Guerra dos sexos
Guerra Civil americana. Um soldado "yankee" ferido é encontrado por uma garotinha e recebe abrigo numa isolada escola para jovens damas sulistas. Com uma premissa instigante em mãos, a talentosa Sofia Coppola se reafirma como uma das grandes diretoras da atualidade no insinuante O Estranho que Nós Amamos. Dando uma conotação essencialmente feminina ao remake do (esquecido) clássico homônimo de 1971, a realizadora esbanja delicadeza ao construir um suspense denso e sofisticadamente lascivo em torno da presença deste misterioso homem num lugar regido por um grupo de solitárias mulheres.
Sem tempo a perder, Sofia Coppola é inicialmente sucinta ao estabelecer a personalidade das protagonistas. Com uma direção suave, enquadramentos elegantes e uma montagem positivamente tradicionalista, ela é perspicaz ao desvendar as suas personagens a partir da reação delas a chegada do militar. Fazendo um inteligente uso dos planos abertos, a realizadora é habilidosa ao frequentemente unir as moradoras num mesmo quadro, permitindo que o público enxergue com clareza, por exemplo, a inocência da pequena Amy (Oona Laurence), a ingenuidade da bela Edwina (Kirsten Dunst), a carência da prática Miss Martha (Nicole Kidman) e o ar dissimulado da espevitada Alice (Elle Fanning).
Com base nestes arquétipos, Sofia Coppola é igualmente astuta ao traduzir a mudança no status quo da escola com a presença do cabo John (Colin Farrel). Gradativamente, a diretora muda a perspectiva da trama e passa a se concentrar no jogo de sedução dele para prolongar a sua "estadia" na casa\refúgio. Ainda que não tenha a presença física de Clint Eastwood, o protagonista do original, o versátil Colin Farrel compensa ao absorver o magnetismo do seu personagem, ao usar o seu charme como uma espécie de arma. Num envolvente 'mise en scene', Coppola transforma o segundo ato num capcioso jogo de poder, uma inquietante luta pela confiança e o consequente controle da situação, extraindo o máximo do seu primoroso elenco feminino ao capturar as verdadeiras intenções delas por trás de um conveniente discurso Cristão. Kidman, Laurence e Fanning, em especial, estão soberbas e interiorizam os sentimentos das suas personagens com extrema espontaneidade.
Na hora de elevar o patamar da sua obra, porém, a realizadora peca pela precipitação ao explorar as consequências desta perigosa relação. Embora não prejudique o intenso clímax, Coppola opta por acelerar algumas situações, tornando algumas decisões um tanto quanto convenientes. Na verdade, os "gatilhos" encontrados pela diretora não justificam algumas repentinas mudanças de comportamento. Menos mal que, mesmo nestes momentos menos inspirados, o longa se revela uma obra esteticamente memorável. Numa proposta genuinamente naturalista, a realizadora é criativa ao usar somente a iluminação natural, reforçando o aspecto imersivo do roteiro ao criar uma atmosfera fria e nebulosa. Com refinamento, ela exibe o seu virtuosismo ao fazer um inventivo uso do contra luz, realçando os contrastes e o clima de tensão em alguns engenhosos planos conjuntos. Sem querer revelar muito, as bucólicas sequências externas são primorosas, com direito a quadros texturizados que mais parecem pinturas à óleo. Ponto para a envelhecida fotografia outonal de Philippe Le Sourd (Um Bom Ano).
Em contrapartida, limitada pela proposital ausência de luminosidade, Sofia Coppola causa certo desconforto em algumas das escuras cenas internas, uma opção que parece subaproveitar a expressividade dos seus próprios comandados. Dito isso, mesmo com alguns deslizes técnicos e narrativos, O Estranho que Nós Amamos se desvencilha dos clichês do sexo frágil ao expor, sob um prisma amoral, cerebral e propositalmente exagerado, os perigos de se "brincar" com os sentimentos de uma(s) mulher(es). Um remake bem mais introspectivo e independente.
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