quinta-feira, 11 de abril de 2019

Crítica | The Silence

Um filme b com vergonha das suas raízes

Você conhece o The Asylum? Foi com essa pergunta que eu iniciei um pequeno artigo sobre esta peculiar pequena produtora de cinema dos EUA. Ao longo dos últimos anos, esta infame companhia ganhou relativa popularidade com os seus ‘mockbusters’. Obras de baixíssimo orçamento, os populares filmes B, sem um pingo de vergonha em copiar\replicar o tema de alguns dos mais populares blockbusters produzidos em Hollywood. Numa época em que o streaming ainda era para poucos, o The Asylum pegou muitos desavisados de plantão de surpresa com títulos como War of The Worlds (2005), Transmorphers (2007), Sunday School Musical (2008). As referências são óbvias. Enquanto os grandes estúdios lançavam os gigantescos O Hobbit (2012) e Círculo de Fogo (2013) nos cinemas, o The Asylum lançava Age of The Hobbits (2012) e Atlantic Rym (2013) no mercado ‘home-vídeo’. Recentemente, por exemplo, a nova pérola deles foi Sinister Squad (2016), uma versão ‘mockbuster’ (e provavelmente tão frustrante quanto) de Esquadrão Suicida (2016). Mesmo com o ‘boom’ das franquias Sharknado e Mega Shark, essas pérolas toscas também são de autoria deles, a produtora segue aprontando das suas, mas sem causar o mesmo “estrago” junto ao espectador mais distraído. E por que eu decidi falar sobre o The Asylum nesta crítica? A resposta é simples. The Silence nada mais é do que a versão ‘mockbuster’ do ‘hit’ Um Lugar Silencioso. Um thriller apocalíptico genérico repleto de oportunidades perdidas que se sustenta basicamente no ‘hype’ criado pelo suspense sensorial estrelado por John Krasinski e Emily Blunt. 



Com isso, porém, não quero dizer que o longa dirigido por John R. Leonetti (Anabelle) merece ser comparado com as produções do The Asylum. Existe valor de produção aqui, rostos famosos, um fiapo de trama que nos seus melhores momentos consegue causar alguma tensão. Em outras palavras, embora o baixo orçamento fique claro, o aporte financeiro da Netflix permitiu ao realizador entregar algo minimamente aceitável. Uma obra que, verdade seja dita, poderia ser bem mais divertida se Leonetti não se envergonhasse tanto em pilotar um produto totalmente derivado. Para um filme b, The Silence se leva a sério demais. Com roteiro assinado por Carey Van Dyke e Shane Van Dyke, que, ora ora, trabalharam para o The Asylum em títulos como The Day The Earth Stopped (2008), o longa frustra ao acreditar que era capaz de entregar algo semelhante ao seu “primo rico”. Sem um pingo de constrangimento em reciclar alguns dos principais elementos de Um Lugar Silencioso, The Silence flerta com o plágio ao narrar as desventuras de uma família comum, com uma filha deficiente auditiva (vivida pela talentosa Kiernan Shipka), perseguida por agressivas criaturas extremamente sensíveis a qualquer ruído. Você já viu isso antes, né? Diferentemente, por exemplo, de Bird Box, que soube reaproveitar este ‘plot’ sensorial para construir algo (gostem ou não do filme) novo, The Silence simplesmente aposta num “copia e cola” sem grandes virtudes e incapaz de enxergar os seus próprios predicados.


Sim meus amigos, até péssimos filmes podem ter os seus méritos. E, sinceramente, The Silence não é tão horroroso assim. O problema é que falta ao longa coragem para caminhar com as suas próprias pernas. O que, a rigor, diz muito sobre o trabalho de John R. Leonetti. Enquanto diretor de fotografia, o realizador construiu uma filmografia sólida, se tornando peça importante em títulos do porte de O Máskara (1994), O Escorpião Rei (2002), Sobrenatural (2010) e Invocação do Mal (2013). Quando decide assumir o barco sozinho, entretanto, o nível dos seus trabalhos cai drasticamente, culminando em películas fraquíssimas do nível de Mortal Kombat: Aniquilação (1997) e Efeito Borboleta 2 (2006). Além da recorrente carência de originalidade das suas produções, Leonetti peca pela falta de pulso em The Silence, subaproveitando algumas situações enervantes em função das suas evidentes limitações artísticas. A sequência do túnel, em especial, sintetiza o que estou querendo dizer. Nela, acuados num trem abandonado, um grupo de sobreviventes se mantém em completo silêncio à espera de ajuda. Um ruído e todos poderiam ser devorados vivos. Repentinamente, um bebê começa a chorar estridentemente. Que cenário, não? O resultado desta cena, porém, é de uma frouxidão sem tamanho e diz muito sobre a ineficiência do longa em explorar o seu melhor: as sedentas criaturas voadoras. 


Ao contrário de Um Lugar Silencioso, impecável ao valorizar o terror sensorial em detrimento do horror gráfico, John R. Leonetti opta por tornar a sua ameaça mais presente. O que era para ser uma espécie de Pássaros (1963) versão turbinada, porém, nunca consegue causar o efeito esperado devido a incapacidade do realizador em tirar proveito do ‘gore’ envolvendo os viscerais ataques das criaturas. Por mais que a cuidadosa direção de arte consiga até criar alguns cenários asquerosos, a cena da farmácia é bem legal, Leonetti renega a tradição dos filmes B ao - volto a frisar - tentar reproduzir algo que boa parte do público já viu. E isso sem a tensão, o virtuosismo estético e inventividade de John Krasinski em criar momentos genuinamente angustiantes. Talvez o sopro de “novidade”, aqui, fique pela figura do reverendo ‘creep’ vivido por Billy MacLellan, um personagem que, embora não agregue tanto a rasa crítica religiosa proposta pelo longa, funciona enquanto ameaça. A sua nefasta presença, inclusive, eleva o patamar do terço final como um todo, principalmente pela sagacidade do realizador em (finalmente) usar o silêncio auto imposto à serviço da trama. Uma pena que, mais uma vez, a falta de ideias de Leonetti seja tão evidente dentro repentino clímax, que decepciona ao reduzir tudo a um embate PG-13.


Com um elenco talentoso, mas perdido em cena, um argumento recheado de conveniências narrativas, um enredo sem nada de novo para oferecer e algumas poucas virtudes estéticas, The Silence fatalmente seria mais divertido se tivesse seguido à risca a fórmula The Asylum. Falta despretensão, tosquice, uma dose a mais de humor (a cena do isqueiro não me deixa mentir) e principalmente consciência por parte da equipe criativa (risos) em se aceitar com parte da produção de um filme b desavergonhado. Na verdade, ao se levar a sério demais, John R. Leonetti só reforça a nossa impressão que estamos diante de um derivado com pouco a entregar no que diz respeito a tensão, sustos e terror. Um trash higiênico. 

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