As expectativas se concretizaram.
Tratado como um daqueles – cada vez mais raros – épicos eventos
cinematográficos, Vingadores: Guerra Infinita chegou fazendo jus ao termo
‘blockbuster’ e arrasou quarteirões no seu primeiro final de semana em cartaz.
Em apenas sete dias, o longa dirigido pelos irmãos Russo faturou absurdos US$ 857
milhões ao redor do mundo, batendo a arrecadação total da principal aposta da
“concorrência”, o igualmente aguardado Liga da Justiça (2017), que,
contrariando as elevadas expectativas, faturou modestos US$ 657 milhões
mundialmente. Neste primeiro momento, porém, não vou me aprofundar nos predicados
individuais de Guerra Infinita. Na verdade, para ser bem sincero, decidi fugir
do ‘hype’ e vou deixar a minha opinião para depois. O assunto, aqui, será o
triunfo do Universo Vingadores no concorrido mercado cinematográfico dos
super-heróis. Isso porque, na minha humilde opinião, reduzir o êxito desta
poderosa franquia exclusivamente à eficácia da “fórmula Marvel” me parece uma
explicação muito óbvia e simplista. Embora reconheça a genialidade por trás da
estrutura pensada pelo produtor Kevin Feige no fantástico (e já longínquo)
Homem de Ferro (2008), uma abordagem familiar, bem-humorada e escapista que deu
sustentação a iniciativa Vingadores, entendo que a gradativa ascensão do
Universo Marvel se deve a inúmeros outros fatores. Neste artigo meramente opinativo,
portanto, tentarei analisar os motivos que ajudam a explicar o gigantesco
sucesso do Universo Cinematográfico da Marvel (MCU em inglês) dentro da
indústria do entretenimento.
Hoje, com o aporte da Disney e o
sucesso de inúmeros longas, parece fácil entender o lançamento de um filme com
orçamento de US$ 321 milhões, o custo estimado de Vingadores: Guerra Infinita.
No início dos anos 2000, entretanto, a então pequena Marvel Studios sonhava em
conquistar o seu lugar ao sol. Sem os direitos sobre alguns dos principais
personagens do selo, entre eles Homem-Aranha (Sony), Quarteto Fantástico (Fox)
e X-Men (Fox), o ‘fan-boy’ Kevin Feige (foto acima) assumiu a presidência da Marvel Studios
buscando independência e a reconstrução de uma companhia que foi praticamente
dilapidada na década de 1990. Trazendo no currículo uma considerável
experiência dentro do gênero, o midas do Universo Vingadores decidiu ousar e
deixar de “trabalhar” para as grandes companhias. “Eu estive envolvido e a
Marvel esteve envolvida em certos níveis em outros filmes antes do Homem de
Ferro, mas sempre como um parceiro, nunca como o principal responsável pelas
decisões. Os outros estúdios gastaram o dinheiro para fazer os filmes - eles
controlavam os filmes. ”, confidenciou Feige ao site Rotten Tomatoes. Cansado desta
interferência criativa, Feige foi corajoso ao, num primeiro momento, acreditar
no potencial dos personagens que ainda pertenciam à “Casa das Ideias”. Numa
época em que empresas como a Sony, a Fox e a Warner investiam, respectivamente,
US$ 200 milhões, US$ 210 milhões e US4 185 milhões em filmes como Homem-Aranha
2 (2004), X-Men: O Confronto Final (2007) e Batman: O Cavaleiro das Trevas
(2008), ele decidiu desafiar a concorrência com pouco. Bem pouco.
E, para a surpresa de muitos, o
escolhido para dar início ao então inimaginável MCU foi o subestimado Homem de
Ferro (2008), um personagem egocêntrico e temperamental que estava longe de ser
o modelo de herói explorado dentro do gênero na época. Em entrevista recente a
Vanity Fair, Kevin Feige sintetizou a sua ousadia ao mostrar como o hoje
popular Tony Stark ganhou vida fora dos quadrinhos. “A Marvel não tinha
dinheiro. As pessoas esquecem que o Homem de Ferro era um filme independente.
