terça-feira, 7 de agosto de 2018

Minha Primeira Caçada

Unidos por um veado da cauda branca

Um pequeno “respiro” na carreira de Josh Brolin, um ator versátil que, após “roer o osso” por décadas, emplacou em 2018 títulos do porte de Vingadores: Guerra Infinita, Deadpool 2 e Sicario: Dia do Soldado, Minha Primeira Caçada ri das raízes bélicas norte-americanas numa debochada sátira familiar. Sem se levar a sério por um segundo sequer, o longa dirigido por Jody Hill (O Policial Fora de Controle) cativa ao questionar a precocidade infantil, invadindo o terreno dos ‘coming of age movie’ ao se concentrar na disfuncional relação entre um popular caçador de veados brancos e o seu cosmopolita filho. Uma obra simples e genuinamente engraçada que, embora flerte com o sentimentalismo em alguns momentos, consegue contornar os seus problemas graças a capacidade de Josh Brolin, Danny McBride e do surpreendente Montana Jordan em ri de si mesmo.

Com roteiro assinado pelo trio John Carcieri, Danny McBride e pelo próprio Jody Hill, Minha Primeira Caçada é feroz ao debochar do popular arquétipo do ‘redneck’. O homem branco de origem humilde\interiorana e tradicionalista que valoriza a sua “liberdade”, o apreço pelas raízes e a importância dos ritos de passagens. Neste sentido, Buck Ferguson (Josh Brolin) surge como o símbolo desta “classe”. Protagonista de um singular reality show de caça, o rústico homem resolve se reconectar com o seu filho, o comunicativo Jaden (Montana Jordan), o levando para a sua primeira caçada. Entusiasmado com a oportunidade de reestabelecer este elo após o divórcio, Buck é pego de surpresa ao ter que lidar com a precocidade urbana do seu filho, convivendo com a sua rebeldia, a sua falta de tino como caçador e a influência do descolado padrasto (Scoot McNairy) enquanto tenta gravar um novo episódio para a sua série de TV.


Sem medo de apontar a sua mira para as raízes da América, Jody Hill é astuto ao encontrar o humor por trás do ‘modus operandi’ do caçador sem o diminuir perante o público. Embora a sua debochada crítica a prática da caça e a cultura das armas de fogo nos EUA seja cristalina, o realizador consegue fazer do incoerente Buck um tipo gentil e cativante, um homem bem-intencionado que, no seu habitat predileto, decide criar algum tipo de paralelo com o seu filho. No embalo da impagável performance de Josh Brolin, a vontade como um durão vulnerável à procura de admiração, Hill diverte ao explorar o distorcido sendo de maravilhamento do caçador, realçando o fator mais inusitado do seu “ganha-pão” com uma inspirada dose de ironia. A íntima relação entre Buck e o seu câmera, o falastrão Don (Danny McBride), aliás, está entre os pontos altos da trama, principalmente pela forma com que o argumento explora o senso de camaradagem dos dois após anos dedicados às solitárias caçadas.


Na transição para a segunda metade da película, porém, ficou claro que Minha Primeira Caçada não se sustentaria somente no “carão” de Brolin e no universo da caça. Ciente disso, Jody Hill mostra habilidade ao ampliar o escopo da sua sátira, rindo, também, da crescente precocidade juvenil ao mirar no pequeno Jaden e na disfuncional relação entre pai e filho. De longe o personagem mais engraçado da película, o adolescente com problemas amorosos é o porta-voz dos momentos mais inteligentes do texto, principalmente quando Hill coloca expressões tipicamente adultas na boca do arredio moleque. Entre o intransigente e o infantil, o promissor ator rouba a cena com o seu estilo verborrágico, o seu carregado sotaque e o seu maduro senso de humor, se tornando o contraponto perfeito para a figura de Buck. Centrado nas rixas e nas diferenças entre os dois, o realizador é criativo ao extrair o humor tanto da improvável interação entre pai e filho, quanto das inesperadas reações do caçador diante do espevitado Jaden, rindo deste choque de cultura\gerações enquanto reestabelece o sincero elo entre os dois. Quando necessário, entretanto, é legal ver a delicadeza de Hill em abrir pequenas brechas para o drama paternal, esbanjando franqueza ao colocar na mesa os motivos por trás do distanciamento. Numa cena em especial, o diretor dá a Brolin a oportunidade de expor a face mais humana do seu Buck, um momento de vulnerabilidade encarado com peso por este eclético ator. Uma cena de indiscutível beleza, inclusive esteticamente, que mostra o potencial inexplorado do longa. Isso porque, na transição para o escapista desfecho, Hill e os roteiristas se contentam em entregar um clímax aventureiro, abraçando o descompromisso num último ato que, ao menos, segue sem se levar a sério.


Buscando referência em títulos como o clássico Férias Frustradas (1983), Minha Primeira Caçada ri da disfuncionalidade familiar norte-americana ao propor um divertido choque de identidades entre um ‘redneck’ de bom coração e um millenial sedento pela maturidade. Embora subaproveite parte do honesto pano de fundo dramático no terço final, Jody Hill é cuidadoso ao não “caçar” risadas a qualquer custo, valorizando o talento\veia cômica do trio de protagonistas em terreno selvagem enquanto constrói uma simpática história de reconexão entre pai e filho.


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