke e
Shane Van Dyke, que, ora ora, trabalharam para o The Asylum em títulos como The
Day The Earth Stopped (2008), o longa frustra ao acreditar que era capaz de
entregar algo semelhante ao seu “primo rico”. Sem um pingo de constrangimento em
reciclar alguns dos principais elementos de Um Lugar Silencioso, The Silence
flerta com o plágio ao narrar as desventuras de uma família comum, com uma
filha deficiente auditiva (vivida pela talentosa Kiernan Shipka), perseguida por
agressivas criaturas extremamente sensíveis a qualquer ruído. Você já viu isso
antes, né? Diferentemente, por exemplo, de Bird Box, que soube reaproveitar
este ‘plot’ sensorial para construir algo (gostem ou não do filme) novo, The
Silence simplesmente aposta num “copia e cola” sem grandes virtudes e incapaz
de enxergar os seus próprios predicados.
Sim meus amigos, até péssimos
filmes podem ter os seus méritos. E, sinceramente, The Silence não é tão
horroroso assim. O problema é que falta ao longa coragem para caminhar com as
suas próprias pernas. O que, a rigor, diz muito sobre o trabalho de John R.
Leonetti. Enquanto diretor de fotografia, o realizador construiu uma
filmografia sólida, se tornando peça importante em títulos do porte de O
Máskara (1994), O Escorpião Rei (2002), Sobrenatural (2010) e Invocação do Mal
(2013). Quando decide assumir o barco sozinho, entretanto, o nível dos seus
trabalhos cai drasticamente, culminando em películas fraquíssimas do nível de Mortal
Kombat: Aniquilação (1997) e Efeito Borboleta 2 (2006). Além da recorrente carência de originalidade das suas produções, Leonetti peca pela falta de pulso em The Silence,
subaproveitando algumas situações enervantes em função das suas evidentes
limitações artísticas. A sequência do túnel, em especial, sintetiza o que estou
querendo dizer. Nela, acuados num trem abandonado, um grupo de sobreviventes se
mantém em completo silêncio à espera de ajuda. Um ruído e todos poderiam ser
devorados vivos. Repentinamente, um bebê começa a chorar estridentemente. Que
cenário, não? O resultado desta cena, porém, é de uma frouxidão sem tamanho e
diz muito sobre a ineficiência do longa em explorar o seu melhor: as sedentas
criaturas voadoras.
Ao contrário de Um Lugar Silencioso, impecável ao valorizar
o terror sensorial em detrimento do horror gráfico, John R. Leonetti opta por tornar a
sua ameaça mais presente. O que era para ser uma espécie de Pássaros (1963) versão
turbinada, porém, nunca consegue causar o efeito esperado devido a incapacidade do
realizador em tirar proveito do ‘gore’ envolvendo os viscerais ataques das
criaturas. Por mais que a cuidadosa direção de arte consiga até criar alguns
cenários asquerosos, a cena da farmácia é bem legal, Leonetti renega a tradição
dos filmes B ao - volto a frisar - tentar reproduzir algo que boa parte do
público já viu. E isso sem a tensão, o virtuosismo estético e inventividade de
John Krasinski em criar momentos genuinamente angustiantes. Talvez o sopro de “novidade”,
aqui, fique pela figura do reverendo ‘creep’ vivido por Billy MacLellan, um personagem que,
embora não agregue tanto a rasa crítica religiosa proposta pelo longa, funciona
enquanto ameaça. A sua nefasta presença, inclusive, eleva o patamar do terço
final como um todo, principalmente pela sagacidade do realizador em
(finalmente) usar o silêncio auto imposto à serviço da trama. Uma pena que,
mais uma vez, a falta de ideias de Leonetti seja tão evidente dentro repentino clímax, que decepciona ao reduzir tudo a um embate PG-13.
Com um elenco talentoso, mas
perdido em cena, um argumento recheado de conveniências narrativas, um enredo sem nada de novo para oferecer e algumas poucas
virtudes estéticas, The Silence fatalmente seria mais divertido se tivesse
seguido à risca a fórmula The Asylum. Falta despretensão, tosquice, uma dose a
mais de humor (a cena do isqueiro não me deixa mentir) e principalmente
consciência por parte da equipe criativa (risos) em se aceitar com parte da produção de um filme b desavergonhado. Na verdade, ao se levar a sério demais,
John R. Leonetti só reforça a nossa impressão que estamos diante de um derivado
com pouco a entregar no que diz respeito a tensão, sustos e terror. Um trash higiênico.
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