Eu tive que fazer muito. Eu lancei o filme dezenas de vezes para compradores
estrangeiros porque tínhamos que conseguir, não me lembro exatamente qual era o
percentual, mas uma grande porcentagem de financiamento para vendê-lo”. Sem
medo de arriscar, ele garantiu que preferia falhar com convicção, do que errar
visando os interesses comerciais. “Quando tivemos a chance de fazer isso
sozinhos, houve muita pressão envolvida, porque era tudo sobre nós. Mas fiquei
muito confortável com isso porque se fracassássemos, ao menos teríamos falhado
com as melhores intenções. E, sendo o Homem de Ferro nosso primeiro filme, nós
realmente acreditávamos em Tony Stark, nós realmente acreditávamos em ter um
personagem que fosse tão interessante, se não mais interessante, fora do traje
do que dentro fantasia. ”, assumiu Feige revelando os motivos que o levaram a
apostar num personagem complexo com os dois pés no anti-heroismo. Uma escolha
de risco premiada com um estrondoso sucesso de público\crítica e com um modelo
de produção que viria a se tornar recorrente nos dez anos seguintes. “Foi
depois do final de semana de estreia de Iron Man (quando arrecadou US$ 98.6
milhões nas bilheterias) que dissemos: “Oh, A) nós vamos ser capazes de fazer
mais desses filmes, e B) nós vamos ser capazes de amarrá-los juntos.”, explicou
Feige à VF mostrando que, graças ao corajoso Homem de Ferro, que o tão elogiado
Universo Marvel ganhou a oportunidade de sair do papel. Um fato que, anos mais tarde, viria a ser corroborado pelo diretor Scott Derrickson (Doutor Estranho), que, via Twitter, comentou sobre o modo de funcionamento das engrenagens do MCU. "Walt Disney disse uma vez, "nós não fazemos filmes para ganhar dinheiro, nós ganhamos dinheiro para fazer mais filmes." Esta é precisamente a atitude/crença que experimentei durante o ano e meio que passei a trabalhar na Marvel.", enfatizou o realizador.
- Planejamento
Ao contrário do que muitos
pensam, porém, Kevin Feige não vislumbrou todo o Universo Marvel neste primeiro
momento. Apesar da sua ótima visão para o negócio, nem o mais otimista dos
produtores de Hollywood acreditava que Homem de Ferro (2008) e o posterior O
Incrível Hulk (2008) seriam o bastante para a construção desta poderosa
franquia. “A meta para 2008 foi entregar dois filmes que esperávamos que fossem
lucrativos para que pudéssemos fazer isso novamente. Não foi semear as sementes
de um grande universo. É por isso que colocamos Sam (Samuel) Jackson no final,
no fim dos créditos, porque pensamos que seria divertido. Nós pensamos que
seria legal ter Sam entrando e dizendo: - Você faz parte de um grande universo;
você só não sabe ainda. (...) Minha parte favorita nisso foi quando alguém
perguntou (durante o painel da Comic Con 2008): “Os Vingadores são possíveis? ”
Não tínhamos planos reais naquele momento. Foi um sonho. Muito do que fazemos é
baseado em um sonho.”, revelou Feige à Vanity Fair. Tratada inicialmente com um
simples easter-egg, a cena pós-crédito de Homem de Ferro instigou a todos,
causou um enorme frisson na fiel base de fãs e se tornou um outro modelo
replicado nos filmes seguintes da companhia. Na verdade, no momento em que
Feige entendeu o potencial lucrativo desta franquia, ele mostrou o seu elogiado
faro comercial ao construir um universo compartilhado milimetricamente
calculado. Mesmo na fase de vacas magras, a Marvel Studios não deu passos em
falsos. Os filmes-solos anunciados eram lançados. Um sucesso levava a outro. Um
planejamento minucioso (e pacientemente construído) que atingiu o seu ápice no
ano de 2014, quando, após o sucesso das fases 1 e 2, a Marvel divulgou o seu
calendário de lançamentos até 2019. E dos filmes anunciados apenas Inumanos,
que virou um fracassado projeto para a TV, e Capitã Marvel se revelaram “promessas”
não cumpridas. Sendo que este último, diga-se de passagem, só foi adiado em um
ano, sendo posteriormente substituído no calendário Marvel por Homem-Formiga e
Vespa (2018). Ou seja, ao tratar com respeito os seus fãs oferecendo aquilo que
poderia entregar, a Marvel Studios reconstruiu o seu império diante de uma
errática concorrência, se posicionando na vanguarda do gênero ao explorar com
maestria o complexo conceito de universo compartilhado.
