sábado, 25 de novembro de 2017

Jim e Andy, Gaga: Five Foot Two e outros dez grandes documentários sobre o mundo da arte na Netflix


Dona de algumas das mais comentadas produções originais de 2017, vide os elogiados Okja, Os Meyerowitz e Wheelman, a Netflix tem investido pesado no seu catálogo. Em busca do fortalecimento da sua marca, a companhia vem apostando nas suas produções originais, dando voz a novos realizadores e relevância aos projetos de pequeno porte. Um dos gêneros mais fartos no "cardápio" da empresa, entretanto, é também um dos menos comentados: o Documentário. Frequentemente desvalorizados pela indústria do entretenimento, os filmes documentais ganharam uma janela de grande alcance na Netflix, um espaço amplo e tematicamente plural. Nos últimos meses, inclusive, a empresa de streaming apostou as suas fichas em dois ótimos representantes do gênero, o revelador Gaga: Five Foot Two e o extraordinário Jim e Andy: The Great Beyond. Neste artigo, além de analisar estas duas excelentes obras sobre a cantora Lady Gaga e os comediantes Andy Kaufman e Jim Carrey, eu resolvi listar outros dez grandes documentários sobre o mundo da arte presentes (até a data desta publicação) no catálogo Netflix. Para fugir da obviedade, entretanto, decidi deixar de fora alguma das produções mais populares, entre elas os igualmente excepcionais What Happend, Miss Simone? (2015), Metallica: Some Kind of Monster (2004) e A Um Passo do Estrelato (2013). 

- Jim e Andy: The Great Beyond (2017)

Durante as filmagens de O Mundo de Andy, cinebiografia do celebrado Andy Kaufman, Jim Carrey recrutou a namorada do saudoso comediante, Lynne Margulies, e o seu melhor amigo, Bob Zmuda, para registrar os bastidores desta excêntrica produção. O resultado é Jim and Andy: The Great Beyond, um projeto que, após quase duas décadas engavetado, pinta um retrato ainda mais íntimo sobre o 'modus operandi' de Kaufman e o surtado trabalho de Carrey para traduzir a essência do provocador humorista. Trazendo à luz uma série de fantásticas imagens de arquivos, costuradas aos depoimentos do ator pela enérgica montagem, o longa dirigido por Chris Smith é perspicaz ao traçar um inspirado paralelo entre os dois comediantes. Entre profundas divagações existenciais e relatos impressionantemente verídicos, Carrey espanta ao revelar o seu processo de imersão no personagem, ao expor a sua obsessiva dedicação à construção do biografado. Num primeiro momento, Jim e Andy fascina ao mostrar como funciona o tão comentado método, um estilo de atuação em que o protagonista praticamente se transforma numa outra pessoa. Apesar das inegáveis diferenças físicas entre os dois, Carrey verdadeiramente vira Kaufman, assume os seus trejeitos, a sua excentricidade e o seu comportamento arredio. Durante as filmagens, inclusive, é possível sentir o misto de encantamento e desconforto daqueles que já haviam contracenado com o humorista, entre eles Danny DeVitto, Judd Hirsch e o próprio Zmuda. A sensação de caos controlado toma conta do set. Jim some, Andy assume. Ele simplesmente não se desliga de Kaufman, um trabalho esquizofrênico e nitidamente perigoso que rendeu uma série de bizarras situações e alguns comoventes encontros.


