terça-feira, 23 de outubro de 2018

O Herói (2017)

O fim ou o reinício? 

Vocês já repararam um negócio? Há pelo menos quatro décadas o talentoso ator Sam Elliott tem se consagrado com o papel do veterano em grandes produções de Hollywood. Hoje, do alto dos seus 74 anos, seria natural que ele assumisse esse popular tipo. Mas, desde o final da década de 1980, Elliott tem se revelado "velho" o bastante para dar vida a tipos geralmente sábios e experimentados pela vida. Lá em 1989, por exemplo, do alto dos seus 44 anos, ele ganhou o seu primeiro grande papel de mentor ao viver o "leão de chácara" Wade Garrett no 'cult' Matador de Aluguel. Com o seu marcante bigode, o seu grave vozeirão e a sua imutável fisionomia, Elliot seguiu como a voz da experiência ao viver o intenso Virgin Earp em Tombstone: A Justiça Está Chegando (1993), como o general Ross na primeira versão digitalizada do Hulk (2003), como o Cavaleiro Fantasma em O Motoqueiro Fantasma (2007), como o comandante Finch do excelente Amor Sem Escalas (2009), como o técnico Moore do envolvente A Grande Escolha (2014) e mais recentemente como o empresário Bobby no elogiadíssimo Nasce uma Estrela (2018). Ele é um tipo de ator raro, daqueles que confere prestígio às suas obras e peso aos seus personagens mesmo quando está longe dos holofotes do protagonismo. 


Nem só deste popular arquétipo, porém, vive Sam Eliott. O que fica claro, em especial, no recente e subestimado O Herói. Um relato íntimo sobre um veterano astro do Western que, após ver os seus dias de glória se perderem, precisa correr atrás do tempo perdido ao descobrir que está doente, o longa dirigido e roteirizado por Brett Haley (Reaprendendo a Amar) comove ao se encantar pela face mais errática de um homem que acreditava já ter experimentado de tudo nesta vida. Embora, a rigor, esta premissa esteja longe de ser original, filmes como Coração Louco (2009), Não Olhe para Trás (2015) e o fantástico Lucky (2017) seguiram um caminho semelhante, o drama envolve pela sinceridade com que desconstrói o rótulo estrelar do seu protagonista. Na pele do respeitado Lee Hayden, um ator que, embora tenha feito muito sucesso nos anos 1970 e 1980, foi sendo "gradativamente" esquecido pela indústria, Sam Eliott entrega uma performance impactante, transmitindo no seu sensibilizado olhar, na sua fala mansa e nas suas conflitantes expressões o misto de serenidade, resignação e frustração que tomou conta da sua tranquila rotina após esta descoberta. 


Num cuidadoso estudo de personagem, Brett Haley é cuidadoso ao investigar pouco a pouco as nuances íntimas do "herói", ao se encantar tanto pelo seu virtuosismo e carisma, quando pelas suas falhas e erros passados. Sem nunca se torna didático demais, é interessante ver como o argumento traduz alguns dos males da profissão ator, usando esta dolorosa notícia como o agente catalisador para uma reflexão mais ampla acerca das suas relações pessoais, em especial com a sua distante filha (Krysten Ritter, num trabalho pontual e emotivo). No momento em que passa a enxergar o fim de perto, Lee decide reaquecer uma chama que já havia se apagado, um arco cativante potencializado pela estonteante personagem vivida por Laura Peppon (Orange is the New Black). Muito mais do que um conveniente interesse romântico, ela surge como um improvável ombro amigo, uma mulher mais jovem "fisgada" por um homem inabalável por fora, mas que carregava no olhar a tristeza de alguém que via a sua existência ameaçada. 


Por mais que, narrativamente, o longa siga um caminho bem formulaico, Haley compensa ao realmente acreditar no sentimento dos seus personagens, ao dar o espaço necessário para que possamos compartilhar tanto da dor, quanto da esperança do protagonista, nos presenteando com sequências de rara intimidade e momentos genuinamente emocionantes. Como não citar, por exemplo, o take em que Lee vê ficção e realidade se misturarem numa simples "leitura" de um script com um amigo, uma cena memorável por capturar a essência do trabalho do ator com enorme propriedade. Um show de Sam Elliott. Por falar nisso, o argumento é igualmente perspicaz ao trazer o mundo do showbiz para o centro da trama. A partir da perspectiva deste velho astro do faroeste, a película é cuidadosa ao escancarar não só o sentimento de gratidão do protagonista para àqueles que o transformaram num sucesso, como também as agruras do homem por trás dos holofotes, preenchendo a trama com diálogos singelos e extremamente honestos sobre o bônus e o ônus desta profissão. 


Somado a isso, o diretor é particularmente inteligente ao traduzir o estado do espírito de Lee a partir de "cenas" do grande sucesso da sua carreira, flertando com a metalinguagem ao, através dos sonhos do protagonista, usar a ficção para refletir sobre os seus medos mais pessoais. Um predicado, verdade seja dita, valorizado pela saturada fotografia acalorada do promissor Rob Givens, inspirada ao usar o pôr do sol (um elemento clássico do Western) como um símbolo cada vez mais constante do crepúsculo desta estrela. Um drama íntimo, sensível e sabiamente contido, O Herói fascina ao refletir, a partir do escolado olhar de uma velha estrela do cinema, sobre temas como a disfuncionalidade familiar, a efemeridade da fama e a ameaça da morte com humanidade e uma franqueza revigorante.

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