- Uma cuidadosa escalação de elenco
“Decidir que o Homem de Ferro
seria o nome de destaque da Marvel Studios nos permitiu dizer: 'Vamos apenas
escalar o melhor ator que pudermos encontrar'. E é engraçado lembrar agora,
quando Robert Downey Jr. é uma das maiores estrelas no planeta. Ele era então
um dos melhores atores do planeta. (...) Foi libertador tomar decisões assim,
que eu não sei se teriam sido feitas em outros estúdios na época.” Logo no primeiro voo solo, Kevin Feige adotou
uma linha agressiva na construção do seu universo cinematográfico. E um dos principais
trunfos do MCU, a meu ver, está na fantástica escalação do elenco. Como ficou
claro na afirmação dada a revista Vanity Fair, o presidente da Marvel decidiu
valorizar basicamente o poder da atuação. Neste sentido, a escalação do então
problemático Robert Downey Jr. mostrou que o recém-lançado selo não estava para
brincadeiras. Após um período de grande turbulência no que diz respeito a sua
vida privada, o indicado ao Oscar por Chaplin (1993) ganhou a oportunidade da
sua carreira, uma escalação ousada que viria a se tornar um modelo de sucesso
dentro do Universo Marvel. Além de personificar a figura do expansivo Tony
Stark, Downey Jr. ajudou a impulsionar a marca Marvel Studios, mostrando que a
nova companhia estava disposta a valorizar os grandes atores\realizadores.
Sem medo de “jogar com
medalhões”, nos projetos seguintes Kevin Feige e sua turma investiram pesado em
nomes inquestionáveis como Jeff Bridges (Homem de Ferro), Edward Norton (O
Incrível Hulk), Tim Roth (O Incrível Hulk), Tommy Lee Jones (Capitão América: O
Primeiro Vingador), Hugo Weaving (Capitão América: O Primeiro Vingador),
Anthony Hopkins (Thor), Mark Ruffalo (Os Vingadores), Robert Redford (O Soldado
Invernal), Samuel L. Jackson (Os Vingadores), Tilda Swinton (Doutor Estranho), Michael
Douglas (Homem-Formiga), Josh Brolin (Guerra Infinita) entre outros. Atores
reconhecidos que, indiscutivelmente, ajudaram a solidificar o MCU, a construir
o respeito junto à mídia especializada. Foi na escalação dos protagonistas,
porém, que Feige mostrou a sua reconhecida criatividade na escolha de nomes
talentosos e potencialmente estrelares. Chris Evans, por exemplo, chegou
trazendo no currículo uma considerável experiência no cinema pipoca, mas
cresceu assustadoramente na pele do complexo Steve Rodgers. Já Chris Hemsworth
chegou como uma bem-vinda aposta e não demorou muito para se tornar um dos
rostos mais carismáticos do MCU. O mesmo podemos falar de nomes como os de
Scarlett Johansson, Tom Hidleston, Jeremy Renner, Benedict Cumberbatch, Chris Pratt, Zoe
Saldana, Elizabeth Olsen, Karen Gillian, Chadwick Boseman e Tom Holland, um elenco jovem e
gabaritado com energia de sobra para consolidar o Universo Marvel nos últimos
dez anos.
