A realidade sem filtros
Numa época em que o número de
seguidores praticamente define o nível de popularidade de um indivíduo, em que
o número de cliques é frequentemente usado para medir a qualidade de um
conteúdo, Ingrid vai para o Oeste surge como uma crônica satírica sobre a
superexposta vida de um “influenciador digital”. Embora opte por tratar o tema
dentro de um contexto “doentio”, sob a perspectiva de uma jovem frustrada e
obsessiva disposta a tudo para experimentar o “estilo de vida” Instagram, o
inteligente longa dirigido por Matt Spicer é perspicaz ao dar voz aos “influenciados”,
ao mostrar as sequelas da superexposição na rotina daqueles que são capazes de
transformar um anônimo numa “celebridade”. Numa análise interessante, o
realizador é objetivo ao encurtar os polos, ao questionar o que leva uma pessoa
ordinária a conseguir tanto seguidores, refletindo sobre um possível vazio
geracional numa comédia positivamente fútil e naturalmente desconfortável. Uma
sensação de incômodo potencializada pela irônica performance de Aubrey Plaza, adoravelmente
dissimulada na pele de uma mulher comum em busca - por que não? - do seu lugar
ao sol.
Com roteiro
assinado pelo próprio Matt Spicer, ao lado de David Branson Smith, Ingrid vai para o Oeste é cuidadoso ao evitar
qualquer tipo de generalização. Sem a intenção de construir uma crítica
geracional, o longa acerta ao se concentrar no aspecto micro, trocando a
pretensão pelo deboche ao expor as contradições por trás do ensolarado estilo
de vida frequentemente propagado nas páginas do Instagram. Afinal de contas, o
que impede um anônimo de se transformar num “influenciador digital”¿ Beleza¿
Carisma¿ Influência¿ Amizades¿ Com base nesta “dúvida”, Spicer narra a
trajetória de Ingrid (Aubrey Plaza), uma jovem desequilibrada que, após a perda
da mãe e um surto de raiva, é obrigada a se internar numa clínica de reabilitação.
Após um período refletindo sobre os seus erros, ela ganha alta médica e volta a
sua solitária rotina. Entre curtidas aleatórias e lágrimas de frustração,
Ingrid se enche de vigor no momento em que “conhece” a popular influenciadora
Taylor Sloane (Elizabeth Olsen), uma mulher radiante que no seu perfil
do Instagram não se cansava de divulgar o seu estilo de alimentação, os seus
livros e filmes prediletos, a sua rotina de compras e os “bastidores” do seu
casamento feliz com o pintor Ezra O'Keefe (Wyatt Russell). Movida pelo impulso,
ela decide pegar a sua herança, os seus poucos pertences e se mudar para a
Califórnia, cidade em que Taylor morava. Disposta a conseguir um contato com a
influenciadora, Ingrid decide seguir os seus passos através do Instagram, sem
saber que desta “relação” nasceria um vínculo tão frágil quanto a sua
estabilidade emocional.
Muito mais
do que um precioso retrato comportamental sobre um grupo de jovens movidos por
curtidas, postagens vazias e elos precoces, Ingrid vai para o Oeste envolve ao
mostrar a triste realidade de uma jovem mulher oprimida pela idealização da
vida perfeita. Com propriedade, é interessante ver como Matt Spicer trata a
rotina de Taylor como uma espécie de negócio, expondo através dela não só as
incoerências, como também a sua falsa noção de afeto. Longe de ser uma
antagonista, a “influenciadora” surge como um produto deste meio, um tipo
magnético que esconde nas suas atitudes uma verdade que as postagens do
Instagram insistiam em não revelar. Transitando entre o drama e a comédia com
categoria, o realizador é cuidadoso ao mostrar a realidade por trás de Taylor, questionando
a nossa perspectiva sobre ela à medida que, tal qual Ingrid, a conhecemos
melhor e enxergamos o quão seletiva é a sua superexposição. Embora este não
seja o foco do longa, o argumento é astuto ao duvidar da veracidade por trás
deste estilo de vida, por trás das postagens, por trás desta imagem “vendida”
no Instagram. O longa, porém, não parece interessado em criticar pura e
simplesmente a realidade e a função dos influenciadores. Na verdade, Spicer
decide tentar desmistifica-los, trata-los como indivíduos comuns, com falhas e
problemas, questionando, ai sim, os motivos que levam pessoas igualmente
ordinárias a transforma-los em figuras populares. Em homens e mulheres capazes
de construir uma fortuna e se tornar um modelo de inspiração graças,
basicamente, ao seu número de seguidores.
Até em cima
disso, aliás, o grande diferencial de Ingrid vai para o Oeste não está nesta
irônica crônica sobre a superexposição digital, mas na perspicácia de Matt Spicer
em diluir a linha entre "protagonistas" e "antagonistas", entre influenciadores e o
influenciados. Por mais que Taylor possa ser a grande vítima da história, o
argumento faz questão de frisar que ela pertence ao mesmo mundo de Ingrid. Esta
última, entretanto, está longe de ser a “mocinha” da história. Embora esteja no
centro da trama, Ingrid se revela o tipo mais positivamente problemático da
trama. Uma mulher influenciável, imatura, disposta a tudo para experimentar os
prazeres do estilo de vida divulgado pelas redes sociais. Ao contrário de
Taylor, porém, ela não o faz por interesses, por dinheiro, ou pela fama em si.
Ela o faz por carência. Por solidão. Entre o desconforto e a ternura, Spicer é
delicado ao mostrar tanto a Ingrid inocentemente inconsequente, quanto a Ingrid
afetuosa e honesta, permitindo que o público ria das suas trapalhadas, se
comova com a sua “fidelidade”, se assuste com a sua distorcida lógica. O foco,
aqui, está na face doentia da obsessão. Da busca por algo que não é seu. De uma
verdade que não é sua. Neste sentido, Aubrey Plaza comove ao criar uma mulher
ao mesmo tempo frágil e ameaçadora, transitando entre o tipo dócil e o ferino
com bom humor e uma convincente dose de insanidade. Do outro lado da moeda,
Elizabeth Olsen ilumina a tela ao encarar a contraditória Taylor, uma mulher
capaz causar empatia e repulsa com extrema naturalidade. Por mais que o roteiro
peque ao flertar com o exagero dentro do último ato, Spicer é astuto ao realçar
o frágil elo entre Ingrid e Taylor, o crescente desconforto entre as duas, culminando
num clímax debochado e condizente com a realidade sensacionalista das redes
sociais. Um desfecho que, guardada as devidas proporções, me fez lembrar de um
verdadeiro clássico do cinema americano, o fantástico Crepúsculo dos Deuses
(1950).
Impulsionado
pelo talentoso elenco de apoio, O'Shea Jackson Jr., Wyatt Russell e Billy
Magnussen preenchem as brechas narrativas conferindo relevância aos seus
respectivos personagens, Ingrid vai para o Oeste propõe uma preciosa reflexão ao
questionar a verdade dos “influenciadores” e da ensolarada vida de aparências no
Instagram. Uma crônica irônica e inventiva que, numa bem-vinda atualização,
revigora um tema amplamente explorado ao discutir a diluição das barreiras
entre fãs e ídolos numa época em que anônimos, como que da noite para o dia, são
transformados em celebridades da internet. E isso sob a perspectiva de uma ‘stalker’
com bom coração.
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