quinta-feira, 3 de maio de 2018

Muito além da Fórmula Marvel! Os fatores que ajudam a explicar o triunfo do Universo Vingadores no concorrido mercado dos super-heróis


As expectativas se concretizaram. Tratado como um daqueles – cada vez mais raros – épicos eventos cinematográficos, Vingadores: Guerra Infinita chegou fazendo jus ao termo ‘blockbuster’ e arrasou quarteirões no seu primeiro final de semana em cartaz. Em apenas sete dias, o longa dirigido pelos irmãos Russo faturou absurdos US$ 857 milhões ao redor do mundo, batendo a arrecadação total da principal aposta da “concorrência”, o igualmente aguardado Liga da Justiça (2017), que, contrariando as elevadas expectativas, faturou modestos US$ 657 milhões mundialmente. Neste primeiro momento, porém, não vou me aprofundar nos predicados individuais de Guerra Infinita. Na verdade, para ser bem sincero, decidi fugir do ‘hype’ e vou deixar a minha opinião para depois. O assunto, aqui, será o triunfo do Universo Vingadores no concorrido mercado cinematográfico dos super-heróis. Isso porque, na minha humilde opinião, reduzir o êxito desta poderosa franquia exclusivamente à eficácia da “fórmula Marvel” me parece uma explicação muito óbvia e simplista. Embora reconheça a genialidade por trás da estrutura pensada pelo produtor Kevin Feige no fantástico (e já longínquo) Homem de Ferro (2008), uma abordagem familiar, bem-humorada e escapista que deu sustentação a iniciativa Vingadores, entendo que a gradativa ascensão do Universo Marvel se deve a inúmeros outros fatores. Neste artigo meramente opinativo, portanto, tentarei analisar os motivos que ajudam a explicar o gigantesco sucesso do Universo Cinematográfico da Marvel (MCU em inglês) dentro da indústria do entretenimento.

- Coragem na construção\consolidação do MCU


Hoje, com o aporte da Disney e o sucesso de inúmeros longas, parece fácil entender o lançamento de um filme com orçamento de US$ 321 milhões, o custo estimado de Vingadores: Guerra Infinita. No início dos anos 2000, entretanto, a então pequena Marvel Studios sonhava em conquistar o seu lugar ao sol. Sem os direitos sobre alguns dos principais personagens do selo, entre eles Homem-Aranha (Sony), Quarteto Fantástico (Fox) e X-Men (Fox), o ‘fan-boy’ Kevin Feige (foto acima) assumiu a presidência da Marvel Studios buscando independência e a reconstrução de uma companhia que foi praticamente dilapidada na década de 1990. Trazendo no currículo uma considerável experiência dentro do gênero, o midas do Universo Vingadores decidiu ousar e deixar de “trabalhar” para as grandes companhias. “Eu estive envolvido e a Marvel esteve envolvida em certos níveis em outros filmes antes do Homem de Ferro, mas sempre como um parceiro, nunca como o principal responsável pelas decisões. Os outros estúdios gastaram o dinheiro para fazer os filmes - eles controlavam os filmes. ”, confidenciou Feige ao site Rotten Tomatoes. Cansado desta interferência criativa, Feige foi corajoso ao, num primeiro momento, acreditar no potencial dos personagens que ainda pertenciam à “Casa das Ideias”. Numa época em que empresas como a Sony, a Fox e a Warner investiam, respectivamente, US$ 200 milhões, US$ 210 milhões e US4 185 milhões em filmes como Homem-Aranha 2 (2004), X-Men: O Confronto Final (2007) e Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008), ele decidiu desafiar a concorrência com pouco. Bem pouco.