- Diversidade na Direção
Um ‘fanboy’ assumido, Kevin Feige
entendeu que o seu renovado modelo de produção precisava ganhar forma nas mãos
de promissores realizadores. Num primeiro momento, porém, o presidente da
Marvel mostrou uma evidente dose de prudência ao trabalhar com nomes que
pudessem compreender e traduzir a essência de cada uma das obras da fase 1.
Para dar vida ao irônico Homem de Ferro (2008), Feige foi cirúrgico ao apostar
no familiar senso de comicidade do virtuoso Jon Favreau, do sucesso Um Duende
em Nova Iorque. Seguindo esta linha mais “prudente”, o explosivo O Incrível
Hulk (2008) ganhou as telas nas mãos do então expoente do cinema de ação
francês Louis Leterrier (Carga Explosiva, Cão de Briga), o palaciano Thor
(2011) caiu nas mãos “shakespearianas” do refinado Kenneth Branagh (Henrique V)
e o idealista Capitão América: Primeiro Vingador (2011) ganhou uma roupagem
“spielbergiana” com o seu pupilo Joe Johnston (Rocketeer, Jurassic Park III) na
direção. No momento em que precisou entregar o primeiro grande evento
cinematográfico da franquia, entretanto, Feige não poupou esforços para trazer
um verdadeiro ‘nerd’.
E o escolhido foi Joss Whedon (na foto acima, com o escudo), o
homem por trás das séries Firefly e Buffy: A Caça Vampiros. Com a liberdade
para unir as peças deste minucioso quebra-cabeça, ele inaugurou uma nova era
dentro da Marvel ao entregar não só o grande sucesso de público da franquia,
como também ao mostrar a importância de se ter uma mente por trás do próspero
Universo Marvel. O imponente triunfo comercial de Os Vingadores, aliás, deu a
Feige a resposta que ele precisava para apostar na contratação de realizadores
independentes. Nos anos seguintes vieram então o irreverente Shane Black (Homem
de Ferro 3), o promissor Alan Taylor (Thor: O Mundo Sombrio), os intensos Irmãos Russo (Capitão América: O Soldado Invernal), o criativo James Gunn
(Guardiões da Galáxia), o cômico Taika Waititi (Thor: Ragnarok) e o intenso
Ryan Coogler (Pantera-Negra). Uma nova e diversificada geração de realizadores
que, ao longo das fases 2 e 3, permitiram que, mesmo sem abdicar da “fórmula
Marvel”, cada um dos futuros projetos do MCU tivesse a sua própria cara. Uma
pegada multifacetada que, indiscutivelmente, se tornou um dos maiores trunfos
deste universo compartilhado. E isso sem contar o fantástico Edgar Wright que,
infelizmente, não gostou do rumo do seu Homem-Formiga e foi substituído pelo
cômico Peyton Reed (Sim, Senhor). Uma pena.
- Liberdade Criativa
É aqui, aliás, que toco no tema
mais complexo na Marvel Studios. Apesar dos problemas envolvendo a produção de
Homem-Formiga, considero que a liberdade criativa possibilitada pelo estúdio se
tornou decisiva para a construção do MCU. Embora a influência da dobradinha
Joss Whedon\Kevin Feige tenha ganhado uma proporção maior após a ousadia
“desastrada” de Shane Black no ótimo Homem de Ferro 3 (2013), é nítido que a
dupla soube respeitar a essência de cada um dos realizadores. Consciente dos
perigos quanto a interferência criativa, Feige ofereceu a liberdade necessária
para que cada um dos realizadores pudesse imprimir a sua pegada em tela. A
preocupação, segundo o próprio presidente da Marvel, em entrevista a Vanity
Fair sempre esteve no filme e não no universo. “O único conselho (para outros
estúdios na esperança de imitar o sucesso da Marvel) é não se preocupar com o
universo. Preocupe-se com o filme. Nós nunca nos propusemos a construir um
universo. Nós nos propusemos a fazer (neste primeiro momento) um ótimo filme do
Homem de Ferro.” Uma mentalidade que se tornou a alma do negócio dentro do MCU.
