Os monstros da vida real
Entre o lúdico e o realista, Sete Minutos Depois da Meia Noite é uma
verdadeira pérola, uma fábula corajosa sobre um dos momentos mais difíceis da
nossa existência: a hora de dar adeus. Conduzido com extrema delicadeza pelo
talentoso J.A Bayona (O Impossível, O Orfanato), o longa fascina ao desvendar os conflitos
do pequeno protagonista sob um prisma denso e extremamente humano, fazendo um
primoroso uso do teor fantástico ao expor a sua dor diante de uma situação tão
devastadora. Através de diálogos intimistas e carregados de simbolismo, o
realizador espanhol se esquiva do viés moralista presente no gênero ao reverenciar
a natureza humana, as nossas imperfeições, frustrações e os mais enraizados
medos. O resultado é um relato universal e comovente, uma obra que, ao abraçar
a multidimensionalidade dos seus personagens, mostra propriedade ao revelar o
quão árduo e particular é o processo de aceitação em torno da iminente perda de
um ente querido.
Inspirado no livro A Monster Calls, de Patrick Ness, Sete
Minutos Depois da Meia Noite é inicialmente irretocável ao estabelecer o peso
de uma doença terminal na rotina de uma família comum. Sem nunca apelar para o
sentimentalismo, o roteiro assinado pelo próprio escritor é cuidadoso ao
introduzir as nuances mais pessoais dos seus personagens, ao expor a maneira
com que cada um deles lidava com a situação, indo além das aparências ao
traduzir a dor, a solidão e a sensação de desamparo presente neste cenário
desolador. Fazendo um elegante uso da linguagem metafórico, J.A Bayona esbanja
contundência ao traduzir o distanciamento entre os protagonistas, ao justificar
as suas reações mais humanas e inconsequentes, encantando ao conseguir extrair
a beleza por trás da mais profunda tristeza. Não se engane, portanto, com o
viés fantástico presente na obra. A magia, aqui, está no amadurecimento dos
personagens, na maneira com que eles se insurgem corajosamente contra este
monstro da vida real.
Na trama, obrigado a conviver com um turbilhão de emoções, o precoce
Conor (Lewis MacDougall) parecia estar próximo do seu limite. Além de lidar com
a agressiva doença da sua querida mãe (Felicity Jones), ele sofria com a
distância do ausente pai (Tobey Kebbell, preciso), com a frieza da sua rígida avó (Sigourney
Weaver, ótima) e com os constantes ataques dos seus ignorantes colegas de classe.
Sofrendo com recorrentes pesadelos, Conor é surpreendido com a visita de uma
imponente árvore, uma criatura assustadora que resolve lhe contar três
histórias. Inicialmente relutante, o jovem decide aceitar esta repentina
oferta, sem saber que a criatura iria obriga-lo a enfrentar os seus temores
mais íntimos.
Com pleno controle criativo sobre a sua obra, J.A Bayona é zeloso ao
construir o elo familiar entre os personagens. Indo de encontro aos títulos
mais convencionais, o realizador consegue extrair o máximo de sentimento não só
dos breves e afetuosos momentos conjuntos, como também das intimistas sequências solitárias, expondo a faceta humana dos protagonistas sem precisar apelar
para soluções óbvias e redundantes. Ciente da universalidade do tema proposto,
o diretor preenche as brechas emocionais com momentos silenciosos, com
bisbilhotadas reveladoras, permitindo que o público crie uma gradativa conexão
com o cenário apresentado. Com apenas uma simples reação, por exemplo, ele
desconstrói a figura da avó, mostrando que existia um coração por trás de
tamanho pragmatismo. Sob um prisma intimista e inocente, Bayona é igualmente
sutil ao descortinar os segredos em torno da condição da adoentada mãe, ao
revelar aquilo que o jovem Conor parecia não querer aceitar\enxergar, tornando
o processo de amadurecimento do personagem extremamente harmonioso aos olhos do
espectador.
O grande diferencial de Sete Minutos Depois da Meia Noite, porém, reside
notoriamente no seu instigante teor fantástico. Impecável ao estabelecer o
misto de rebeldia, tristeza e solidão do protagonista, J.A Bayona é inventivo
ao explorar o viés fabulesco, ao transitar entre a magia e a realidade,
elevando o nível da película ao falar sobre a morte dentro de um contexto tão
honesto e maduro. Com um senso de moral bem particular, o realizador testa as
nossas expectativas ao realçar a multidimensionalidade por trás dos três
simbólicos contos, exaltando as imperfeições humanas sem esquecer de criar um
paralelo com os anseios do jovem. Na verdade, além de se conectarem
perfeitamente com a jornada de Conor, as passagens ampliam o escopo da trama ao
transitar por temas como o medo do desconhecido, o isolamento social e a perda
da fé. Esta última, aliás, rende uma reflexão no mínimo corajosa envolvendo a
banalização da crença. Amparado pelos profundos diálogos e pelos artísticos
trechos animados, a franca relação entre o garoto e a criatura cresce consistentemente
até o emocionante clímax, potencializada pelos magníficos efeitos visuais, pela
imponente dublagem do astro Liam Neeson e pela delicada trilha sonora de
Fernando Velázquez (Mama).
Contando ainda com a vigorosa fotografia fria de Oscar Faura (O
Orfanato), Sete Minutos Depois da Meia Noite é também um filme tecnicamente
irretocável. Como se não bastasse o esmero no que diz respeito às noções de
escala, J.A Bayona investe numa direção elegante e intimista, realçando o
aspecto subjetivo da película ao valorizar a expressão do elenco, os íntimos
planos fechados e as inventivas transições de cena. Somado a isso, o espanhol é virtuoso ao narrar
os fatos sempre sob a perspectiva de Connor, realçando a fragilidade do jovem
diante deste cenário desolador ao posicionar a sua câmera geralmente na altura
do personagem. Uma sacada de mestre, principalmente nos imersivos planos
médios.
Mesmo com deslizes, a maioria deles envolvendo os pequenos
problemas de ritmo e o subaproveitado arco paterno, Sete Minutos Depois da Meia-Noite bebe da fonte de sucessos como O Labirinto do Fauno ao dialogar com temas
tão reais dentro de um contexto mágico e poeticamente triste. Apesar da
aparência genérica do enredo, J.A Bayona brilha ao buscar uma estreita conexão
com os sentimentos apresentados em cena, encontrando nas extraordinárias
performances da dupla Lewis MacDougall (magnífico) e Felicity Jones (comovente)
o vínculo necessário para nos fazer experimentar a dor por trás desta batalha
pela vida. Sem querer revelar muito, a sequência em que a consciente mãe tenta
isentar o imaturo filho de qualquer tipo de remorso futuro é poderosa, uma cena
única dentro de um filme raro.
Um comentário:
Um filme que é simplesmente perfeito. Sem dúvida 7 Minutos Depois da Meia Noite filme se tornou em uma das minhas histórias preferidas desde que li o livro, quando soube que seria adaptado a um filme, fiquei na dúvida se eu a desfrutaria tanto como na versão impressa. Li que Juan Antonio Bayona foi o responsável e fiquei muito satisfeita com o seu trabalho, além de que o elenco foi de primeira. De verdade, adorei que tenham feito este filme.
Postar um comentário