Jim e Andy, entretanto, não é somente um documentário sobre os bastidores de O Mundo de Andy. Na verdade, Chris Smith mostra sensibilidade ao usar o desempenho de Carrey como o ponto de partida para um estudo de personagem bem mais profundo do que o concretizado pelo filme. Ao longo da película enxergamos melhor a genialidade de Kaufman, a sua veia provocadora e a sua maneira de encarar a comédia. Mesmo sem um depoimento sequer de documentado, conhecemos um pouco mais sobre ele ao perceber a reação dos seus amigos diante da transformada figura de Carrey. Após um estranhamento inicial, a maioria dos envolvidos no projeto “compra” o inusitado trabalho do ator, passa a assumir a presença de Kaufman como possível, resultando em momentos genuinamente comoventes. O episódio em que o experiente DeVitto, após a realização de uma cena naturalmente dolorosa, conduz um fragilizado Carrey até a sua cadeira sintetiza essa "entrega" de todos no set. Nas entrelinhas, porém, é interessante ver como o astro de Ace Ventura (1994) "fala" através de Kaufman\Tony Clifton e expõe os seus próprios medos e o seu egocentrismo. Quase vinte anos depois, Carrey não foge da raia ao se aprofundar nestes temas durante uma inusitada entrevista, realçando os contrastes entre o velho e o novo Jim ao analisar a sua trajetória sob uma perspectiva mais madura e reflexiva. Além disso, ele se esforça para tentar explicar tanto o impacto desta inusitada experiência na sua vida, quanto a influência de Kaufman no seu trabalho, reforçando o aspecto mais transcendental da situação ao extrair um grande filme de outro grande filme. Denso, íntimo e naturalmente engraçado, Jim and Andy reverência a completa (e exaustiva) dedicação de dois comediantes à sua arte num projeto que dá ao público a possibilidade de ver a mágica acontecer. (**** e 1\2)

- Gaga: Five Foot Two (2017)

Tão caótico quanto à rotina da documentada, Gaga: Five Foot Two se revela um relato corajoso sobre uma das maiores estrelas da música pop atual. Sem grandes preocupações narrativas, o longa dirigido por Chris Moukarbel flerta com o naturalismo ao "despir" a talentosa cantora, ao tentar entender os seus medos, as suas frustações, as suas desilusões e os seus anseios. Ao longo das ritmadas 1 h e 40 min de projeção conhecemos a Lady Gaga diva, a Lady Gaga caseira, a Lady Gaga "barbeira", a Lady Gaga fragilizada fisicamente, a Lady Gaga madrinha (num segmento bizarro), a Lady Gaga indomável e a Lady Gaga humana. Num recorte ágil potencializado pela esperta montagem, Moukarbel sintetiza a nova fase da cantora ao acompanhar o processo de gravação\divulgação do álbum Joanne, realçando a pressão em torno dela durante este período, as (emotivas) motivações para o disco, as suas incertezas e o seu inquestionável virtuosismo técnico. É quando se aproxima da mulher por trás da Lady, a comunicativa e insegura Stefani Germanotta, entretanto, que Gaga: Five Foot Two alcança um revelador grau de intimismo.


Usando celulares e câmeras portáteis, a talentosa cantora é honesta a mostrar a sua face mais mundana, ao revelar as suas constantes dores, a sua carência afetiva, os seus problemas passados e a sua transparente solidão. Embora sempre cercada de amigos, empresários e dos seus familiares, Gaga (quer dizer, Stefani) é sincera ao falar sobre a sua rotina, o seu recorrente desconforto (a ruidosa trilha sonora ajuda a potencializar esse sentimento) e as consequências de se viver numa espécie de "bolha" imposta pelo estrelato. Ao longo da película, inclusive, Moukarbel é particularmente habilidoso ao reforçar os contrastes entre Gaga e Steffani. Entre a estrela da música que "enfileira" uma série de selfies sem esboçar um sorriso e a mulher de trinta e poucos anos (não se revela a idade de uma dama) que amolece ao receber uma flor do seu ex-noivo. O resultado é um documentário pessoal que fascina ao mostrar o outro lado da fama. E isso embalado por algumas excelentes performances vocais desta "monstra" chamada Lady Gaga. (***e 1\2)

- I Am Your Father (2015)

Não é novidade que o icônico Darth Vader é um dos maiores vilões da cultura pop. Símbolo da poderosa franquia Star Wars, o antagonista assombrou gerações e naturalmente conquistou um status impossível de se traduzir em palavras. Por trás da soturna máscara do personagem, entretanto, estava um homem. Um ator que, apesar da sua força física e dos seus mais de dois metros de altura, foi oficialmente "esnobado" e não conseguiu colher os frutos do seu trabalho da mesma maneira que os seus colegas de set. Disposto a entender a inusitada situação de David Prowse, I am Your Father instiga ao aparar as arestas e revelar os motivos por trás desta situação. Num recorte envolvente e realmente completo, os diretores espanhóis Marcos Cabotá e Toni Bestard fazem um belo trabalho ao não só reverenciar a figura do ator e exaltar a sua importância para a concepção deste impactante antagonista, como também ao tentar entender as explicações por trás de tamanho "desleixo" e as injustiças que o cercaram. Ao longo de enxutas 1 h de 20 min de película, conhecemos o agora octogenário David Prowse, a sua completa devoção ao personagem, a sua inusitada carreira e como um mal entendido mudou o seu status dentro da franquia.


Embora, na ingênua tentativa de fazer justiça três décadas depois, a dupla de documentaristas perca o foco em alguns momentos, o longa é cuidadoso ao usar os depoimentos de produtores, companheiros de set e entrevistas de arquivos para montar um antigo quebra-cabeças. Mesmo limitados pela ausência de depoimentos de maior peso, o que, de certa forma, atesta o rótulo de "patinho feio" de Prowse para com os executivos da LucasFilm, os espanhóis conseguem esclarecer o episódio com um eficaz faro jornalístico, jogando uma bem-vinda luz sobre algumas situações que talvez nem mesmo os fãs mais fervorosos tivessem conhecimento. Além disso, o longa é sensível ao reverenciar o trabalho dos atores que brilharam mesmo escondidos por máscaras e maquiagens (leia o nosso artigo sobre o tema), ressaltando a importância destes abnegados realizadores na composição dos trejeitos dos personagens e da imponência física deles. Um prato cheio para os cinéfilos de plantão, I Am Your Father redescobre um dos pilares da saga Star Wars num documentário leve, sincero e genuinamente cativante. (****)

- Janis: Little Girl Blue (2015)


Conduzido com o toque feminino de Amy Berg, Janis: Little Girl Blue joga uma inspirada luz sobre a vida e a trajetória da legendária Janis Joplin. Num relato completo recheado de raríssimas imagens de arquivos e arrepiantes números musicais, o documentário é cuidadoso desvendar a face humana deste verdadeiro ícone da música mundial. Embora fascinada pela estrela Janis Joplin, Berg mostra habilidade ao expor a mulher por trás do dom, ao revelar o seu carisma, as suas origens e o seu particular estilo de vida. Sem recorrer aos clichês, a diretora esbanja naturalismo ao capturar tanto a aura lisérgica da década de 1970, quanto a presença das drogas na rotina da cantora, presenteando os fãs (e o público em geral) com um recorte bem completo sobre a curta e memorável jornada de Janis. Na transição para o desfecho, inclusive, é interessante o esmero de Berg ao descortinar a relação da cantora com o Brasil e como o nosso país se tornou uma espécie de oásis na sua trágica fase final. Diferente de outros documentários desta lista, entretanto, Janis: Little Girl Blue não se mostra interessado em explorar a dor da cantora. O foco, aqui, está na arte, na moleca com voz inconfundível que reluziu entre os gigantes para se tornar uma verdadeira lenda da música. (****)

- George Harrison: Living in a Material World (2011)

Ao longo de reveladoras 3 h e 25 min de película, o mestre Martin Scorsese pinta um retrato pessoal sobre George Harrison no fascinante Living in a Material World. Fazendo jus ao subtítulo do documentário, o realizador opta por se distanciar da trajetória profissional do saudoso Beatle, usando o trabalho do virtuoso guitarrista como um ponto de partida para um estudo de personagem profundo e complexo. Embora se preocupe em narrar a ascensão do músico, a sua relação com o sucesso e o seu memorável trabalho artístico, Scorsese encanta ao exaltar a face mais humana do documentado, se esquivando das respostas fáceis ao tentar entender o papel deste inteligente homem na formação de um dos mais poderosos grupos da história da música. Curiosamente, porém, apenas um terço do documentário é verdadeiramente dedicado aos Beatles. O foco, aqui, está na figura de Harrison, no seu amor pela música, no seu apreço pelos laços afetivos, na sua forte espiritualidade, na sua devoção pelos amigos, nas suas contradições e na sua constante busca por liberdade. Num relato íntimo, Scorsese usa a franqueza de Harrison ao seu favor, extraindo os máximos dos entrevistados ao construir o perfil de um homem inquieto, em constante amadurecimento. Um músico discreto, aberto às experiências transcendentais, mas, ao mesmo tempo, fascinado pela sua arte e pelo o aspecto mais mundano em torno da sua rotina.


Através de sinceros depoimentos, Martin Scorsese é particularmente cuidadoso ao realçar os contrastes em torno da postura do guitarrista, ao revelar tanto a sua face mais dócil e terna, quanto o seu lado mais raivoso e irônico. Além disso, um tema recorrente na sua filmografia, a religiosidade, naturalmente, se torna um dos pontos altos da película, principalmente pelo esmero do realizador ao mostrar a estreita amizade entre Harrison e músico indiano Ravi Shankar. Sem nunca soar superficial, Scorsese expõe a sua própria curiosidade quanto à filosofia defendida pelo músico, realçando os conceitos e os fundamentos do Hinduísmo enquanto reforça a dedicação do documentado e a sua constante luta para colocar a sua fé\convicções espirituais em prática. Nas entrelinhas, inclusive, Scorsese foge do lugar comum ao mostrar o impacto cultural da crença no icônico álbum Sgt Peppers, mostrando a frustração de Harrison ao perceber o aspecto mais nocivo da lisergia proposta pelo movimento contracultural que tomou conta da América nos anos 60\70. Ao longo da segunda metade do documentário, aliás, Scorsese é igualmente habilidoso ao revelar a relação de George Harrison com a arte como um todo, adicionando novos elementos ao longa ao dar voz aos seus "parceiros", entre eles os atores Eric Idle e Terry Gilliam (Monty Python), o piloto de F1 Jackie Stewart e os músicos Tom Petty, Roy Orbinson e Bob Dylan. Que turma! Contando ainda com uma ritmada montagem, históricas imagens de arquivo e uma trilha sonora escolhida a dedo, Living in The Material World se distancia do sentimentalismo barato ao narrar a trajetória do homem que fugiu dos holofotes para encontrara sua luz. Uma figura fascinante que, com discrição, buscou aproveitar o máximo da sua experiência na Terra. (**** e 1\2)

- For The Love of Spock (2016)



Muito mais do que uma simples ode ao legado do saudoso Leonard Nimoy, For The Love of Spock se tornou um relato intimista sobre o homem por trás de um dos personagens mais icônicos da cultura pop. Pensado previamente como uma homenagem, o documentário dirigido por Adam Nimoy ganhou um novo sentido com a morte do ator em fevereiro de 2015. Conduzido com extremo intimismo pelo filho do documentado, o longa reforça o mito em torno de Leonard Nimoy sem esquecer de desvendar a sua face mais falha e humana. Num recorte denso e revelador, Adam se encanta pelas falhas do seu pai, mostrando ao longo da película não só o seu lado mais genial e criativo, como também os seus problemas e conflitos mais pessoais. Sem um pingo de rancor, o diretor usa o seu próprio ponto de vista para mostrar a dura rotina do filho de uma estrela, evidenciando o bônus e principalmente o ônus ao falar sobre temas como o distanciamento paterno, o falso glamour e os vícios do seu pai. Recheado de depoimentos marcantes e preciosas imagens de arquivos, Adam Nimoy é igualmente habilidoso ao entender os motivos que fizeram do seu pai uma das figuras mais queridas dentro da indústria. Por trás das falhas percebemos a existência de um homem amoroso, gentil e indiscutivelmente talentoso, um dos grandes responsáveis pelo triunfo da saga Star Trek. Em suma, For The Love of Spock é um documentário cativante, uma carta de amor honesta e sentimental de um filho para o seu pai. (****)

- Foo Fighters: Back and Forth (2011)


Uma das bandas mais irreverentes, virtuosas e cinematográficas da última grande geração do rock, o Foo Fighters tem a sua trajetória descortinada no íntimo Back and Forth. Assim como a poderosa banda, o documentário dirigido pelo vencedor do Oscar James Moll (The Last Days) esbanja ritmo ao revelar o denso 'background', a origem e a ascensão de um grupo de músicos unidos por seus dramas. Sem tempo a perder, o realizador tira o "elefante da sala" ao, logo no ato inicial, revelar o impacto do Nirvana e da trágica morte do vocalista Kurt Cobain na formação da banda. Embora abra espaço para todos os membros da banda ao longo da película, Moll é sagaz ao, num primeiro momento, se concentrar na figura de Dave Grohl, extraindo o máximo do documentado de maneira sucinta e emocionante. Impulsionado pela afiada montagem e pelas inúmeras imagens de arquivo, o realizador é igualmente habilidoso ao expor o repentino sucesso da banda e ao revelar a verdade por trás das mudanças na formação original. Graças a excelente edição, Moll une os depoimentos dos músicos com enorme espontaneidade, realçando a sinceridade dos entrevistados e as suas mágoas mais enraizadas ao tentar entender as decisões de Grohl enquanto líder da banda. Uma abordagem imparcial potencializada pela franqueza do vocalista ao verbalizar conflitos e não omitir a sua exigente face mais profissional. Num todo, aliás, é interessante ver o esmero de Moll ao acompanhar o amadurecimento musical da banda, ao evidenciar a inquietude de Grohl e dos seus parceiros de conjunto, culminando num último ato pessoal e naturalmente marcante. Nele, a banda mostra o seu 'modus operandi' na composição de algumas faixas do "artesanal" álbum Wasting Light, um desfecho capaz de sintetizar o amor dos integrantes do Foo Fighters pela música, o talento individual dos músicos e a devoção deles para com o seu trabalho. Uma obra completa e humana que, mesmo nos segmentos mais rasos, consegue traçar um inspirado perfil sobre um dos últimos grandes expoentes do Rock 'n' Roll noventista. (*** e 1\2)


- Keith Richards: Under the Influence (2017)

Um artista em paz com sua obra, com o seu legado e com a sua arte, Keith Richards se despe musicalmente perante o público no excelente documentário Under The Influence. Com a humildade conquistada ao longo de anos de estrada, este verdadeiro monstro do rock esbanja sinceridade ao lembrar-se daqueles que o ajudaram a definir o seu estilo. Numa proposta simples e confidente, Richards mostra o seu genuíno amor pela música ao recordar as suas principais influências, desde a mãe "perita em sintonizar rádios", passando por Billie Holliday, Muddy Watters, Buddy Guy, Chucky Berry, Hank Williams, Johnny Cash, e chegando a nomes como Jimmy Cliff, Bob Marley e Tom Waitts. Recheado de frases memoráveis, a película traduz a versatilidade do guitarrista com leveza e paixão, mostrando através do seu rico gosto musical os motivos que fizeram dos Rolling Stones uma das bandas mais consagradas da história do rock. Além disso, o inglês Richards faz questão de revelar o seu apreço pela cultura musical americana, pelo Blues, pelo Soul e pelo Country, revelando a sua luta para resgatar os seus ídolos do esquecimento. Uma reverência merecida e genuinamente emocionante. Nas entrelinhas, aliás, o músico não foge da raia ao falar brevemente sobre o choque cultural nos seus primeiros anos no país, ao relembrar a segregação e o preconceito contra os negros na década de 1960, expondo a sua incompreensão e os contrastes da época com extrema honestidade. Embora peque pela superficialidade em alguns momentos, a subaproveitada relação com o pai, por exemplo, rende um dos trechos mais belos e comoventes do material, o diretor Morgan Neville (A Um Passo do Estrelato) compensa ao extrair o máximo do documentado, ao revelar a face mais sábia e simples de um relaxado Keith Richards, conseguindo traçar através da música um perfil revelador sobre um homem que enxerga o envelhecimento como uma espécie de evolução. (****)

- Life Itself (2014)