Após a “confortável” fase 1, Feige sentiu a confiança necessária para “soltar
as cordas”, permitindo, por exemplo, que os Irmãos Russo fizessem de O Soldado
Invernal um instigante thriller de espionagem, que Shane Black fizesse de Homem
de Ferro 3 um improvável ‘buddy cop movie’, que James Gunn fizesse de Guardiões
da Galáxia uma extravagante ópera espacial, que Payton Reed fizesse de
Homem-Formiga um impagável filme de assalto e que Taika Waititi fizesse de
Thor: Ragnarok uma transloucada comédia aventuresca. O resultado foram filmes distintos, com
personagens diferentes, mas que, para a nossa surpresa, nunca deixaram de
pertencer ao mesmo universo. Uma variedade de projetos que, na minha humilde
opinião, comprova a importância da liberdade criativa dentro da Marvel Studios. Como bem garante Gunn, emitindo a sua opinião sobre os motivos do sucesso do MCU. "Pode parecer paradoxal, mas a razão pela qual a Marvel Studios é tão bem-sucedida quanto é porque não se trata de dinheiro para nenhum dos responsáveis - é simplesmente sobre amar a magia dos filmes.", sintetizou via Twitter.
- Marketing\Divulgação dos seus
produtos
Consciente que, num primeiro
momento, não tinha em mãos os mais populares personagens do selo Marvel, Kevin
Feige e o seu então parceiro Avi Arad parecem, desde início, ter entendido que
os seus filmes não se venderiam sozinhos. Mais do que isso. À medida que o MCU
ganhou substância, a companhia entendeu que um filme dependia do outro. O
marketing, na verdade, começou a ser feito dentro das próprias produções. Indo
além dos ‘fan services’, Feige começou a “vender” os seus projetos futuros
dentro dos filmes. Mais do que estabelecer os seus inúmeros personagens, a
Marvel Studios mostrou paciência ao introduzir as peças do seu quebra cabeça, criando
uma crescente conexão entre público e franquia mesmo sem apelar para as (a meu
ver) detestáveis pontas soltas. Neste sentido, é interessante ver como (mesmo
de maneira despretensiosa) a iniciativa Vingadores nasceu com o primeiro Homem
de Ferro, como Thor ganhou vida a partir de Homem de Ferro 2, como o temido
Thanos deu as caras pela primeira vez em Os Vingadores. Os easter eggs e as cenas
pós-créditos ganharam nova relevância e se tornaram decisivas para o processo
de divulgação da franquia. Com personagens tão bem estabelecidos em mãos, Feige
não poupou esforços para aquecer o ‘hype’ em torno dos lançamentos. Os anúncios
de filmes viraram grandes eventos, os painéis da Comic-Con uma experiência
requisitadíssima e os populares trailers, por si só, se tornaram motivos para
longos debates\vídeo análises no Youtube. Neste sentido, o marketing se tornou
quase que instantâneo, muito em função do esmero da Marvel Studios na concepção
das suas empolgantes prévias. Como não se encantar, por exemplo, pelo primeiro
trailer de Guardiões da Galáxia, pela introdução do novo Homem-Aranha na prévia
final de Guerra Civil ou então do opressor (pelo menos para a concorrência) último
trailer de Guerra Infinita. E Feige não parou por ai. Ao criar um engenhoso
paralelo com a TV, principalmente através da série Marvel Agents of Shield, o
Universo Vingadores ganhou um alcance impensável dentro do gênero. Sem nunca
trocar os pés pelas mãos, a Marvel Studios soube ampliar os seus “tentáculos”
com inteligência, tornando o seu produto cada vez mais rentável ao criar laços
estreitos com o Cinema, a TV e a Internet. Um predicado, diga-se de passagem,
potencializado pela espontaneidade jovial do seu renovado\multifacetado elenco,
que, indiscutivelmente, tem mostrado um elogiável “espírito esportivo” para as
inúmeras entrevistas\junkets\matérias especiais ao redor do mundo.
