terça-feira, 14 de março de 2017

Kong: A Ilha da Caveira

Um filme à altura do seu protagonista

Com o lançamento do magnífico Circulo de Fogo (2013), a Legendary Pictures percebeu o potencial do monstros em grande escala na era do CGI. No embalo da aventura dirigida pelo visionário Guillermo Del Toro, a produtora resolveu revitalizar este "esquecido" segmento resgatando das cinzas o Rei dos Monstros, o lendário Godzilla (2014). Disposto a retomar a credibilidade do icônico personagem nipônico, o diretor Gareth Edwards investiu numa obra tensa e substancial. Impecável ao realçar o fator humano por trás de uma figura tão grandiosa, o jovem realizador reintroduziu a mitológica criatura com enorme reverência, revelando pouco a pouco a imponência, a ferocidade e a vocação altruísta desta "força da natureza". Seguindo os passos de Circulo de Fogo, Godzilla foi bem recebido por público e crítica, dando o sinal verde para a volta de outro grande representante do gênero, o selvagem King Kong. Embora narrativamente simples, Kong: A Ilha da Caveira mantém o nível dos seus antecessores ao introduzir o gigantesco primata dentro de um contexto original e visualmente vigoroso. Num trabalho tecnicamente primoroso, o promissor Jordan Vogt-Roberts enche a tela de estilo ao invadir o habitat deste implacável monstro, destacando o elemento humano ao questionar a relação predatória entre o homem e a natureza. Com uma fotografia calorosa, cenários impactantes e uma enérgica aura setentista, o realizador brilha ao explorar as noções de escala e a presença do indomável símio, nos brindando com uma obra empolgante e esteticamente autoral. Um filme à altura do seu indomável protagonista. 


Indo de encontro a abordagem séria defendida por Edwards em Godzilla, Kong: A Ilha da Caveira não se envergonha em ser um filme de monstros, uma obra em que um macaco gigante e um réptil pré-histórico "saem na mão" com correntes e árvores em formato de bastão. Por mais que o argumento assinado por Dan Gilroy, Max Borenstein, Derek Connolly e John Gatins não traga nenhuma grande novidade, o diretor Jordan Vogt-Roberts compensa ao investir pesado no visual, na construção de mundo, esbanjando virtuosismo ao dar uma roupagem estilosa à uma premissa descomplicada. Fazendo um impressionante uso do CGI, o realizador brilha ao abraçar o aspecto mais selvagem da trama, potencializando a iminente sensação de perigo ao realçar a insignificância dos personagens perante criaturas tão ameaçadoras. Ainda que o fator humano seja novamente valorizado, Roberts mostra um inegável entusiasmo pelo aspecto macro da película, pela inventiva gama de monstros e criaturas exóticas, explorando com inspiração as noções de escala ao revelar a reação dos habitantes deste paradisíaco cenário diante da presença de invasores tão hostis.


Com um criativo repertório de enquadramentos e movimentos de câmera, o jovem diretor exibe uma assinatura particular ao capturar a grandiosidade do King Kong, ao enfatizar a desproporcionalidade no embate entre homem e natureza, investindo em expansivos planos abertos ao construir as engenhosas e inventivas sequências de ação. Na verdade, como se não bastasse o magnífica visual do instintivo primata, aqui mais esguio, animalesco e reverencial ao clássico de 1933, Roberts enche os olhos ao traduzir a imponência do entristecido "herói", ao mostra-lo com nitidez ao longo da maior parte da película, entregando alguns frames dignos de moldura. Sem querer revelar muito, a sequência em que Kong divide espaço com os helicópteros em meio ao por do sol é fantástica, assim como a panorâmica cena noturna em que os militares e a fera se preparam para o tão esperado confronto. Como é recompensador, aliás, poder ver um blockbuster desta escala tão bem filmado, com takes iluminados, estonteantes e inquestionavelmente expressivos.