E, para a surpresa de muitos, o escolhido para dar início ao então inimaginável MCU foi o subestimado Homem de Ferro (2008), um personagem egocêntrico e temperamental que estava longe de ser o modelo de herói explorado dentro do gênero na época. Em entrevista recente a Vanity Fair, Kevin Feige sintetizou a sua ousadia ao mostrar como o hoje popular Tony Stark ganhou vida fora dos quadrinhos. “A Marvel não tinha dinheiro. As pessoas esquecem que o Homem de Ferro era um filme independente. Eu tive que fazer muito. Eu lancei o filme dezenas de vezes para compradores estrangeiros porque tínhamos que conseguir, não me lembro exatamente qual era o percentual, mas uma grande porcentagem de financiamento para vendê-lo”. Sem medo de arriscar, ele garantiu que preferia falhar com convicção, do que errar visando os interesses comerciais. “Quando tivemos a chance de fazer isso sozinhos, houve muita pressão envolvida, porque era tudo sobre nós. Mas fiquei muito confortável com isso porque se fracassássemos, ao menos teríamos falhado com as melhores intenções. E, sendo o Homem de Ferro nosso primeiro filme, nós realmente acreditávamos em Tony Stark, nós realmente acreditávamos em ter um personagem que fosse tão interessante, se não mais interessante, fora do traje do que dentro fantasia. ”, assumiu Feige revelando os motivos que o levaram a apostar num personagem complexo com os dois pés no anti-heroismo. Uma escolha de risco premiada com um estrondoso sucesso de público\crítica e com um modelo de produção que viria a se tornar recorrente nos dez anos seguintes. “Foi depois do final de semana de estreia de Iron Man (quando arrecadou US$ 98.6 milhões nas bilheterias) que dissemos: “Oh, A) nós vamos ser capazes de fazer mais desses filmes, e B) nós vamos ser capazes de amarrá-los juntos.”, explicou Feige à VF mostrando que, graças ao corajoso Homem de Ferro, que o tão elogiado Universo Marvel ganhou a oportunidade de sair do papel. Um fato que, anos mais tarde, viria a ser corroborado pelo diretor Scott Derrickson (Doutor Estranho), que, via Twitter, comentou sobre o modo de funcionamento das engrenagens do MCU. "Walt Disney disse uma vez, "nós não fazemos filmes para ganhar dinheiro, nós ganhamos dinheiro para fazer mais filmes." Esta é precisamente a atitude/crença que experimentei durante o ano e meio que passei a trabalhar na Marvel.", enfatizou o realizador.
- Planejamento


Ao contrário do que muitos pensam, porém, Kevin Feige não vislumbrou todo o Universo Marvel neste primeiro momento. Apesar da sua ótima visão para o negócio, nem o mais otimista dos produtores de Hollywood acreditava que Homem de Ferro (2008) e o posterior O Incrível Hulk (2008) seriam o bastante para a construção desta poderosa franquia. “A meta para 2008 foi entregar dois filmes que esperávamos que fossem lucrativos para que pudéssemos fazer isso novamente. Não foi semear as sementes de um grande universo. É por isso que colocamos Sam (Samuel) Jackson no final, no fim dos créditos, porque pensamos que seria divertido. Nós pensamos que seria legal ter Sam entrando e dizendo: - Você faz parte de um grande universo; você só não sabe ainda. (...) Minha parte favorita nisso foi quando alguém perguntou (durante o painel da Comic Con 2008): “Os Vingadores são possíveis? ” Não tínhamos planos reais naquele momento. Foi um sonho. Muito do que fazemos é baseado em um sonho.”, revelou Feige à Vanity Fair. Tratada inicialmente com um simples easter-egg, a cena pós-crédito de Homem de Ferro instigou a todos, causou um enorme frisson na fiel base de fãs e se tornou um outro modelo replicado nos filmes seguintes da companhia. Na verdade, no momento em que Feige entendeu o potencial lucrativo desta franquia, ele mostrou o seu elogiado faro comercial ao construir um universo compartilhado milimetricamente calculado. Mesmo na fase de vacas magras, a Marvel Studios não deu passos em falsos. Os filmes-solos anunciados eram lançados. Um sucesso levava a outro. Um planejamento minucioso (e pacientemente construído) que atingiu o seu ápice no ano de 2014, quando, após o sucesso das fases 1 e 2, a Marvel divulgou o seu calendário de lançamentos até 2019. E dos filmes anunciados apenas Inumanos, que virou um fracassado projeto para a TV, e Capitã Marvel se revelaram “promessas” não cumpridas. Sendo que este último, diga-se de passagem, só foi adiado em um ano, sendo posteriormente substituído no calendário Marvel por Homem-Formiga e Vespa (2018). Ou seja, ao tratar com respeito os seus fãs oferecendo aquilo que poderia entregar, a Marvel Studios reconstruiu o seu império diante de uma errática concorrência, se posicionando na vanguarda do gênero ao explorar com maestria o complexo conceito de universo compartilhado.