- Respeito ao público
Aqui volto a um tema que citado
lá em cima quando me referi ao minucioso planejamento da Marvel Studios. Mais
do que simplesmente cumprir o seu calendário de estreias, um fato aparentemente
simples, mas que tem se tornado um problema crônico dentro do gênero, Kevin
Feige entendeu que a melhor forma de respeitar os fãs é construir um universo à
altura da sua dedicação à franquia. O que fica bem claro com a consolidação da
“fórmula Marvel”, um padrão pensado – claramente - visando a abrangência do seu
público. Além disso, nos últimos anos a empresa, muitas vezes na figura do
próprio Feige, tem procurado um diálogo maior com o público, como na recente
campanha “Thanos demands your Silence” ou na recente postagem do presidente da
Marvel Studio agradecendo a massiva audiência do público na estreia de Vingadores:
Guerra Infinita. “Os últimos dez anos foram uma jornada inesquecível e não
poderíamos ter feito nada disso sem um time inteiro no Marvel Studios,
incluindo nossos incríveis talentos na frente e atrás das câmeras, criadores
visionários dos quadrinhos e, mais importante, vocês, nossos fãs! Obrigado por
acolher tão bem esses personagens e essas histórias que deram início ao MCU há
dez anos. Esse último final de semana foi um resultado muito além das nossas
expectativas. Em nome de todos, agradecemos a vocês por serem os melhores fãs
do universo e por fazerem de Vingadores: Guerra Infinita a maior
estreia de todos os tempos.”, finalizou Feige.
- Uma ode ao Fan-service
Enquanto a concorrência parecia (até pouco tempo atrás) se envergonhar do elemento
super-heróico, a Marvel Studios nunca escondeu o seu insaciável apreço pelo
‘fan service’. Gostem ou não, o fato é que o UCM se tornou referência quando o
assunto é a utilização das referências, mostrando a bagagem nerd dos
realizadores em diversos títulos. Um fato que, segundo o próprio Kevin Feige,
se deve a sua posição de inércia na produção\colaboração na fase pré-Marvel
Studios. “Nos meus sete anos, de 2000 a 2007, antes de começarmos a Marvel
Studios, pude ver filmes que funcionavam e os filmes que não funcionavam. Bem, nós
opinávamos, mas eles não ouviram. Nós não tínhamos o controle. Eu odiava isso.
Lembro-me de pensar: se alguma coisa não vai dar certo, prefiro que seja porque
tínhamos o que achávamos ser uma boa ideia e simplesmente não funcionava, do
que quando não conseguíamos convencer o tomador de decisão a fazer x, y ou z.”,
revelou Feige à Vanity Fair. Diretor de Homem de Ferro, Jon Favreau foi além ao
questionar o descuido das grandes companhias para com os interesses dos fãs. “O
que os estúdios fizeram, tipicamente, era ignorar a base de fãs porque eles
representam apenas uma pequena fração do público em potencial e se concentrar
no público mainstream. Kevin (Feige) teve a experiência de se associar a outros
estúdios e teve a frustração quando essas preocupações foram ignoradas.” É bom
frisar que, neste meio tempo, Feige trabalhou na co-produção\produção executiva
representando o selo Marvel em títulos como Demolidor, Elektra, O Quarteto
Fantástico, X-Men: O Confronto Final, Blade Trinity e Homem-Aranha 3, obras
que, ao visar um mercado mais abrangente, se distanciaram grosseiramente das
HQ’s. O resultado, bem, são blockbusters confusos e genéricos que, de certa
forma, parecem ter servido como um decisivo aprendizado para o presidente da
Marvel Studios.