Por outro lado, o argumento segue um caminho bem mais "basicão" ao introduzir os retilíneos personagens. Embora a afiada montagem simultânea traga um tempero especial ao longa, os roteiristas se escoram em velhos arquétipos ao apresentar os bastidores da nebulosa missão a uma intransponível ilha do pacífico. Temos então o cientista com interesses escusos (John Goodman), o coronel viciado em combates (Samuel L. Jackson), o soldado com saudades de casa (Toby Kebbel), o especialista aspirante à herói (Tom Hiddleston), a fotógrafa pacifista de bom coração (Brie Larson) e o burocrata covarde\deslocado (John Ortiz). Com figuras tão ordinárias em mãos, Jordan Vogt-Roberts até tenta enfatizar o aspecto humano por trás dos invasores, mas os personagens principais realmente se sustentam no carisma do talentoso elenco, no cenário absurdo que os cercam e na capacidade do realizador em extrair o aspecto mais interessante de cada um deles. A jornada de vingança do Capitão Packard, por exemplo, ganha um desenvolvimento bem satisfatório, assim como os arcos do militar zureta interpretado com energia por John C. Reilly e do corajoso soldado vivido por Thomas Mann.


Além disso, o processo de aproximação entre os humanos e o primata é moldado com inteligência e poder de síntese, uma relação de confiança solidificada a partir de uma sequência simples, mas recheada de sentimento. Uma bela forma de se livrar da clicherizada figura da donzela indefesa. Assim como em Godzilla, aliás, Roberts é habilidoso ao valorizar a presença humana nas cenas de ação, encontrando alternativas plausíveis para torna-los relevantes em meio aos embates de maior escala. Melhor ainda, no entanto, é a maneira com que o diretor explora o contexto bélico em prol da sua história. Numa sacada de mestre, ele amplia a gama de possibilidade ao levar a trama para a década de 1970, mais precisamente para o final da Guerra do Vietnã, utilizando os resquícios do conflito como um estopim para uma relevante crítica envolvendo a ignorância, o medo do desconhecido e a predatória relação entre o homem (Militares) e a natureza (Kong).


Uma opção que, diga-se de passagem, reflete diretamente no aspecto visual da trama. Inspirado pelo clássico Apocalipse Now, Jordan Vogt-Roberts investe numa palheta de cores quente e primária, construindo uma combinação de inesperado bom gosto ao utilizar o verde, o azul e o vermelho para traduzir a aura tropical da exótica ilha. Por mais que o CGI seja utilizado em abundância ao longo da película, vide os destrutivos duelos entre os variados monstros, o realizador se esquiva das soluções fáceis ao apostar também nos críveis elementos práticos. Como se não bastassem as poderosas sequências de explosão e a ambientação realística, a produção foi rodada no Vietnã, no Havaí e na Austrália, a equipe de direção de arte impressiona ao construir cenários originais e naturalmente atraentes. Detalhe para o santuário tribal do Kong, para a rústica estrutura habitacional dos moradores da ilha e para o local recheado de ossadas. Neste último, aliás, acontece um dos melhores momentos do longa, um exuberante plano sequência protagonizado por Tom Hiddleston.


Um triunfo que, logicamente, precisa ser dividido com o diretor de fotografia Larry Fong (300), virtuoso ao capturar a atmosfera calorosa defendida por Roberts. Os predicados técnicos, no entanto, não param por ai. Enquanto a trilha sonora de Henry Jackson soa um tanto quanto inexpressiva, o setlist setentista dita o ritmo da película com 'hits' de David Bowie, Black Sabbath e Creedence. O realizador encontra musicalidade, até mesmo, na montagem hip-hop, um recurso tecnicamente elaborado que consiste na mistura quase frenética de planos e efeitos sonoros. Uma firula estética sagaz que, aqui, é aplicada com pontualidade, dialogando de maneira irônica com o desfecho da cena anterior. Num todo, aliás, o desenho de som do filme é absurdo, um trunfo indispensável dentro das diversificadas sequências de ação.


Por mais que os talentosos Tom Hiddleston, Samuel L. Jackson, Brie Larson, John C, Reilly e John Goodman cumpram as suas respectivas funções com desenvoltura, Kong: A Ilha da Caveira realmente empolga ao fazer do gigantesco símio o seu grande protagonista. Embora os deslizes narrativos sejam evidentes, a maioria deles envolvendo a queda de ritmo do segundo ato, o elevado número de personagens dispensáveis e o inconsistente uso do humor, Jordan Vogt-Roberts se coloca entre as grandes revelações de Hollywood ao entregar uma aventura esteticamente expressiva. Um filme estupidamente divertido capaz de (re)introduzir um dos mais icônicos monstros do cinema dentro de um contexto novo, ousado e visualmente impactante. E olha que o "grandão" ainda está em fase de crescimento.


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