- Uma cuidadosa escalação de elenco


“Decidir que o Homem de Ferro seria o nome de destaque da Marvel Studios nos permitiu dizer: 'Vamos apenas escalar o melhor ator que pudermos encontrar'. E é engraçado lembrar agora, quando Robert Downey Jr. é uma das maiores estrelas no planeta. Ele era então um dos melhores atores do planeta. (...) Foi libertador tomar decisões assim, que eu não sei se teriam sido feitas em outros estúdios na época.”  Logo no primeiro voo solo, Kevin Feige adotou uma linha agressiva na construção do seu universo cinematográfico. E um dos principais trunfos do MCU, a meu ver, está na fantástica escalação do elenco. Como ficou claro na afirmação dada a revista Vanity Fair, o presidente da Marvel decidiu valorizar basicamente o poder da atuação. Neste sentido, a escalação do então problemático Robert Downey Jr. mostrou que o recém-lançado selo não estava para brincadeiras. Após um período de grande turbulência no que diz respeito a sua vida privada, o indicado ao Oscar por Chaplin (1993) ganhou a oportunidade da sua carreira, uma escalação ousada que viria a se tornar um modelo de sucesso dentro do Universo Marvel. Além de personificar a figura do expansivo Tony Stark, Downey Jr. ajudou a impulsionar a marca Marvel Studios, mostrando que a nova companhia estava disposta a valorizar os grandes atores\realizadores.


Sem medo de “jogar com medalhões”, nos projetos seguintes Kevin Feige e sua turma investiram pesado em nomes inquestionáveis como Jeff Bridges (Homem de Ferro), Edward Norton (O Incrível Hulk), Tim Roth (O Incrível Hulk), Tommy Lee Jones (Capitão América: O Primeiro Vingador), Hugo Weaving (Capitão América: O Primeiro Vingador), Anthony Hopkins (Thor), Mark Ruffalo (Os Vingadores), Robert Redford (O Soldado Invernal), Samuel L. Jackson (Os Vingadores), Tilda Swinton (Doutor Estranho), Michael Douglas (Homem-Formiga), Josh Brolin (Guerra Infinita) entre outros. Atores reconhecidos que, indiscutivelmente, ajudaram a solidificar o MCU, a construir o respeito junto à mídia especializada. Foi na escalação dos protagonistas, porém, que Feige mostrou a sua reconhecida criatividade na escolha de nomes talentosos e potencialmente estrelares. Chris Evans, por exemplo, chegou trazendo no currículo uma considerável experiência no cinema pipoca, mas cresceu assustadoramente na pele do complexo Steve Rodgers. Já Chris Hemsworth chegou como uma bem-vinda aposta e não demorou muito para se tornar um dos rostos mais carismáticos do MCU. O mesmo podemos falar de nomes como os de Scarlett Johansson, Tom Hidleston, Jeremy Renner, Benedict Cumberbatch, Chris Pratt, Zoe Saldana, Elizabeth Olsen, Karen Gillian, Chadwick Boseman e Tom Holland, um elenco jovem e gabaritado com energia de sobra para consolidar o Universo Marvel nos últimos dez anos.

- Diversidade na Direção


Um ‘fanboy’ assumido, Kevin Feige entendeu que o seu renovado modelo de produção precisava ganhar forma nas mãos de promissores realizadores. Num primeiro momento, porém, o presidente da Marvel mostrou uma evidente dose de prudência ao trabalhar com nomes que pudessem compreender e traduzir a essência de cada uma das obras da fase 1. Para dar vida ao irônico Homem de Ferro (2008), Feige foi cirúrgico ao apostar no familiar senso de comicidade do virtuoso Jon Favreau, do sucesso Um Duende em Nova Iorque. Seguindo esta linha mais “prudente”, o explosivo O Incrível Hulk (2008) ganhou as telas nas mãos do então expoente do cinema de ação francês Louis Leterrier (Carga Explosiva, Cão de Briga), o palaciano Thor (2011) caiu nas mãos “shakespearianas” do refinado Kenneth Branagh (Henrique V) e o idealista Capitão América: Primeiro Vingador (2011) ganhou uma roupagem “spielbergiana” com o seu pupilo Joe Johnston (Rocketeer, Jurassic Park III) na direção. No momento em que precisou entregar o primeiro grande evento cinematográfico da franquia, entretanto, Feige não poupou esforços para trazer um verdadeiro ‘nerd’.


E o escolhido foi Joss Whedon (na foto acima, com o escudo), o homem por trás das séries Firefly e Buffy: A Caça Vampiros. Com a liberdade para unir as peças deste minucioso quebra-cabeça, ele inaugurou uma nova era dentro da Marvel ao entregar não só o grande sucesso de público da franquia, como também ao mostrar a importância de se ter uma mente por trás do próspero Universo Marvel. O imponente triunfo comercial de Os Vingadores, aliás, deu a Feige a resposta que ele precisava para apostar na contratação de realizadores independentes. Nos anos seguintes vieram então o irreverente Shane Black (Homem de Ferro 3), o promissor Alan Taylor (Thor: O Mundo Sombrio), os intensos Irmãos Russo (Capitão América: O Soldado Invernal), o criativo James Gunn (Guardiões da Galáxia), o cômico Taika Waititi (Thor: Ragnarok) e o intenso Ryan Coogler (Pantera-Negra). Uma nova e diversificada geração de realizadores que, ao longo das fases 2 e 3, permitiram que, mesmo sem abdicar da “fórmula Marvel”, cada um dos futuros projetos do MCU tivesse a sua própria cara. Uma pegada multifacetada que, indiscutivelmente, se tornou um dos maiores trunfos deste universo compartilhado. E isso sem contar o fantástico Edgar Wright que, infelizmente, não gostou do rumo do seu Homem-Formiga e foi substituído pelo cômico Peyton Reed (Sim, Senhor). Uma pena. 

- Liberdade Criativa


É aqui, aliás, que toco no tema mais complexo na Marvel Studios. Apesar dos problemas envolvendo a produção de Homem-Formiga, considero que a liberdade criativa possibilitada pelo estúdio se tornou decisiva para a construção do MCU. Embora a influência da dobradinha Joss Whedon\Kevin Feige tenha ganhado uma proporção maior após a ousadia “desastrada” de Shane Black no ótimo Homem de Ferro 3 (2013), é nítido que a dupla soube respeitar a essência de cada um dos realizadores. Consciente dos perigos quanto a interferência criativa, Feige ofereceu a liberdade necessária para que cada um dos realizadores pudesse imprimir a sua pegada em tela. A preocupação, segundo o próprio presidente da Marvel, em entrevista a Vanity Fair sempre esteve no filme e não no universo. “O único conselho (para outros estúdios na esperança de imitar o sucesso da Marvel) é não se preocupar com o universo. Preocupe-se com o filme. Nós nunca nos propusemos a construir um universo. Nós nos propusemos a fazer (neste primeiro momento) um ótimo filme do Homem de Ferro.” Uma mentalidade que se tornou a alma do negócio dentro do MCU. Após a “confortável” fase 1, Feige sentiu a confiança necessária para “soltar as cordas”, permitindo, por exemplo, que os Irmãos Russo fizessem de O Soldado Invernal um instigante thriller de espionagem, que Shane Black fizesse de Homem de Ferro 3 um improvável ‘buddy cop movie’, que James Gunn fizesse de Guardiões da Galáxia uma extravagante ópera espacial, que Payton Reed fizesse de Homem-Formiga um impagável filme de assalto e que Taika Waititi fizesse de Thor: Ragnarok uma transloucada comédia aventuresca.  O resultado foram filmes distintos, com personagens diferentes, mas que, para a nossa surpresa, nunca deixaram de pertencer ao mesmo universo. Uma variedade de projetos que, na minha humilde opinião, comprova a importância da liberdade criativa dentro da Marvel Studios. Como bem garante Gunn, emitindo a sua opinião sobre os motivos do sucesso do MCU. "Pode parecer paradoxal, mas a razão pela qual a Marvel Studios é tão bem-sucedida quanto é porque não se trata de dinheiro para nenhum dos responsáveis ​​- é simplesmente sobre amar a magia dos filmes.", sintetizou via Twitter.

- Marketing\Divulgação dos seus produtos


Consciente que, num primeiro momento, não tinha em mãos os mais populares personagens do selo Marvel, Kevin Feige e o seu então parceiro Avi Arad parecem, desde início, ter entendido que os seus filmes não se venderiam sozinhos. Mais do que isso. À medida que o MCU ganhou substância, a companhia entendeu que um filme dependia do outro. O marketing, na verdade, começou a ser feito dentro das próprias produções. Indo além dos ‘fan services’, Feige começou a “vender” os seus projetos futuros dentro dos filmes. Mais do que estabelecer os seus inúmeros personagens, a Marvel Studios mostrou paciência ao introduzir as peças do seu quebra cabeça, criando uma crescente conexão entre público e franquia mesmo sem apelar para as (a meu ver) detestáveis pontas soltas. Neste sentido, é interessante ver como (mesmo de maneira despretensiosa) a iniciativa Vingadores nasceu com o primeiro Homem de Ferro, como Thor ganhou vida a partir de Homem de Ferro 2, como o temido Thanos deu as caras pela primeira vez em Os Vingadores. Os easter eggs e as cenas pós-créditos ganharam nova relevância e se tornaram decisivas para o processo de divulgação da franquia. Com personagens tão bem estabelecidos em mãos, Feige não poupou esforços para aquecer o ‘hype’ em torno dos lançamentos. Os anúncios de filmes viraram grandes eventos, os painéis da Comic-Con uma experiência requisitadíssima e os populares trailers, por si só, se tornaram motivos para longos debates\vídeo análises no Youtube. Neste sentido, o marketing se tornou quase que instantâneo, muito em função do esmero da Marvel Studios na concepção das suas empolgantes prévias. Como não se encantar, por exemplo, pelo primeiro trailer de Guardiões da Galáxia, pela introdução do novo Homem-Aranha na prévia final de Guerra Civil ou então do opressor (pelo menos para a concorrência) último trailer de Guerra Infinita. E Feige não parou por ai. Ao criar um engenhoso paralelo com a TV, principalmente através da série Marvel Agents of Shield, o Universo Vingadores ganhou um alcance impensável dentro do gênero. Sem nunca trocar os pés pelas mãos, a Marvel Studios soube ampliar os seus “tentáculos” com inteligência, tornando o seu produto cada vez mais rentável ao criar laços estreitos com o Cinema, a TV e a Internet. Um predicado, diga-se de passagem, potencializado pela espontaneidade jovial do seu renovado\multifacetado elenco, que, indiscutivelmente, tem mostrado um elogiável “espírito esportivo” para as inúmeras entrevistas\junkets\matérias especiais ao redor do mundo.

- Respeito ao público


Aqui volto a um tema que citado lá em cima quando me referi ao minucioso planejamento da Marvel Studios. Mais do que simplesmente cumprir o seu calendário de estreias, um fato aparentemente simples, mas que tem se tornado um problema crônico dentro do gênero, Kevin Feige entendeu que a melhor forma de respeitar os fãs é construir um universo à altura da sua dedicação à franquia. O que fica bem claro com a consolidação da “fórmula Marvel”, um padrão pensado – claramente - visando a abrangência do seu público. Além disso, nos últimos anos a empresa, muitas vezes na figura do próprio Feige, tem procurado um diálogo maior com o público, como na recente campanha “Thanos demands your Silence” ou na recente postagem do presidente da Marvel Studio agradecendo a massiva audiência do público na estreia de Vingadores: Guerra Infinita. “Os últimos dez anos foram uma jornada inesquecível e não poderíamos ter feito nada disso sem um time inteiro no Marvel Studios, incluindo nossos incríveis talentos na frente e atrás das câmeras, criadores visionários dos quadrinhos e, mais importante, vocês, nossos fãs! Obrigado por acolher tão bem esses personagens e essas histórias que deram início ao MCU há dez anos. Esse último final de semana foi um resultado muito além das nossas expectativas. Em nome de todos, agradecemos a vocês por serem os melhores fãs do universo e por fazerem de Vingadores: Guerra Infinita a maior estreia de todos os tempos.”, finalizou Feige.

- Uma ode ao Fan-service


Enquanto a concorrência parecia (até pouco tempo atrás) se envergonhar do elemento super-heróico, a Marvel Studios nunca escondeu o seu insaciável apreço pelo ‘fan service’. Gostem ou não, o fato é que o UCM se tornou referência quando o assunto é a utilização das referências, mostrando a bagagem nerd dos realizadores em diversos títulos. Um fato que, segundo o próprio Kevin Feige, se deve a sua posição de inércia na produção\colaboração na fase pré-Marvel Studios. “Nos meus sete anos, de 2000 a 2007, antes de começarmos a Marvel Studios, pude ver filmes que funcionavam e os filmes que não funcionavam. Bem, nós opinávamos, mas eles não ouviram. Nós não tínhamos o controle. Eu odiava isso. Lembro-me de pensar: se alguma coisa não vai dar certo, prefiro que seja porque tínhamos o que achávamos ser uma boa ideia e simplesmente não funcionava, do que quando não conseguíamos convencer o tomador de decisão a fazer x, y ou z.”, revelou Feige à Vanity Fair. Diretor de Homem de Ferro, Jon Favreau foi além ao questionar o descuido das grandes companhias para com os interesses dos fãs. “O que os estúdios fizeram, tipicamente, era ignorar a base de fãs porque eles representam apenas uma pequena fração do público em potencial e se concentrar no público mainstream. Kevin (Feige) teve a experiência de se associar a outros estúdios e teve a frustração quando essas preocupações foram ignoradas.” É bom frisar que, neste meio tempo, Feige trabalhou na co-produção\produção executiva representando o selo Marvel em títulos como Demolidor, Elektra, O Quarteto Fantástico, X-Men: O Confronto Final, Blade Trinity e Homem-Aranha 3, obras que, ao visar um mercado mais abrangente, se distanciaram grosseiramente das HQ’s. O resultado, bem, são blockbusters confusos e genéricos que, de certa forma, parecem ter servido como um decisivo aprendizado para o presidente da Marvel Studios.