- Valorização do elemento Humano
Ao, logo no primeiro filme de uma
então embrionária franquia, sair em defesa de um personagem mais interessante
fora do seu uniforme, Kevin Feige comprovou que o elemento humano seria uma
peça chave dentro UCM. Sem nunca sacrificar o senso de entretenimento, a Marvel
Studios parece ter se encantado pela face mais falha dos seus super-heróis,
indo além da contraditória figura do Tony Stark ao permitir que os seus
personagens não ficassem limitados pela unidimensionalidade. O que fica bem
claro, por exemplo, no arco do idealista Capitão América. Pintado inicialmente
como um típico herói dos quadrinhos, Steve Rodgers cresce inesperadamente ao
longo da sua trilogia, ganhando nuances próprias e sentimentos bem mais
nebulosos do que o escapista primeiro filme parecia sugerir. Ao longo da
franquia, aliás, é interessante ver o cuidado dos criadores quando o assunto é
o senso de consequência. Embora as críticas quanto a falta de ousadia de Feige
neste sentido sejam recorrentes (e em parte justificadas), é nítido que, nos
últimos dois\três anos o UCM tem se distanciado da sua zona de conforto ao
mostrar as consequências dos atos de super-heróis. O vilão Ultron, por exemplo,
nasce do misto de temor e arrogância de Stark após a invasão alienígena em Nova
Iorque. Já do ataque a Sokovia nasce as motivações do excelente Zemo, um
personagem intrigante movido pela raiva e pelo senso de revanchismo. Guerra
Civil, na verdade, soube trabalhar com brilhantismo o senso se consequência do
Universo Marvel, preparando o terreno, após anos numa evidente zona de
segurança, para títulos como Thor: Ragnarok e Vingadores: Guerra Infinita. Em
outras palavras, mesmo após uma série de sucessos de público e crítica, a Marvel
Studios parece disposta a se aperfeiçoar, a ouvir as críticas, um processo de
amadurecimento que diz muito sobre o sucesso da franquia.
- Força dos seus subaproveitados personagens
Por fim, não podemos deixar de
elogiar a genialidade de Kevin Feige e os inúmeros realizadores que passaram
pelo Universo Marvel ao tirar o máximo de personagens que, até pouco tempo
atrás, eram desinteressantes mesmo para os fãs de quadrinhos. Não, não estou me
referindo ao Homem de Ferro, ao Thor, ao Hulk ou ao Capitão América. Embora
estes não vivessem a sua fase mais popular, sustentar a fase 1 do UCM com base
nestes populares personagens nem era o maior dos obstáculos. Muito pelo
contrário, afinal de contas se tratavam de algumas das mais queridas produções
da dupla Stan Lee e Jack Kirby. O problema é que, com o avançar da franquia,
Feige entendeu que a Marvel detinha o direito sobre alguns personagens
“subestimados” que poderiam funcionar nos cinemas. E foi ai que o universo
compartilhado da Marvel parece realmente ter causado arrepios na concorrência.
No momento em que um supergrupo B como Os Guardiões da Galáxia, o até então
esquecido Homem-Formiga e o lisérgico Doutor Estranho se mostram capazes de
rivalizar com personagens do quilate dos X-Men, do Batman e do Homem-Aranha,
Feige mostrou que os demais representantes do gênero teriam que suar a camisa
para alcançar o patamar conquistado pelo Universo Marvel. Não, definitivamente
não foi sorte. Com muito trabalho, coragem e um elogiável respeito à base de
fãs, a Marvel Studios mostrou a força de um universo subestimado, dos
personagens que “sobraram” após uma série de negociações nos anos 1990,
conquistando o prestígio e a confiança do público ao longo de uma década de
grandes filmes e muita diversão. Entretenimento de qualidade levado a sério. E
isso seja com um soldado geneticamente modificado, seja com um gigante raivoso,
seja com um deus nórdico, seja com um guaxinim falante, seja com uma árvore
monossilábica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário