sexta-feira, 1 de junho de 2018

Ingrid vai para o Oeste

A realidade sem filtros

Numa época em que o número de seguidores praticamente define o nível de popularidade de um indivíduo, em que o número de cliques é frequentemente usado para medir a qualidade de um conteúdo, Ingrid vai para o Oeste surge como uma crônica satírica sobre a superexposta vida de um “influenciador digital”. Embora opte por tratar o tema dentro de um contexto “doentio”, sob a perspectiva de uma jovem frustrada e obsessiva disposta a tudo para experimentar o “estilo de vida” Instagram, o inteligente longa dirigido por Matt Spicer é perspicaz ao dar voz aos “influenciados”, ao mostrar as sequelas da superexposição na rotina daqueles que são capazes de transformar um anônimo numa “celebridade”. Numa análise interessante, o realizador é objetivo ao encurtar os polos, ao questionar o que leva uma pessoa ordinária a conseguir tanto seguidores, refletindo sobre um possível vazio geracional numa comédia positivamente fútil e naturalmente desconfortável. Uma sensação de incômodo potencializada pela irônica performance de Aubrey Plaza, adoravelmente dissimulada na pele de uma mulher comum em busca - por que não? - do seu lugar ao sol. 



Com roteiro assinado pelo próprio Matt Spicer, ao lado de David Branson Smith, Ingrid vai para o Oeste é cuidadoso ao evitar qualquer tipo de generalização. Sem a intenção de construir uma crítica geracional, o longa acerta ao se concentrar no aspecto micro, trocando a pretensão pelo deboche ao expor as contradições por trás do ensolarado estilo de vida frequentemente propagado nas páginas do Instagram. Afinal de contas, o que impede um anônimo de se transformar num “influenciador digital”¿ Beleza¿ Carisma¿ Influência¿ Amizades¿ Com base nesta “dúvida”, Spicer narra a trajetória de Ingrid (Aubrey Plaza), uma jovem desequilibrada que, após a perda da mãe e um surto de raiva, é obrigada a se internar numa clínica de reabilitação. Após um período refletindo sobre os seus erros, ela ganha alta médica e volta a sua solitária rotina. Entre curtidas aleatórias e lágrimas de frustração, Ingrid se enche de vigor no momento em que “conhece” a popular influenciadora Taylor Sloane (Elizabeth Olsen), uma mulher radiante que no seu perfil do Instagram não se cansava de divulgar o seu estilo de alimentação, os seus livros e filmes prediletos, a sua rotina de compras e os “bastidores” do seu casamento feliz com o pintor Ezra O'Keefe (Wyatt Russell). Movida pelo impulso, ela decide pegar a sua herança, os seus poucos pertences e se mudar para a Califórnia, cidade em que Taylor morava. Disposta a conseguir um contato com a influenciadora, Ingrid decide seguir os seus passos através do Instagram, sem saber que desta “relação” nasceria um vínculo tão frágil quanto a sua estabilidade emocional. 


Muito mais do que um precioso retrato comportamental sobre um grupo de jovens movidos por curtidas, postagens vazias e elos precoces, Ingrid vai para o Oeste envolve ao mostrar a triste realidade de uma jovem mulher oprimida pela idealização da vida perfeita. Com propriedade, é interessante ver como Matt Spicer trata a rotina de Taylor como uma espécie de negócio, expondo através dela não só as incoerências, como também a sua falsa noção de afeto. Longe de ser uma antagonista, a “influenciadora” surge como um produto deste meio, um tipo magnético que esconde nas suas atitudes uma verdade que as postagens do Instagram insistiam em não revelar. Transitando entre o drama e a comédia com categoria, o realizador é cuidadoso ao mostrar a realidade por trás de Taylor, questionando a nossa perspectiva sobre ela à medida que, tal qual Ingrid, a conhecemos melhor e enxergamos o quão seletiva é a sua superexposição. Embora este não seja o foco do longa, o argumento é astuto ao duvidar da veracidade por trás deste estilo de vida, por trás das postagens, por trás desta imagem “vendida” no Instagram. O longa, porém, não parece interessado em criticar pura e simplesmente a realidade e a função dos influenciadores. Na verdade, Spicer decide tentar desmistifica-los, trata-los como indivíduos comuns, com falhas e problemas, questionando, ai sim, os motivos que levam pessoas igualmente ordinárias a transforma-los em figuras populares. Em homens e mulheres capazes de construir uma fortuna e se tornar um modelo de inspiração graças, basicamente, ao seu número de seguidores.


Até em cima disso, aliás, o grande diferencial de Ingrid vai para o Oeste não está nesta irônica crônica sobre a superexposição digital, mas na perspicácia de Matt Spicer em diluir a linha entre "protagonistas" e "antagonistas", entre influenciadores e o influenciados. Por mais que Taylor possa ser a grande vítima da história, o argumento faz questão de frisar que ela pertence ao mesmo mundo de Ingrid. Esta última, entretanto, está longe de ser a “mocinha” da história. Embora esteja no centro da trama, Ingrid se revela o tipo mais positivamente problemático da trama. Uma mulher influenciável, imatura, disposta a tudo para experimentar os prazeres do estilo de vida divulgado pelas redes sociais. Ao contrário de Taylor, porém, ela não o faz por interesses, por dinheiro, ou pela fama em si. Ela o faz por carência. Por solidão. Entre o desconforto e a ternura, Spicer é delicado ao mostrar tanto a Ingrid inocentemente inconsequente, quanto a Ingrid afetuosa e honesta, permitindo que o público ria das suas trapalhadas, se comova com a sua “fidelidade”, se assuste com a sua distorcida lógica. O foco, aqui, está na face doentia da obsessão. Da busca por algo que não é seu. De uma verdade que não é sua. Neste sentido, Aubrey Plaza comove ao criar uma mulher ao mesmo tempo frágil e ameaçadora, transitando entre o tipo dócil e o ferino com bom humor e uma convincente dose de insanidade. Do outro lado da moeda, Elizabeth Olsen ilumina a tela ao encarar a contraditória Taylor, uma mulher capaz causar empatia e repulsa com extrema naturalidade. Por mais que o roteiro peque ao flertar com o exagero dentro do último ato, Spicer é astuto ao realçar o frágil elo entre Ingrid e Taylor, o crescente desconforto entre as duas, culminando num clímax debochado e condizente com a realidade sensacionalista das redes sociais. Um desfecho que, guardada as devidas proporções, me fez lembrar de um verdadeiro clássico do cinema americano, o fantástico Crepúsculo dos Deuses (1950).


Impulsionado pelo talentoso elenco de apoio, O'Shea Jackson Jr., Wyatt Russell e Billy Magnussen preenchem as brechas narrativas conferindo relevância aos seus respectivos personagens, Ingrid vai para o Oeste propõe uma preciosa reflexão ao questionar a verdade dos “influenciadores” e da ensolarada vida de aparências no Instagram. Uma crônica irônica e inventiva que, numa bem-vinda atualização, revigora um tema amplamente explorado ao discutir a diluição das barreiras entre fãs e ídolos numa época em que anônimos, como que da noite para o dia, são transformados em celebridades da internet. E isso sob a perspectiva de uma ‘stalker’ com bom coração.

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