O documentário Life Itself é uma pedida indispensável para os fãs de cinema. Intimista e revelador, o longa dirigido por Steve James revela a faceta mais apaixonada do crítico Roger Ebert, um homem que dedicou o seu trabalho ao mundo da sétima arte. Numa época em que a função do crítico\jornalista anda tão desvalorizada, chega a ser reconfortante poder conhecer um pouco mais sobre a carreira deste profissional e a maneira respeitosa com que nomes como Martin Scorsese, Werner Herzog e Ava Duverney falam sobre a sua influência. Mais do que emocionante um relato pessoal, o filme fala sobre o cinema enquanto instrumento de análise e devoção, permitindo que o espectador conheça a sua importância quando o assunto é a popularização da crítica cinematográfica. Em suma, com excelentes imagens de arquivos, profundos depoimentos e a tocante direção de Steve James, Life Itself fascina ao desvendar o homem por trás de tamanha paixão pela sétima arte. (*****)

- Amy (2015)


Vencedor do Oscar de Melhor Documentário, Amy é um filme dilacerante. Um relato incisivo sobre uma estrela que teve o seu dom "sugado" até a última gota. Sob a batuta intimista do respeitado Asif Kapadia, o longa vai do fascínio ao choque ao acompanhar a ascensão e a meteórica queda de uma das maiores cantoras da sua geração. Sem um pingo de concessão, o realizador britânico transita habilmente entre o talento e o caos, realçando o aspecto mais tênue da trajetória da incrível Amy Winehouse ao revelar não só a sua genialidade o seu talento, como também o impacto da fama e da péssima gestão de carreira na sua vida. Com livre acesso as reveladoras imagens de arquivo, Kapadia pinta um retrato genuinamente humano sobre a documentada, expondo o melhor e o pior da cantora ao contrastar a pureza bruta da jovem Amy com a degradação física\emocional da saturada Amy. Corajoso, o diretor é incisivo ao revelar os culpados, ao evidenciar a negligência das pessoas mais próximas. ao entender como uma figura tão reluzente sucumbiu perante o vício e a solidão. Ao longo das envolventes duas horas de película, Asif Kapadia se concentra na nociva relação de Amy com o seu pai\empresário e o seu marido Blake Fielder. Nas entrelinhas, porém, o realizador amplia o escopo ao voltar a sua mira também para a imprensa sensacionalista. Como se não bastasse a sucessão de imagens verdadeiramente chocantes, Kapadia revolta ao mostrar a maneira como os tabloides tratavam a doença de Amy, como ela foi "consumida" ao longo da sua fase final, culminando num clímax doloroso e essencialmente triste. Um verdadeiro soco no estômago. Uma preciosa fonte de reflexão sobre a faceta mais "perigosa" do jornalismo. (*****)

- Anvil: A História de Anvil (2008)


Esse é uma pequena pérola sobre o amor pela música. Confesso que, num primeiro momento, achei que Anvyl fosse um 'mockumentary', um documentário falso no estilo O que Fazemos nas Sombras e Isto é Spinal Tap. Ledo engano. Protagonizado pelo doce e determinado Steve 'Lips' Kudlow, o longa dirigido por Sacha Gervasi fascina ao mostrar a intrépida jornada de uma banda em busca do estrelato perdido. Num relato íntimo, sincero e naturalmente envolvente, o realizador é cuidadoso ao mostrar a realidade de um grupo após o seu "minuto de fama". Recheado de situações naturalmente cômicas, daquelas que de tão realísticas parecem escritas previamente, o documentário é cuidadoso ao mostrar o ostracismo de um grupo de trash metal que na década de 1990 dividiu o palco com os gigantes Metálica, Megadeth e Motohead. Não contente em acompanhar a retomada da carreira do Anvil numa confusa turnê pela Europa, Gervasi emociona ao mostrar não só devoção dos músicos pela sua arte, como também a frustração deles diante do fracasso iminente, encontrando as brechas necessárias para mostrar a realidade de muitas bandas pequenas espalhadas pelo mundo. O resultado é uma obra tocante, um documentário repleto de diálogos sinceros e momentos genuinamente engraçados que não merece passar despercebido. (*****)

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