- Valorização do elemento Humano


Ao, logo no primeiro filme de uma então embrionária franquia, sair em defesa de um personagem mais interessante fora do seu uniforme, Kevin Feige comprovou que o elemento humano seria uma peça chave dentro UCM. Sem nunca sacrificar o senso de entretenimento, a Marvel Studios parece ter se encantado pela face mais falha dos seus super-heróis, indo além da contraditória figura do Tony Stark ao permitir que os seus personagens não ficassem limitados pela unidimensionalidade. O que fica bem claro, por exemplo, no arco do idealista Capitão América. Pintado inicialmente como um típico herói dos quadrinhos, Steve Rodgers cresce inesperadamente ao longo da sua trilogia, ganhando nuances próprias e sentimentos bem mais nebulosos do que o escapista primeiro filme parecia sugerir. Ao longo da franquia, aliás, é interessante ver o cuidado dos criadores quando o assunto é o senso de consequência. Embora as críticas quanto a falta de ousadia de Feige neste sentido sejam recorrentes (e em parte justificadas), é nítido que, nos últimos dois\três anos o UCM tem se distanciado da sua zona de conforto ao mostrar as consequências dos atos de super-heróis. O vilão Ultron, por exemplo, nasce do misto de temor e arrogância de Stark após a invasão alienígena em Nova Iorque. Já do ataque a Sokovia nasce as motivações do excelente Zemo, um personagem intrigante movido pela raiva e pelo senso de revanchismo. Guerra Civil, na verdade, soube trabalhar com brilhantismo o senso se consequência do Universo Marvel, preparando o terreno, após anos numa evidente zona de segurança, para títulos como Thor: Ragnarok e Vingadores: Guerra Infinita. Em outras palavras, mesmo após uma série de sucessos de público e crítica, a Marvel Studios parece disposta a se aperfeiçoar, a ouvir as críticas, um processo de amadurecimento que diz muito sobre o sucesso da franquia.

- Força dos seus subaproveitados personagens


Por fim, não podemos deixar de elogiar a genialidade de Kevin Feige e os inúmeros realizadores que passaram pelo Universo Marvel ao tirar o máximo de personagens que, até pouco tempo atrás, eram desinteressantes mesmo para os fãs de quadrinhos. Não, não estou me referindo ao Homem de Ferro, ao Thor, ao Hulk ou ao Capitão América. Embora estes não vivessem a sua fase mais popular, sustentar a fase 1 do UCM com base nestes populares personagens nem era o maior dos obstáculos. Muito pelo contrário, afinal de contas se tratavam de algumas das mais queridas produções da dupla Stan Lee e Jack Kirby. O problema é que, com o avançar da franquia, Feige entendeu que a Marvel detinha o direito sobre alguns personagens “subestimados” que poderiam funcionar nos cinemas. E foi ai que o universo compartilhado da Marvel parece realmente ter causado arrepios na concorrência. No momento em que um supergrupo B como Os Guardiões da Galáxia, o até então esquecido Homem-Formiga e o lisérgico Doutor Estranho se mostram capazes de rivalizar com personagens do quilate dos X-Men, do Batman e do Homem-Aranha, Feige mostrou que os demais representantes do gênero teriam que suar a camisa para alcançar o patamar conquistado pelo Universo Marvel. Não, definitivamente não foi sorte. Com muito trabalho, coragem e um elogiável respeito à base de fãs, a Marvel Studios mostrou a força de um universo subestimado, dos personagens que “sobraram” após uma série de negociações nos anos 1990, conquistando o prestígio e a confiança do público ao longo de uma década de grandes filmes e muita diversão. Entretenimento de qualidade levado a sério. E isso seja com um soldado geneticamente modificado, seja com um gigante raivoso, seja com um deus nórdico, seja com um guaxinim falante, seja com uma árvore monossilábica.

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